História do Zé Carioca, publicada pela primeira vez em 1983, e republicada recentemente.
O papagaio verde pode não ser o melhor pagador da praça, mas isso não quer dizer que ele viva em paz com essa condição. Como todo brasileiro atolado em dívidas, ele gostaria de poder pagá-las, e se atormenta por isso. A esperança de quem sabe um dia conseguir acertar as contas, por outro lado, faz com que ele impulsivamente contraia mais dívidas, mas isso é outra história.
Ele certamente fica muito incomodado quando alguém vem cobrá-lo, especialmente se essa pessoa é um amigo. Aí a coisa toda se torna um real pesadelo: ele não pode pagar, certamente, mas também não pode aborrecer um amigo, ainda mais alguém tão estimado quanto o Panchito. E agora, José? Em todo caso, as efusivas boas vindas ao amigo foram tiradas diretamente do filme “Alô Amigos”.

A história toda é uma comédia de erros, baseada em “falsos cognatos” em um idioma intermediário entre o Espanhol e o Português (o famoso “Portunhol”), e no pavor que o Zé tem de cobradores. Vai daí que, quando o Panchito chega, armado com pistolas e se dizendo caçador de “caloteros”, o Zé quase tem um faniquito. Seria um “calotero” alguma espécie de “caloteiro”?
A palavra “calota”, tanto quanto eu pude pesquisar, significa mais ou menos a mesma coisa nos dois idiomas em questão: é algo como uma cúpula, um objeto abaulado. Mas “calotero” não parece existir. A tradução para “caloteiro” enquanto mau pagador parece ser “perezoso”, que significa algo como preguiçoso. Pode ser que o Panchito esteja tentando falar Português, ou usar uma palavra que ele acha que o Zé vai entender, mas a verdade é que ele acaba causando mais confusão ainda com isso.
Outra coisa bastante fantasiosa é a identidade do tal “calotero”. Ele seria um tipo de lagarto peçonhento com uma protuberância óssea no alto do crânio, algo parecido com uma “calota”, daí a denominação. Mas, também de acordo com as minhas pesquisas, esse bicho não existe. Papai representa seu animal inventado (quem disse que todas as coisas que aparecem em uma história em quadrinhos precisam ser rigorosamente reais?) com base na figura de um dinossauro, o Paquicefalossauro. Mas acho que ninguém no mundo pode dizer se esse animal era venenoso ou não.

Além disso, não existem lagartos peçonhentos no Brasil. Pelo menos, nenhum dos lagartos nativos daqui é venenoso. Na verdade, existem apenas três espécies de lagartos venenosos no mundo: uma na Ásia e duas na América do Norte, ocorrendo dos EUA ao México, justamente o país de onde vem o galo de sombreiro. Assim, o “calotero” do Panchito poderia ser na realidade um Monstro de Gila, mas este, apesar de venenoso, não tem a tal calota na cabeça.
Mas apesar de tudo isso, e até que o mal entendido se desfaça, o leitor já vai ter se divertido bastante com as tentativas do Zé de distrair o amigo e, assim, evitar ser cobrado por ele.
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