Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.
Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.
01/10/1980 – Nosso destino é pedalar
O Governo, sempre otimista, fala em adotar um racionamento, se a guerra se prolongar. Não será preciso, posto que não haverá derivados de petróleo para todos, postos fecharão por falta de gasolina e óleo, indústrias ficarão parcial ou totalmente paralisadas e faltará comida nos supermercados e feiras livres, por falta de transporte.
Quem tiver um palmo de terra, plante, que o Ivan aqui garante. O negócio é criar galinha, minha gente, ou então comprar alimentos, gasolina, gás de cozinha, etc., no câmbio negro, a partir de janeiro de 1981. Os carros ficarão parados nas garagens e as bicicletas vão triplicar as suas vendas. Pedalando, nosso povo certamente não dirá: – “Oh, que delícia de guerra”…
Eles brigam e nós é que apanhamos… O conflito entre Irã e Iraque vai terminar tragicamente, inclusive para o Brasil, haja vista que nosso Governo está fazendo planos tendo em vista apenas o tempo de duração da guerra e não as suas consequências.
Eu, que não sou ministro do Planejamento, vejo claramente o que vai acontecer num futuro próximo, posto que a minha bola de cristal não está embaçada, ao contrário da do general Gol B. Ry. Mesmo que essa guerra no Oriente Médio termine rapidamente, todas as refinarias de petróleo dos dois países ficaram seriamente avariadas, sendo que nem Irã e nem Iraque poderão exportar petróleo nos próximos seis meses ou mais…
O Governo teve sete anos para tomar providências no sentido de poder substituir o uso do petróleo por outros combustíveis, construir ferrovias eletrificadas, colocar trólebus nas cidades e usar carvão nas indústrias, no lugar de óleo combustível. Mas, os três últimos presidentes militares nada fizeram além de aumentar o preço da gasolina e outros derivados do petróleo, onerando o nosso povo sofrido e causando a maior inflação de todos os tempos. Agora, o fornecimento de petróleo do Brasil ficará reduzido a cerca de 50% e não teremos gasolina, óleo diesel, óleo combustível, gás de cozinha e outros produtos afins, em quantidade suficiente para levar à frente o desenvolvimento do nosso País.
02/10/1980 – Anedotas do Salim
Conta-se que o Salim, não acreditando no IBOPE, que afirmou ser ele o pior governador de todos, saiu disfarçado pelas ruas de São Paulo, fingindo ser pesquisador de opinião pública, munido de um gravador. Logo de cara, topou com autêntico homem do povo, o indivíduo mal vestido e de sapatos furados, provavelmente um privilegiado metalúrgico do ABC…
Ao se identificar como pesquisador, o vale lascou a pergunta, de gravador ligado: – Amigo, o que o senhor acha do Dr. Salim? – ao que o trabalhador respondeu, por sinais, que não estava disposto a responder a essa indagação naquele local. Então o Salim resolveu levar o bom trabalhador para um lugar mais isolado, onde houvesse menos gente e onde pudessem conversar à vontade: a porta de uma igreja.
Repetiu a pergunta, ao que o homem respondeu: – Olha, moço, aqui neste lugar eu não vou falar não… Ainda tem muita gente! – De fato, havia um mendigo pedindo esmolas na escadaria do templo. Dirigiram se então, o Salim e o operário, para os fundos da igreja, onde havia um cemitério. Repetida a pergunta, o homem do povo ainda assim não quis responder, indicando ao falso pesquisador um casal de namorados que trocava carinhos no local.
Se o problema era testemunhas, o Salim levou o homem para o interior do campo santo, onde não deveria haver ninguém. Assim mesmo, o operário negou se a responder à pergunta, indicando um coveiro que cavava uma sepultura nas proximidades e acrescentando: – Aqui eu não respondo: ainda tem gente escutando!
Já aborrecido, o Salim levou o homem até o local mais ermo do cemitério, onde ninguém, absolutamente ninguém, poderia ouvi-los. – Aqui está bom? – Indagou o Salim – Acho q-que sim… Respondeu, ainda titubeante, o operário, olhando para os lados, com desconfiança.
– Então vamos lá companheiro: diga logo o que o senhor acha do Dr. Salim? – ao que o homem, sempre olhando desconfiado para os lados, respondeu: – P-posso dizer, mesmo? – Pode, aqui não há ninguém! – Redarguiu o Salim. E o homem, meio envergonhado: – E-eu… Eu gosto dele!
03/10/1980 – É pacote ou outro embrulho?
Eu não disse? Em minha coluna do dia 1º eu afirmava: “os três últimos presidentes militares nada fizeram além de aumentar o preço da gasolina e outros derivados do petróleo”… E aí temos a gasolina a Cr$ 45,00 o litro!
Planejar é aumentar preços? E precisa de ministro pra isso? Eis o novo “pacote” de medidas do Governo para fazer frente à guerra entre Irã e Iraque, que cortou em 50% o fornecimento de petróleo ao Brasil: o gás de cozinha subiu 10%, passando o botijão de 13 quilos a custar Cr$ 235,00; o óleo diesel passou para Cr$ 17,30 o litro; o querosene aumentou para Cr$ 15,00 o litro e o combustível teve um reajuste de 20%, assim como a gasolina, passando o tipo BPF para Cr$ 10,00 e o tipo BTE para Cr$ 13,00 o litro.
O álcool para automóveis já havia subido, como medida preliminar, a semana passada, passando para Cr$ 24,00 o litro, mais caro do que muita cachaça tida como “da boa”. E o ministro do planejamento, professor Antonio Delfim Netto, ainda veio com esta: fez um apelo a 23 representantes de associações de redes de supermercados de todo o país para que realizem um esforço adicional sobre os preços de outubro. Traduzindo: ele pediu aos supermercados para manter os preços nos níveis atuais…
Ora isso é inviável na prática. Por mais boa vontade que alguns donos de supermercados tenham, o produto para revenda já chegará aumentado às prateleiras, em virtude do aumento do preço do transporte e da fabricação de muitos alimentos, latarias, etc., já que a maioria das indústrias continua queimando óleo combustível adoidado.
Nenhuma medida de racionamento, nenhum plano a curto prazo para evitar maiores consequências (falta quase total de alimentos nas prateleiras dos supermercados e das bancas das feiras livres) nenhum projeto de incremento das ferrovias, hidrovias, nada de implantação de trólebus nas cidades, nada quanto aumentar a produção de álcool carburante, nem de com substituir o óleo combustível por carvão, nas indústrias. Como eu disse, os três últimos governantes militares só souberam aumentar preços, onerando os já sofrido bolso do povo. Afinal, isso daí é pacote ou é embrulho?
04/10/1980 – Não mais que de repente
De repente, não mais que de repente, o “caso Dallari” mudou de figura: quando até a OAB já perdia totalmente as esperança de conseguir a apuração do caso de agressão violenta sofrida por esse eminente jurista que é o Dr. Dalmo de Abreu Dallari uma carta chegou às mãos de um deputado, parecendo modificar todo esquema que, até o momento, parecia pretender acobertar os autores desse repelente atentado.
O deputado Sérgio dos Santos (PT) foi quem fez a denúncia em plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. Segundo ele, uma carta assinada por um certo “Azambuja” (talvez um codinome), denunciou como um dos autores do atentado um certo “Alemão” (outro codinome) que pertenceria ao Serviço Reservado da Polícia Militar de São Paulo.
O deputado teria conversado com elementos da PM, os quais teriam dito a ele que a carta continha elementos que “correspondiam à verdade”, sendo que a carta contém o timbre reservado do Serviço de Inteligência da PM. O deputado Sérgio dos Santos pretende pedir, num futuro próximo, uma comissão de inquérito para apurar violências eventualmente praticadas por policiais militares.
O autor da carta diz ter acompanhado o desenrolar dos atos de terrorismo em São Paulo e que “o Deops tenta encobrir os responsáveis, porque já sabe que pertencem à PM, uma vez que já foram identificados através de fotografias”. Assim, de acordo com a carta, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, às vésperas de ajudar o Papa João Paulo II a rezar a missa no Campo de Marte, teria sido agredido por membros da própria Polícia Militar!
Gente, a denúncia é muito grave, pois, em qualquer país civilizado, a polícia é um órgão de combate ao crime de garantia ou sossego a que têm direito os cidadãos honestos e trabalhadores. Se isso for verdade (rezo para que não seja) todo o governo do Sr. P. Maluf estará comprometido, direta ou indiretamente, com o caso. Se isso for verdade, ficará comprovado ditado popular que diz que “a polícia foi criada para proteger o povo, mas quem é que protege o povo da polícia?”
05/10/1980 – Anedotário político
Dizem que, numa dessas ditaduras por aí, um estudante estava fugindo da polícia política de “el dictador”, depois de uma manifestação de rua, e caiu num rio. O rapaz afundou, voltou à tona e gritou, apavorado:
– Socorro, não sei nadar! Mas nenhum policial ousou se lançar às águas revoltas para resgatá-lo. O rapaz afundou de novo, tornou a voltar à tona, ainda mais apavorado, e gritou – Socorro! S-socorro! E-eu não sei nadar! – Mas, uma vez mais, nenhum policial ousou tentar retirá-lo do rio…
O rapaz afundou de novo, tornou a conseguir sair à tona e gritou mais uma vez: – S-so-socorro… e-eu não sei…glub!…nadar! Glub-glub! – Mas, não tinha jeito mesmo; nenhum agente da lei ousava pular na água para retirar o infeliz. Foi aí que ele, num último lampejo, saiu pela última vez à tona e, juntando todas as suas forças, bradou: – Abaixo a ditadura!
Pulou todo mundo junto.
***
Contam que Carter, Brejnev e outro presidente de um país aí, morreram ao mesmo tempo e foram bater na porta do céu, claro, pois a vida de Presidente é muito sacrificada. Aí, o senhor recebeu os três que, muito curiosos, queriam saber sobre o futuro de seus respectivos países.
O primeiro a ser atendido foi Carter, que perguntou a Deus: – Senhor, quando é que o meu país vai se transformar numa sociedade mais justa, mais humana, menos materialista? O Senhor respondeu, muito sério: – Ih, meu filho, isso vai demorar pelo menos cinco séculos!
Carter, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…
Então foi a vez de Brejnev, que perguntou a Deus: – Senhor, quando é que meu país vai se tornar uma nação onde todos possam discordar do governo, pensar diferente, fazer oposição? O Senhor respondeu, muito sério: – Ih, meu filho, isso vai demorar pelo menos dez séculos!
Brejnev, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…
Aí, o presidente do tal país aí, chegou para Deus e lascou: – Senhor, quando é que o meu país vai ser um país sério?
O Senhor, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…
06/10/1980 – Dicionário do futebol
Cama de gato: falta na qual o jogador simula saltar e, com o corpo, desequilibra o adversário pelas costas. Na prática, golpe que os políticos da situação costumam aplicar nos da oposição com muita frequência.
Camarote: compartimento privativo nas tribunas. (Assistir de): presenciar um jogo sem preocupação pelo sucesso ou insucesso do mesmo. O D(*)lfim está assistindo à nossa desgraça financeira de camarote.
Cambista: pessoa que vende entradas fora do preço de tabela. Na prática, também gente da “loteria zoológica”, que costuma ir preso, ao contrário dos que bancam a Loteca. A zooteca e outras tecas, que estão sempre numa boa.
Campeão: clube o time vencedor de um torneio; idem, jogador desse time. O seu M(*)luf é campeão entre os campeões de ruindade segundo o Instituto Gallup de opinião pública.
Campo: local onde são realizados os jogos. Na época da greve eu não quero nem saber quem foi que expulsou São Bernardo do campo…
Cancha: o local de jogo, o campo. Também experiência. Os operários do ABC têm muita cancha em matéria de correr da polícia.
Caneta: a perna. (Usar a) recorrer à expulsão ou à advertência a um jogador, de parte do juiz. O Governo, quando se sente em inferioridade, costuma usar a caneta contra a oposição.
Canhão: chute muito violento. Também parte de um estribilho que o povo vive usando, embora sem muito sucesso, que é assim: – Mais pão, menos canhão!
Canhoteiro: jogador que chuta de preferência com o pé esquerdo. Na prática, também membro de organização de esquerda, devidamente proscrita.
Canseira: usado na expressão “dar uma canseira”: dar um baile. Quando houver eleição, as oposições vão dar uma canseira no PDS.
Cara: parte central da bola. Na prática, metade do que o povo usa para viver, pois todos sabem que o brasileiro vive só com a cara e a coragem…
Carcará: jogador violento, assim tipo guarda costas de um prefeito aí, que bateu no povo na Freguesia do Ó… Tremendo carcará!
07/10/1980 – Tudo vai bem no INPS
Puxa, que alívio! Como é bom saber que tudo vai bem no INPS… Pelo menos, foi o que fiquei sabendo através de carta que recebi diretamente do ministro Jair Soares, da Previdência e Assistência Social.
Agora eu sei que o mau atendimento que recebi, há cerca de um mês, num posto desse instituto, foi apenas eventual, fruto do mau humor de um funcionário (ou funcionária) que acordou com a pá virada. O mesmo aconteceu com D. Elza Alves Ferreira, moradora aqui na Vila Industrial, a rua Manoel Jorge de Oliveira Rocha, 40. D. Elza é desquitada e, para cuidar de seus filhos, faz transporte de hortaliças (um “trabalho de homem” como ela mesma diz).
Dona Elza, que paga o INPS (ou INAMPS) mensalmente, esteve na sexta feira, ao meio dia, no posto da Av. Campos Salles. Ela precisava entregar apenas uma radiografia de seu filho a um médico, que não estava (por acaso, é claro). Ela precisava esperar e, às 2 da tarde, como já passava da hora de ir trabalhar, D. Elza pediu à funcionária que entregasse ao médico a chapa, quando este chegasse.
A resposta foi agressiva e as duas discutiram. A funcionária deveria estar de mau humor, é evidente. Nada contra o INPS, é claro… A funcionária apenas acha que é normal levar chá de cadeira, segundo declarou a D. Elza. E a funcionária tomou a providência que achava cabível: chamou um guarda que estava de serviço no posto…
Aí o guarda teria dito, sempre segundo a Dona Elza, que “não tem pressa de entregar nada pra médico nenhum. Se alguém morre, é só enterrar!” D. Elza, coitada, chorou e procurou nosso JH, onde declarou que já emagreceu 11 quilos sem saber o motivo, e só não procurou o médico devido ao tratamento e normalmente é dispensado aos dependentes do INPS.
Mas é claro que isso foi apenas uma ocorrência eventual, tal como aquela que aconteceu comigo. Tudo vai muito bem no INPS, no INAMPS, no IAPAS e no SIMPAS, conforme carta que recebi do ministro Jair Soares. D. Elza só não sabe disso porque nunca recebeu carta de tão insigne pessoa. Tudo vai bem, senhora marquesa, digo D. Elza, tudo vai muito bem…
08/10/1980 – Viva o educador maldito
Paulo Freire, o “educador maldito”, foi um dos indivíduos mais injustiçados pelo regime militar implantado no Brasil em 1964. Responsável pelo programa de alfabetização nacional, no tempo do governo legítimo de João Goulart, Freire foi perseguido e banido do Brasil acusado de ser “comunista”.
Na realidade, Paulo Freire é um educador muito competente, que criou um sistema rápido e prático de alfabetização por imagens com textos curtos, que, se ele não tivesse sido banido, teria alfabetizado toda a população do nosso País, nos dias de hoje.
A injustiça foi parcialmente reparada pelo general Figueiredo, quando da concessão de anistia aos exilados políticos, em 1979. Depois de trabalhar no Chile, nos Estados Unidos e na Suíça, Freire esteve envolvido em importantes projetos educacionais na África, particularmente na Guiné Bissau. Agora, podendo voltar ao Brasil, quem diria… Veio parar em Campinas!
Está de parabéns a Unicamp – Universidade de Campinas, por contratar tão eminente educador escritor, autor de “A Pedagogia do Oprimido” e “Cartas da Guiné Bissau”, apesar de setores reacionários tentarem ter obstado essa contratação, inutilmente. Está de parabéns Campinas, por contar com Paulo Freire, o “educador maldito”.
Nosso país precisa de homens dessa cepa, homens bem intencionados, honestos e idealistas, para erradicar o terrível mal que é o analfabetismo. Já é hora de deixarmos os radicalismo de lado, as ideias pré concebidas e as perseguições políticas, para pensarmos na construção de um Brasil grande, com o auxílio de grandes homens aqui nascidos Pelas bênçãos de Deus.
Paulo Freire estará hoje, às 17 horas, na livraria Ler Bem – Rua General Osório, 1157, falando sobre educação. O povo de Campinas deve comparecer em massa para ver de perto esse homem que já virou lenda, cujo único crime, agora anistiado, foi amar os homens e mulheres simples, as crianças do povo e os oprimidos em geral.
Salve Paulo Freire, que nos dá a honra de contarmos com sua presença em Campinas. Proponho que nossa cidade o chame de “educador bendito“. Bem vindo!
09/10/1980 – “Alemão” é negro?
O secretário de Segurança Pública, desembargador Octávio Gonzaga Júnior, confirmou no último dia 2 que o Serviço Reservado da Polícia Militar tem um policial conhecido pelo apelido de “Alemão”, mas adiantou que não vai investigar se ele participou do atentado o jurista Dalmo de Abreu Dallari, “porque esse agente é uma pessoa de cor escura, e a denúncia que o envolve foi feita anonimamente”.
Como se sabe, a denúncia, feita por um certo “Azambuja”, foi recebida por carta pelo Deputado Sérgio dos Santos (PT), que a leu na tribuna da Assembléia Legislativa de São Paulo. O secretário Gonzaga Júnior disse que, em sua opinião, “o destino natural de cartas anônimas deveria ser a lata do lixo…”
Concordamos com o nobre desembargador nesse ponto, e também com a sua opinião de que “essa carta apócrifa poderia ter partido de grupos de agitadores políticos que não estão na ativa Polícia Militar”. Até aí, é perfeitamente possível. Pode haver pessoa (ou pessoas) com interesses escusos, visando denegrir a nossa valorosa corporação.
No entanto, não concordamos com um ponto: quando o senhor desembargador citou “uma pessoa de cor escura”, estaria se referindo a um negro? Prefiro este termo, que indica uma raça, do que termos como “gente de cor”, “patrício”, “mulato” e outros… Seria então o agente “Alemão” um negro?!
Com todo o respeito que tenho pela raça negra e pelo desembargador-secretário, não posso deixar de estranhar essa afirmativa. É a primeira vez, em 40 anos de janela, que ouço falar em um negro com esse apelido… “Alemão”, via de regra, indica um indivíduo claro, louro, de olhos azuis, alto e forte, como soem ser os alemães em geral.
Não teria o digno secretário de Segurança cometido um pequeno equívoco? Como é que pode? Já pensaram: um agente do Serviço Reservado da PM passando pela rua, um negro (provavelmente alto e forte) e alguém chegar para ele gritar: – Ô Alemão como é que é? Tudo joia?
Iam pensar que era gozação, né?
10/10/1980 – Um herói está nascendo
Confesso que nem sempre admirei o prefeito Francisco Amaral. Um homem que chegou ao poder com o apoio do povo teria por obrigação, a meu ver, apoiar este povo em todas as circunstâncias. E, muitas vezes, achei que o Chico vacilava…
Começou por não realizar muitas obras que se esperavam dele, mas ainda havia uma justificativa: Chico tinha uma bomba em suas mãos, uma prefeitura desfalcada, cheia de dívidas e de problemas, fruto de uma péssima e ultra-demagógica administração anterior, do Sr. L. Gonçalves.
Mas, Chico continuou por pedir sucessivos afastamentos do cargo, alegando problemas de saúde; foi se afastando também do MDB, partido que o elegeu, bem como das lideranças políticas oposicionistas de nossa cidade. E assim, Chico foi se desgastando frente à opinião pública.
Parecia faltar-lhe pulso, poder decisório, uma série de coisas que se espera de um homem público, de um administrador. De súbito, Francisco Amaral mostrou-se totalmente diferente da imagem que já se tinha dele, ao decretar o direito de uso, por 10 anos, dos terrenos da municipalidade por parte dos favelados de Campinas.
E, enfrentando todas as ameaças de “impeachment” feitas por um vereador de seu próprio partido, o PP, Chico decidiu-se agora a doar terrenos os desprotegidos da sorte, em caráter definitivo!
Eis aí uma brilhante decisão, que só pode partir de um homem de grande visão, com um coração maior do que o peito. Francisco Amaral, nesse instante, justifica o voto de milhares de Campineiros que o fizeram prefeito. E prova ser uma das poucas exceções neste País, onde um modelo concentrador de renda, instituído nos últimos 16 anos, colocou nas mãos de uns poucos, todo o dinheiro e todos os bens, em detrimento de milhões de abandonados.
Redime-se o Chico de quaisquer erros passados, ao tomar a defesa dos esquecidos, dos humildes, dos desamparados da sorte. Eis que nasce um herói nesta Campinas de tantas glórias: Francisco Amaral, o defensor dos fracos e oprimidos, pobres e favelados.
11/10/1980 – Maluf e as verbas
Greve entre os médicos residentes e alunos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unicamp! Quem sai perdendo, naturalmente, é o povo de Campinas, que não terá atendimento através da Santa Casa, bem como todo o povo da região. E a culpa, segundo os estudantes, é do Sr. P. Maluf, que cortou verbas necessárias à faculdade.
Em passeata realizada pelo centro da cidade, no último dia 8, os estudantes em greve distribuíram uma carta aberta à população, cuja íntegra é a seguinte: “Nós, médicos residentes e alunos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unicamp (Santa Casa e hospital de Barão Geraldo), estamos em greve.
Somos responsáveis por todo o atendimento médico de uma boa parte da população, que não vai ser feito (a não ser os casos de emergência), até que nossos problemas se resolvam. Dessa forma, a população de Campinas e região, que não tem INPS, não será mais atendida durante esse período.
O motivo de tudo isso está na política administrativa do Estado de São Paulo e, infelizmente, apoiada pela reitoria da UNICAMP. Foi negado a universidade o dinheiro necessário para pagamento dos médicos residentes que dão atendimento nos hospitais. Mais uma vez, a universidade sofre com o duro corte de verbas que está sendo imposto pelo Governador Maluf e, dessa vez, sem que nossa reitoria se posicione contra ou a favor.
Para garantir o direito à saúde de nosso povo é o nosso direito à residência, estamos paralisados, contando com o apoio de toda a população”.
A greve dos residentes e alunos é mais do que justa, mas prejudica o povo em geral. É muito triste ver o nosso País caminhar para esse estado de coisas, com verbas de apenas 4% do orçamento da União destinadas à educação e com cortes de verba no âmbito estadual, verbas essas certamente destinadas à mudança da Capital e outros projetos “prioritários”.
Entre outros refrões, ouvi um grupo de estudantes gritar, em pleno Largo do Rosário, no último dia 8: – Puf, puf, puf!! Assim não dá, seu Maluf!” – Além do já tradicional: – “1, 2, 3, Maluf no xadrez”.
12/10/1980 – Anedotas do Salim
Dizem que o Salim, numa dessas incursões pelo interior feitas pela famosa “Caravana da Alegria”, chegou a uma cidadezinha e, todo cheio de pose, se pôs a discursar, negando acusações que estavam sendo feitas contra ele na Capital, de desvios de verbas, malversação dos dinheiros públicos, etc.
Subindo ao palanque, ao lado do prefeito, de toda a sua comitiva e de seus muitos guarda costas, mandou esta: – Eu sou pela honestidade! Eu sou a própria honestidade em pessoa! – e o povo quieto, só escutando. Aí, o Salim se entusiasmou e lascou mais esta: – É tudo intriga! Eu sou um homem honestíssimo! – E o povo, quieto. Aí ele achou que já era dono da situação e, batendo no peito, bem acima do bolso esquerdo do paletó, bradou: – Neste bolso nunca entrou dinheiro que não fosse ganho honestamente!
Foi então que, lá no fundo, do meio da multidão, um caipira magrinho e com cara de fome gritou: – Aí em doutor, de paletó novo!
Outra da “Caravana da Alegria”: dizem que o Salim chegou, com sua enorme comitiva e seus muitos guarda costas, em outra cidadezinha do interior, cansado paca, mas tendo de fazer mais discursos. Era a quinta ou sexta cidade que ele visitava naquele dia e o Salim, entre um bocejo e outro, lascou:
– Povo de Tucururí – Epa! – gritou um assessor. E, aproximando-se do Salim, segredou: – não é Tucururí, excelência…
E o Salim, mais do que depressa: – Povo de Taquarará e o assessor, já meio nervoso, sempre cochichando: – não é Taquarará excelência.
Pigarreando, já meio sem graça, franzindo a testa, ele pensou um pouco e mandou lá: Povo de… de Tocororó! – Apavorado, o assessor cochicha de novo: – Também não é Tocororó, excelência!
E o Salim, já p(*)to da vida: – E como é que eu vou saber a diferença? Em todo lugar que eu vou, o povo gritou mesmo refrão: – Um, dois, três, Salim no xadrez!
Dizem que, na “Caravana da Alegria”, se gritar pega ladrão não fica um meu irmão…
13/10/1980 – Dicionário do futebol
Careca – campo sem grama; jogo sem entusiasmo. Na prática, o povo está careca de saber que, no jogo do governo, ele não tem vez.
Carimbar – Atingir com a bola, violentamente. (A faixa): derrotar equipe que acaba de sagrar campeã. A equipe do M(*)luf é campeã indiscutível de ruindade, e essa faixa ninguém carimba!
Carnaval – (Fazer um): dominar amplamente o jogo. O pMDB, nas eleições de 1982. vai fazer um carnaval…
Carniceiro – Jogador violento e brutal. Na Freguesia do Ó, os carniceiros transformaram os populares em “fregueses do Ai!”
Carnificina – Jogo violento, pancadaria. (Ver o conceito acima).
Caroço – A bola; também contusão, hematoma, calombo. (Também o que sobra para o povo, em decorrência dos dois conceitos acima).
Carrapato – Defensor que marca o adversário de perto, não se afastando dele um só instante. O povo está atento ao que o M(*)luf faz, feito carrapato, só para ver qual vai ser a próxima sacanagem…
Carrinho – Forma de desarmar o adversário, na qual o jogador se atira ao solo e desliza parcialmente deitado. Na prática, forma de correr dos carniceiros da Freguesia do Ó, e única maneira de escapar inteiro.
Cartão – Pedaço retangular de cartolina colorida, que o juiz exibir para os jogadores, para indicar um tipo de punição. (Amarelo): advertência; (Vermelho): expulsão de Campo. Do jeito que as coisas vão mal, logo vai ter ministro da área econômica levando cartão vermelho.
Cartar – Jactar-se, vangloriar-se sem motivo. Pois é, os ministros referidos estão cartando muito, mas estão perdendo o cartaz.
Carregador de piano – Jogador que assume toda responsabilidade da partida nos ombros. O povo é um autêntico carregador de piano, f… e mal pago.
Cartola – Denominação irônica aplicada dirigentes de clubes ou entidades. Na prática, político do Governo que vai pras “Oropas”, na maior mordomia.
Cartucho – Investida, ataque, oportunidade. (Os últimos): as derradeiras chances. Na luta contra a inflação, o Governo está queimando os últimos…
14/10/1980 – Cantinho de poesia
Continuando a cultuar as musas do Parnaso, vamos apresentar uma paródia de “A Serra do Rola Moça”, do imortal Mário de Andrade (1893 – 1945), AUTOR DE “Macunaíma” e de muitos livros de poesia.
A paródia se chama…
O Preço da Gasolina
O preço da gasolina /Não era tão alto, não…
Ela vinha do outro lado, /Do outro lado do mar. /E os homens andavam de carro, /Em vez de bicicleta e cavalo.
Antes que chegasse a guerra, /Ela nunca iria faltar, /Dizendo adeus para todos… /Ela chegava certinho, /E os homens andavam de carro, /Em vez de bicicleta e cavalo.
Motoristas andavam felizes, /Na altura, tudo era paz… Pelas estradas do mundo, /Carros na frente e atrás. /E riam, como eles riam! /Riam até sem razão. O preço da gasolina /Não era tão alto, não.
Os estrondos rubos da guerra /Rapidamente surgiram, /E apressados nos seguiram, /Nos carros e nos caminhões, /Avisando da noite que vinha.
Porém, os governantes continuavam, /Cada qual no seu cavalo, /E riam, como eles riam! /E os risos também rolavam /Pelas estradas de cascalhos. /E os preços, devagarinho, De repente se soltavam, caindo no despenhadeiro.
Ah, fortuna inviolável! /Ninguém tomou providências: /O custo de vida deu um salto, /Precipitado no abismo… /Nenhuma explicação se escutou. /Fez-se um silêncio de morte, /Na altura, mais nada era paz… /O jeito é andar de cavalo, /Pois, no vão do despenhadeiro, /O custo de vida despencou.
E o preço da gasolina /De repente se elevou.
15/10/1980 – Cantigas de roda
Em homenagem à recém-finda “Semana da Criança”, apresentamos velhas cantigas de roda, com novas letras, é claro:
M(*)luf brigou com o povo, /No alto da Freguesia, /O povo saiu ferido, /M(*)luf ainda se ria…
O povo vive doente, M(*)luf vive a folgar; /Mas, quando tiver eleição, /M(*)luf é quem vai chorar!
Cai, cai, gordão, / Cai, cai, gordão, /Por causa da inflação…
– Caio não, caio não, caio não, /Tou com tudo em minha mão!
Bicho inflação, /Sai de cima do meu ordenado,
Diga pro D(*)lfim /Deixar meu bolso sossegado.
Tutu que eu ganhar, /Você quer papar…
Mas hei de ver o dia /Em que você vai se estrepar!
Que é da minha comida? /O que, o que, o que?
Que é da minha comida? /O que se vai fazer?
Tirando um ministro, /O que, o que, o que?
Tirando um ministro, /O que vai acontecer?
Tirando dois ministros, /O que, o que, o que?
Tirando dois ministros, /É que eu quero ver…
Tirando três ministros, /O que, o que, o que?
Tirando três ministros, /O povo vai comer…
Dizei senhor presidente, /Se a vida vai “melhorá”
Só para o filho do conde, /Ou pra nação em “gerá”?
A abertura que tu me deste /Era pouca e se acabou,
A inflação, que tu detinhas, /Já faz tempo que estourou!
Se o mandato, se o mandato fosse meu, /Não deixava, não deixava prorrogar, /Pois o povo está cansado de mamatas, /E nas urnas o seu voto quer botar.
Palma, palma, palma, /Pé, pé, pé,
Roda, roda, rosa, /E a eleição, /Como é que é?!
16/10/1980 – Pode mandar brasa!
O pMDB realizou, em todo o país, a eleição de comissões executivas e diretórios, aproveitando o ensejo para tornar público o seu programa básico. Em resumo, o programa é o seguinte: 1 -“O compromisso fundamental do pMDB é com a democracia”. 2 – “O pMDB será a expressão política da maioria da população brasileira”. 3 – “O pMDB defenderá, intransigentemente, o interesse nacional”. 4 – “As camadas populares devem participar ativamente da vida partidária”. 5 – “O pMDB, dentro dos limites de sua linha programática, assegurará a seus filiados liberdade de atuação no âmbito de suas atividades profissionais e de sua inserção dos movimentos de massa”. 6 – “Como partido democrático, o pMDB reconhece a legitimidade de eventuais divergências entre seus membros e da existência de correntes de opinião”. 7 – “O pMDB considera que o trabalho é o fundamento da riqueza coletiva”. 8 – “Para o Partido tanto as empresas de propriedade estatal, quanto as de propriedade privada deverão pautar suas decisões de produção e gestão segundo o interesse público”. 9 – “O pMDB considera que a democratização do sistema de produção requer a democratização interna das grandes empresas, públicas ou privadas, com a participação dos trabalhadores e dos acionistas e cotistas minoritários, em seus processos decisórios”. 10 – “O pMDB moverá implacável combate contra a corrupção”. 11 – “O pMDB é um partido genuinamente brasileiro e popular. Fundado nesses princípios, o pMDB apresenta as diretrizes para a construção de uma democracia que compatibilize desenvolvimento, liberdade, igualdade e justiça social”.
Além disso, em seu programa, o Partido defende os direitos dos trabalhadores, dos sindicatos, da mulher, do negro, do índio, dos jovens, dos menores, dos analfabetos e de todos os setores marginalizados pela atual conjuntura social. Prega melhor distribuição de renda, reforma tributária, solução para as dívidas interna e externa, reforma do sistema bancário, solução para a questão energética, para o capital estrangeiro, para as pequenas e médias empresas, para a estrutura agrária e desigualdades regionais.
Gostei do programa. É isso daí pessoal: pode mandar brasa!
(Nota da filha: pois é, PMDB… Quem te viu, quem te vê… Esse partido foi a pior decepção de qualquer cidadão democrata brasileiro nos últimos 30 anos. Ainda bem que meu pai faleceu antes de ver no que essa gente se tornou. E eu sincera e humildemente peço desculpas aos leitores deste blog por toda a “rasgação de seda” de meu pai para essa gente, mas, naqueles tempos, quem poderia adivinhar?)
17/10/1980 – O sequestro tudo bem
O Brasil precisa entender uma coisa: há sequestros e sequestros… Explicando melhor: sequestro – sm.Jur. – é (de acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira) – “1 – Apreensão judicial de bem litigioso, para assegurar a entrega, oportunamente, à pessoa a quem se reconheça que ele deve tocar. 2 – o crime de reter ilegalmente alguém, privando-o da liberdade”.
Assim, sequestros legais e ilegais. Um amigo meu, admirador do governo, estava me explicando isso, há dias, a respeito do desvio pra Brasília de um avião da Varig, em voo internacional que deveria ser direto dos Estados Unidos para o Rio de Janeiro.
Esse desvio aconteceu porque o ministro Ernane Galvêas estava a bordo do avião, e ele não podia perder a partida para o Chile, em outro voo, especial.
Vejam bem a argumentação do meu amigo: esse desvio, que está sendo considerado como “sequestro” por setores políticos nacionais, foi perfeitamente legal, pois o ministro Galvêas jamais poderia perder o voo para o Chile, onde, em companhia do presidente-general Figueiredo e outros ministros, iria fazer uma visita de Cortesia ao país amigo, e ao “muy amigo” general Pinochet.
Notem que o ministro não usou armas de fogo, armas brancas ou granadas, como antes faziam os terroristas, para desviar o voo. Uso apenas o seu prestígio, seu cargo, sua autoridade, para desviar o avião para Brasília; assim, os demais passageiros, que sofreram um atraso de cerca de 3 horas na sua chegada ao Rio, deveriam ter maior compreensão, maior visão política, menos pressa e mais amor ao Brasil. Patriotismo, minha gente!
É evidente que os familiares dos passageiros, que estavam no Aeroporto Internacional do Galeão, ficaram muito preocupados com a demora, chegando a pensar na ocorrência de um acidente fatal… Mas, eles também (segundo o meu amigo) deveriam entender a premência da viagem a Brasília, da visita ao país amigo e ao “muy amigo” general Pinochet.
Assim, vejam bem: há sequestros e sequestros. Sequestro ilegal, mesmo, só aquele feito pelos terroristas de esquerda pela força das armas. Para o ministro, tudo; para os terroristas, a Lei!
P.S. – O desvio de rota também nos custou apenas 2000 litros de combustível.
18/10/1980 – Maluf depõe contra
O governador P. Maluf prestou depoimento contra o vereador Sampaio Dória, do PP, em processo que move contra o mesmo, na 19ª Vara Criminal de São Paulo. Em depoimento ao juiz Jarbas Mazzoni, afirmou que se sentiu profundamente ofendido com as expressões “delinquente do Palácio” e “crápula”, que teriam sido usadas pelo vereador, referindo-se a ele.
O governador informou que essas expressões constam de notas taquigráficas de discurso do vereador, a respeito de violências praticadas na Freguesia do Ó, em São Paulo. Por gozar de foro especial, o sr. P. Maluf foi ouvido no próprio Palácio dos Bandeirantes.
Durante seu depoimento, os advogados de defesa, sr. José Carlos Dias e sr. Zé Roberto Leal, perguntaram sobre vários aspectos do caso. O governador negou conhecer o major Carlos Carvalho, o “Taturana”, ou outro membro do SR (Serviço Reservado da PM), mas observou que as violências aconteceram por causa de “faixas ofensivas ao governo e palavras de baixo calão”.
Entretanto, acrescentou que “não pode citar nomes de admiradores” que participaram das violências contra o povo ao defendê-lo, “por estar despachando em local afastado do conflito”.
É por isso que admiro tanto o sr. P. Maluf: ele deveria ganhar o prêmio de “homem de visão” do ano! Notem que o homem é tão iluminado, que chega a ser clarividente. Vejam bem: ele estava despachando em local afastado do conflito, mas sabe que esse aconteceu em virtude da existência de faixas ofensivas ao governo, bem como de termos de baixo calão gritados pelo povo!
Por outro lado, ele desconhece o “Taturana”, ou qualquer outro membro do SR da PM, Mas sabe que os indivíduos que agrediram o povo são seus “admiradores”! E que só fizeram isso no intuito de “defendê-lo”!
Como vemos, a bola de cristal do sr. P. Maluf não está nem um pouco embaçada, ao contrário da do sr Golbery. O sr. P. Maluf é um preclaro iluminado, um vidente, um homem que enxerga mais longe que os homens comuns, aquele que tudo sabe, tudo vê, tudo conhece, mesmo sem estar presente aos acontecimentos, despachando. Prêmio para ele!
19/10/1980 – Muito obrigado, Maluf! (não precisava tanto)
“A verba que o governo do estado pretende destinar à Unicamp, no próximo ano, para a conclusão de suas obras (incluindo Hospital das Clínicas), dará apenas para comprar 5 sacos de cimento”. A informação foi prestada anteontem (16/10) pelo presidente da Comissão de orçamento da Universidade Estadual de Campinas, Eduardo Chaves.
Segundo ele, serão destinados à Unicamp apenas Cr$ 1.000,00, simbolicamente, a título de conclusão de obras. O orçamento total da Universidade prevê gastos da ordem de Cr$ 3,6 bilhões. Isso significa que caiu em 100%, de 79 para 80.
Olha aí, minha gente, deu no jornal (e não foi a garota sapeca em que todos vocês estão pensando, como diz o Roberto Godoy)… O sr. P. Maluf pretende dar à Unicamp a incrível verba de Cr$ 1.000,00! Mas é muita generosidade da parte dele! Para maior clareza, vou repetir a importância por extenso: um mil cruzeiros.
Como o povo de Campinas deve saber, a Unicamp é um dos maiores centros de estudos da América Latina, empregando 1.300 professores e 2.500 funcionários, contando com educadores como Paulo Freire e cientistas como César Lattes. Para manter seu ritmo normal de trabalho, a Unicamp precisaria de Cr$ 6,4 bilhões no próximo ano. Mas, ao que tudo indica, o ensino gratuito não é precisamente a meta do Governo do sr. P. Maluf…
É por essas e por outras que os estudantes universitários em cantando paródias de músicas para o governador, do tipo desta que vamos transcrever agora:
“O ensino pago não dá para encarar
E um rio de lágrimas o povo vai chorar,
Que nasce da vontade que você tem de malufar,
Que nasce da vontade que você tem de malufar!”
Sinceramente, “malufar” é um neologismo que foge à minha compreensão, mas creio que, com isso, os estudantes desejam agradecer a generosidade do Governador. Obrigado, Maluf!
20/10/1980 – Dicionário de Futebol
Casa: O campo, a localidade ou o país de um time; (da viúva): o gol; (do chapéu): confins do mundo; (do ladrão): Palácio do salim.
Casar: Combinar, apostar. Estou casando uma nota preta no time do pMDB.
Castigo: Derrota clamorosa, assim do tipo que o PDS vai levar em 1982.
Catar: perseguir o adversário vioolentamente; defender a bola (o goleiro); (cavaco): cair de quatro, ficar na posição “em que Napoleão perdeu a guerra”. Quem vai ficar catando cavaco é a liderança do PDS…
Catenácio: Cadeado, ferrolho, retranca. Na prática, Lei de Segurança Nacional, catenácio que só é acionado contra líderes da oposição.
Catimba: Uso de recursos desleais para tetardar ou tumultuar uma partida. O PDS usou de catimba para adiar as eleições, mas vai se dar mal…
Catimbeiro: Aquele que usa da catimba, assim tipo A(*)i Ac(*)el.
Cavadinha: Jogada da extrema para o interior da área. Na prática, pedido de emprego nos altos escalões do Governo. Cavadinha de ouro!
Cavalo: Jogador violento, duro. Também “admirador” do Salim na Freguesia do Ó.
Cego: Mau jogador; juiz incompetente. O Governo, diante da miséria do povo, dá uma de cego. Mas, em terra de cego, quem tem um olho é caolho.
Ceguinha: A perna que o jogador não sabe osar para chutar a bola. O mesmo que “perna boba”, que não sabe onde vai. Um “admirador” do Salim disse que um popular agrediu sua perna com a barriga. Êta perninha boba…
Centerarfe: Centro-médio. Do inglês “center half””. Centerarfe e centrefór costumam ser, também, termos usados por políticos semianalfabetos deste interior de Deus, geralmente do PDS.
Centro: Meio do campo; ato de centrar a bola; local onde baixam espíritos. Tem muita gente torcendo pro Salim cair fora e baixar noutro centro…
Cera: Expediente lícito ou ilícito para ganhar tempo. Não adianta fazer cera, time do PDS, que o resultado do jogo vai ser adverso mesmo.
Cerca: Limites do campo; (ficar na): ficar na reserva. Quem está no time do governo, hoje, pode ficar na cerca daqui dois anos.
Cerca-Lourenço: Jogo sem objetividade, assim tipo planejamento do D(*)lfim.
21/10/1980 – Anedotas do Salim
Contam que o Salim morreu e foi bater na porta do céu, pedindo a São Pedro para entrar. São Pedro mandou o Salim esperar um pouco e foi consultar os arquivos sobre ele. Consultou, consultou, voltou e disse ao Salim: – Olha aqui, distinto, não vai dar pé, não. Consultamos a sua ficha e verificamos que você só sacaneou o povo, a vida inteira.
Mas o Salim era muito persistente e ficou aborrecendo o santo, afirmando que, certa vez, em 1940, tinha dado uma esmola de 500 mil réis a um mendigo. Tinha praticado uma boa ação e, portanto, merecia uma chance de entrar no reino dos céus.
São Pedro voltou a consultar os arquivos e descobriu que era verdade! Estranhamente, o Salim, quando menino, tinha mesmo dado uma esmola! E agora? Era necessário consultar o Senhor a respeito…
São Pedro pediu uma audiência com o Senhor e expôs o caso. Muito calmo e paciente (como sempre), o Senhor perguntou: – Qual foi a boa ação que o Salim praticou, afinal?
E São Pedro respondeu: – Ah, Senhor… Em 1940 ele deu uma esmola de 500 mil réis para um mendigo. E, por isto, insiste em entrar no céu!
O Senhor deu uma pensadinha, cofiou as longas barbas, apalpou seu próprio peito, achou uma moeda e, iluminado, retrucou: – Toma. Devolve a esmola dele com juros e correção e manda esse desgraçado para o inferno!
Esta outra é da “Caravana da Alegria”. Com mais de 500 acompanhantes, o Salim chegou numa cidadezinha do interior, subiu ao palanque ao lado do prefeito local e começou a discursar:
Povo de Xurucucu da Serra! Em meu governo, atendendo à política do nosso amado Presidente, estamos dando ênfase à agricultura! Vamos todos plantar para que, no próximo ano, todos daqui tenham uma mesa farta! Eu quero ver fartura nesta cidade, muita fartura!
E aí o prefeito, que era do partido do governo, quis ajudar o Salim e emendou: – Num pricisa, dotô! Fartura nóis já tem… Farta feijão, farta arroz, farta tudo!
22/10/1980 – O Salim no Palácio
Deve ter sido alguma coisa que eu não comi… A noite passada eu sonhei que o Maluf era presidente! Ou terá sido por causa do infeliz pronunciamento do Abi Ackel no último sábado? Sei lá, só sei que foi um sonho medonho, daqueles em que a gente rola na cama, se mija todo, feito o sonho daquela música da Elba Ramalho…
Maluf era o presidente; e, logo na posse, ele declarava: – “Juro fazer deste país uma democracia!” – E, para tanto, como primeiro ato, assinava um decreto transferindo a capital de Brasília para Malfópolis!
Sob vivas e aclamações do único partido existente legalmente, o PDS (Partido do Salim), Maluf anunciava alguns nomes do seu ministério: Delfim Neto no Planejamento, Abi-Ackel na Justiça, Ernane Galvêas na Fazenda, César Cals nas Minas e Energia, etc., numa renovação total dos quadros.
Sua medida seguinte foi conter a inflação por decreto, limitando-a em 798% ao ano; bem como tabelar o preço do litro de gasolina, prometendo que não passaria de Cr$ 5.897,00 em 1986.
Pensando no grave problema do ensino gratuito, Maluf decretava uma verba extra para a Unicamp, no valor de Cr$ 1.000,00 (um mil cruzeiros), verba esta considerada indispensável para a sobrevivência dessa universidade. Outrossim, também por decreto, extinguia o Instituto Gallup de Opinião Pública por divulgar dados errôneos sobre a opinião do povo a respeito dele.
Prometia anistia para todos, menos para os adversários políticos, bem como propunha realizar a “nova abertura” e a reforma partidária, criando em vez de um partido único, o PDS-1 e o PDS-2, o primeiro a favor do Governo e o outro nem contra nem a favor, muito pelo contrário.
Decretava que o povo brasileiro era o mais feliz do mundo e que a seleção, mesmo eliminada em 1984, era tetracampeã do mundial de futebol; criava um novo dístico patriótico, muito original: “Brasil, ame-o ou deixe-o e depois tinha de emitir 130 milhões de passaportes…
E mais não sei contar porque, nessas alturas, cai da cama todo molhado com 42 graus de febre e gritando: – “Maluf, eu juro, não sonho mais!”
23/10/1980 – Abaixo o estatuto
Nos dias 7, 8 e 10 de agosto último, quando da aprovação do “Estatuto dos Estrangeiros”, escrevi três colunas com os títulos de: “Somos todos estrangeiros”, “O abominável estatuto” e “O estatuto cheira mal”. Nessa ocasião eu afirmava que o tal estatuto era uma forma de calar dos religiosos do Brasil, em sua maioria estrangeiros, particularmente os sacerdotes da Igreja Católica.
Depois de falar do problema dos refugiados políticos, eu dizia, textualmente, no dia 10: – “Além desses infelizes refugiados políticos, ainda temos muitos padres e bispos estrangeiros no Brasil que tem trabalhado em favor do povo sofrido de nosso País. Se esses religiosos não se calarem, serão todos expulsos, dando fim ao seu longo e árduo trabalho em favor das camadas populares de nossa população, justamente os mais carentes e vítimas das maiores injustiças e arbitrariedades”.
Como todos podem ver, minha bola de cristal não está embaçada, como a do Gal. Golbery; o que eu previa se concretizou, no caso do padre Vito Miracapillo, que se recusou a rezar uma missa de “ação de graças” por ocasião do Dia da Independência, por considerar “não existir a efetiva independência do povo”. A expulsão foi decretada pelo Presidente da República e suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, a quem coube agora a decisão definitiva sobre o caso.
Mas a quem interessava essa expulsão? O ministro Abi Ackel, da Justiça, encaminhou ao chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, no dia 21, general Danilo Venturini, e ao Conselho de Segurança Nacional, a denúncia de que a concretização da expulsão do padre Vito Miracapillo marcará o início de uma onda de violência na Zona da Mata de Pernambuco, patrocinada pela direita radical. Como se nota, o caso do padre de Ribeirão (PE), ainda vai dar muito pano para manga… Como eu dizia, no dia 10/8, “É mister de que o próprio Governo revogue a lei recentemente aprovada por decurso de prazo… General Figueiredo, revogue o “Estatuto dos Estrangeiros” ou estaremos dispostos à vergonha perante todas as nações civilizadas do mundo”.
24/10/1980 – Ainda a expulsão do padre
O episódio da expulsão do padre Vito Miracapillo, pároco de Ribeirão (PE), que se recusou a rezar a missa de “ação de graças” no Dia da Independência, por considerar “não existie efetiva independência do povo”, expulsão essa agora sustada palo Supremo Tribunal Federal, até que seja julgado o pedido de “habeas corpus”, confirmando a liminar concedida pelo ministro Djacir falcão só vem a demonstrar que o “Estatuto dos Estrangeiros”, recentemente aprovado, é uma faca de dois gumes.
A verdade é que a expulsão (ou a tentativa de) do padre foi devida à sua atuação frente à sua paróquia, situada na Zona da Mata do Estado de Pernambuco, e não à sua negativa de rezar uma missa. O padre Vito vinha se mostrando um ingente defensor do povo oprimido, dos lavradores sem terras, dos espoliados do Nordeste. E ninguém é obrigado a rezar missas, no Brasil…
O deputado Marcos Cunha (pMDB-PE), entregou uma série de documentos ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, demonstrando que existe um plano de mobilização da extrema direita nessa região da Zona da Mata, liderado por usineiros e grandes proprietários de terras, acrescentando que já existem armas e munição para venda na região.
O ministro encaminhou os documentos diretamente ao Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Danilo Venturini, e ao Conselho de Segurança Nacional, dizendo: – “Nunca chegaram a mim provas tão articuladas como estas, sobre o que está acontecendo na Zona da Mata, em Pernambuco”. Outrossim, fatos graves atestam a existência de um grupo de extrema direita na região, como o as invasão da igreja de Ribeirão, na missa de desagravo ao padre Vito, que teria sido comandada pelo presidente da Associação de Fornecedores de Cana de Pernambuco, segundo o deputado Marcos Cunha, sendo que esse presidente é o sr. Antonio Celso Cavalcanti, primo do ex-governador Moura Cavalcanti. Também participaram da invasão o empresário Pedro Ernesto e o funcionário da Secretaria da Agricultura, Claudio Pedrosa.
Urge ao ministro da Justiça, além de lançar candidatos à Presidência em São Paulo, coibir esses atentados da extrema direita no Nordeste.
25/01/80 – Vlado, muito obrigado!
Há cinco anos, no dia 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog, nosso amigo e colega “Vlado”, era encontrado morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, após uma sessão de “interrogatórios”. O laudo médico, assinado pelo legista Harry Shibata, dava como “causa mortis” o suicídio por asfixia mecânica, ou estrangulamento.
Agora, no último dia 22, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo cassou o registro profissional desse médico (ex-médico, se a decisão for confirmada pelo Conselho Federal de Medicina), cujo trabalho, como legista do IML, ao assinar autópsias, nos casos de “suicídio”, sem nem mesmo ver o corpo da vítima, foi considerado aético pelo CRM.
Há exatamente dois anos, a União foi responsabilizada pela morte de “Vlado”, numa sentença histórica assinada pelo juiz Márcio José de Moraes. Ainda que não tenha sido possível provar inteiramente que Herzog foi assassinado, ficou provada a culpa da União na morte de um detido que estava, teoricamente, sob a guarda dos serviços de segurança dessa mesma União.
A morte de “Vlado”, que já virou até livro e peça teatral, ainda vai dar muito o que falar, pois novas provas poderão surgir, no seu devido tempo, para confirmar aquilo em que acreditamos: que Vladimir Herzog não se suicidou na prisão, mesmo porque não havia como fazê-lo.
O que ocorreu com Vladimir poderia ter ocorrido com qualquer um de nós, perticularmente com os que pertencem à nobre classe dos jornalistas profissionais, sempre combatidos por suas ideias liberais e, na maioria das vezes, pelos seus ideais democráticos. A morte de Vlado foi um momento marcante da nossa História, que muito contribuiu para o fim das torturas nas prisões políticas, para o término do AI-5, do arbítrio, para a “abertura” e outras pequenas melhoras que estamos agora presenciando.
Nada mais podendo fazer para homenagear Vladimir Herzog, por ocasião do quinto aniversário de sua morte, só posso agradecer a essa heróico jornalisata a dádiva de sua vida, para que todos nós pudessemos viver melhor. Muito obrigado, “Vlado”! Shalom!
26/10/1980 – Já está pra lá de bagdá
Essa guerra já está pra lá de Bagdá! Depois de um mês e lá vai pedrada de hostilidades, a guerra Irã x Iraque chegou a um impasse. A princípio, parecia que o Iraque iria obter uma vitória rápida, já que o exército do Irã, perto do Iraque, era de araque…
Mas, não. O Iraque mudou sua ofensiva para a região fronteiriça de Shatt-Al-Arab, lutando para tomar cidades já sitiadas como Abadã e Khorramshar, lutando nas ruas, tomando casa por casa, como se fosse primordial tomar a região do canal. Essa briga por Shatt-Al-Arab já chateou todo mundo.
A disputa Irã x Iraque parece não levar a nada, só servindo para destruir poços de petróleo, refinarias e oleodutos. Quero ver quando acabar o ouro negro. No mínimo, as coisas vão ficar pretas…
O caso dos reféns norte americanos, cujo sequestro já dura um ano, não teve ainda uma solução, apesar da guerra. Ele já começa a faltar o óleo em todo o mundo. Nos EEUU, pode faltar até o óleo para o Carter.
Os soviéticos limitaram-se a observar o conflito, atrás das fronteiras do Afeganistão. Ainda bem, porque se a União Soviética intervisse na guerra, aí sim é que a coisa iria ficar ruça.
Os tanques dos iranianos e dos iraquianos vão acabar parando, no meio do deserto, por falta de combustível. Do jeito que estão queimando refinarias, ninguém mais vai poder encher o tanque.
O Aiatolá Khomeini, que depôs o Xá Rezha Pahlevi, foi quem, por sua intransigência, provocou o Iraque a ponto de levá-lo à guerra. E agora, vendo que não tem exército para enfrentar o país rival, só sabe ir à mesquita rezar. Reza, Khomeini, reza…
Ninguém é favorável a guerras, mas o mundo inteiro esperava que, com o conflito, o Aiatolá fosse deposto, já que, pelos seus atos depois que tomou o poder, provou ser uma ameaça mundial. Todavia, faltou habilidade aos iraquianos para chegar a Teerã, e dizem que, agora, eles não Teerã, digo, não terão mais chances de chegar lá.
Afinal, quando é que o Aiatolá vai se atolar?
27/10/1980 – Dicionário de futebol
Cercar – Impedir atuação dos adversários, fechar todos os espaços do campo. (frango) – sofrer (o goleiro) um gol fácil de ser defendido. No episódio do lançamento da candidatura do M(*)luf à Presidência, um ministro aí cercou o maior frango…
Chamar – (dentro -: desafiar, provocar. (na chincha) -: revidar à provocação. O PDS chamou dentro os partidos da oposição, mas vai levar uma chamada na chincha em 1982.
Chambão – Modo violento de deslocar o adversário, usando o tronco ou os ombros. Quem vaia o M(*)luf se arrisca a levar o maior chambão,
Chamuscar – Tocar de leve, mas com força, raspar a bola na trave.O caso da cassação do registro profissional do Sh(*)bata chamuscou a trave…esperamos que o Conselho Federal de Medicina confirme a cassação, fazendo um gol.
Chanca – A chuteira. (Entrar de) -: rebater a bola de qualquer modo, inclusive acertando o adversário. A política do D(*)lfim costuma entrar de chanca na já tão sofrida economia popular…
Chapéu – Jogada em que a bola é lançada por sobre a cabeça do adversário. Já a decisão do ministro Djaci Falcão, concedendo liminar ao padre Vito Miracapillo, ameaçado de expulsão do País, foi de tirar o chapéu!
Charanga – Bandinha musical mais ou menos desorganizada, que apóia um time em suas partidas, assim tipo charanga do Seg(*)lio, que apóia o PDS. E como esse sanfoneiro toca mal, puxa vida!
Chargear – Deslocar o adversário na corrida, com uma pancada de ombro. Constitui infração se feita pelas costas com o braço. No caso das prorrogações de mandato, o PDS chargeou a democracia. Pra mim, foi pênalti!
Charlar – Falar de modo inconsequente, contar vantagem. O M(*)luf anda charlando muito… quero ver nas eleições de 1982. Ah, ah, ah!
Chave – Jogada ensaiada, assim tipo votação de emendas no congresso. O PDS já vem com a chave pronta, para trancar qualquer medida em favor do povo.
28/10/1980 – Meus elogios a Maluf
Tenho de fazer os mais sinceros encômios a Maluf, essa figura impoluta e de caráter sem Jaça que hoje ocupa o palácio dos Bandeirantes. O caso da lançamento da candidatura dele à presidência, pelo ministro Abi-Ackel, vai acabar sendo favorável ao povo brasileiro!
Senão, vejamos: o Governo Federal, até o momento, não se mostrou favorável às eleições diretas para Presidente da República, muito embora tenha aceito as mesmas para governadores estaduais, em 1982. Creio que era pensamento da cúpula do Planalto designar um sucessor (talvez civil) para o general Figueiredo, sucessor esse que seria escolhido indiretamente, pelo Congresso, que, graças à invenção dos “senadores biônicos” e outros pacotes, conta com maioria do PDS.
Entretanto, eis que surge Maluf, de São Paulo para o mundo, com o braço erguido pelo ministro da Justiça, sendo proclamado como candidato. Não sei se foi um ato de cortesia do ministro, ou se houve alguma segunda intenção por trás do lançamento de Maluf à presidência, mas sei que as repercussões foram as mais diversas, em todos os setores da sociedade.
O Palácio do Planalto, através de seu porta voz, o ministro da Comunicação Social, Said Farhat, não condenou a candidatura de Maluf, mas também não a referendou, alegando que ainda é cedo para se pensar em eleições. Mas uma onda de intranquilidade começou a percorrer Brasília…
O sucessor em que o governo pensava, civil ou militar, não sei, não era Maluf, sem nenhuma dúvida. E agora paira uma sombra sobre os planos do Planalto: em relação indireta, o governador de São Paulo é rei, sendo capaz de vencer a convenção do PDS, como já fez para conquistar o governo do estado mais rico da União.
Assim, só resta ao governo federal pensar em eleições diretas para a presidência da república, procurando lançar um candidato que, mesmo sendo do PDS, possa conquistar a simpatia do povo e, quem sabe, vencer as eleições. Quanto a Maluf, só se pode louvar a figura que hoje faz, perante o povo brasileiro, autêntico anticandidato. Meus sinceros encômios.
29/10/1980 – Cantinho de poesia
Tomarei a liberdade de parodiar um dos maiores poetas de todos os tempos: Marcos Vinícius de Melo Morais (1913/1980):
Soneto da Separação (Paródia de poesia com o mesmo título)
De repente meu carro foi prum canto,
Silencioso e quieto como a bruma,
Pois gasolina não tinha nenhuma,
Já que o preço da dita é um espanto.
De repente eu quero um carro a vento,
Ou movido a água, ou quem sabe a chama;
De nada adianta o meu ressentimento,
Pois do meu carro imóvel fez-se drama.
De repente, não mais que de repente,
Fez-se triste quem já foi volante,
Fez-se pedestre quem já rodou contente…
Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida caminhada errante,
De repente, não mais que de repente!
Inseto! (Paródia da poesia “Mosquito”)
O mundo é mesmo assim:/Tem Salim.
Por que Salim, por que/Eu e você?!
Você é um inseto!/O mais indiscreto
Da Criação…
Tocando um ano/O seu piano,
Sem compaixão!
Tudo de mau/Você faz aqui,
Cara de pau,/Que afana e ri!
Você gostaria/De passar o dia
Numa delegacia?
Gostaria?
Pois você merece ir pra delegacia!
30/10/1980 – O “robotizado” Maluf
Fiz uma descoberta sensacional: Maluf é um robô! Isso mesmo, gente boa, além de ser governador biônico, o homem é um autômato… pelo menos é o que pude deduzir ao ler a entrevista arrancada “a unha” pelo ultraeficiente repórter João Batista Olivi, quando da visita do governador indireto à cidade de Itapira, aqui pertinho de Campinas.
Olivi conseguiu uma carona, meio “na marra”, no carro geladinho 001, onde se instala o governante do maior estado da união (em riqueza), de Itapira a Campinas, tendo conseguido entrevistar Maluf durante parte do percurso. E quem não acreditar que o futuro candidato à presidência da República (pelo menos, se depender do ministro Abi-Ackel) é feito de fios e computadores, que leia (ou releia) este trecho da entrevista, que saiu no JH do dia 25 de outubro próximo passado:
Olivi: – “E o apoio que o senhor ganhou do ministro da Justiça? O Abi-Ackel não queimou o seu nome?”
Maluf: – “Tenho grande apreço pela Unicamp!”
Olivi: – “O senhor não entendeu, estou falando de Abi-Ackel, o ministro…”
Maluf: – “Tenho grande apreço pela Unicamp!”
Ou, mais adiante, este outro trecho:
Olivi: – “E qual é a sua meta?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “E a presidência?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “Todo mundo diz que o senhor é candidato…”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “Mas, dr. Paulo, por que é que não abre o jogo?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
E, em seguida, Maluf recostou a cabeça e dormiu até o fim da viagem, sem emitir um único ronco! Além de autômato, deve estar com defeito… provavelmente, foi criado pelo dr. Silvana, aquele das histórias do Cap. Marvel.
31/10/1980 – Vamos ter eleições
Quem disse que este ano não iríamos ter eleições? Dia 4 de novembro nosso destino está em jogo, no pleito que vai ser realizado… Nos EEUU, é claro. Nossos patrões do norte vão ver quem ganha e quem perde.
Bem, quem perde somos nós, brasileiros e latino americanos em geral, qualquer que seja o resultado. Todavia, entre Ronald Reagan e James Earl Carter, só podemos torcer pela vitória deste último, uma vez que Reagan, ex-caubói de Hollywood, já se manifestou favorável às ditaduras e contrário à política de defesa dos direitos humanos.
No dia 20 de agosto, limpando a nossa bola de cristal (que não está embaçada como a do Gen. Golbery), já escrevíamos: “Ronald Reagan, candidato do Partido Republicano à presidência dos USA (e abUSA) foi, na juventude, “astro de cinema”, segundo as agências noticiosas. Segundo essas mesmas agências, cujo noticiário tem sido amplamente divulgado pela Rede Globo, Reagan já ganhou, posto que o outro candidato, James Earl Carter, anda desprestigiado. Mais uma mentira que tentam impingir ao povo brasileiro!”
Hoje, às vésperas das eleições o quadro já mudou e as tais agências noticiosas já admitem que Carter e Reagan estão “empatados”. Todavia, não cremos também nisso: Ronald Reagan já perdeu, de longe. Suas propostas de “endurecimento” da política externa norte americana, de apoio às “nações amigas” dominadas por ditaduras e de “combate ao comunismo” só podem calar entre os setores mais reacionários e extremistas a sociedade do “grande irmão” do norte. E só podem acreditar nelas os radicais de direita aqui do sul.
Foi crendo numa vitória de Reagan no que os extremistas brasileiros andaram pondo as manguinhas de fora, estourando bancas, espancando juristas e parlamentares democratas etc. Mas, como dissemos a 20 de agosto, “esse velho ‘cowboy’ vai cair do cavalo” e, com ele, as esperanças de fechamento das velhas raposas que aqui vegetam.
Mas, o mais triste mesmo, é que, mais uma vez, não poderemos votar nessas eleições tão importantes para o nosso futuro. Quando é que o povo brasileiro vai poder escolher seus governantes?
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