No Tempo dos Faraós

História dos Irmãos Metralha, de 1976.

Mais uma da série “Metralhas históricos”, e desta vez a brincadeira é com o tema “Egito antigo”. O esquema é o mesmo da maioria das outras do tipo: o Vovô conta uma história, e os Irmãos estão em volta ouvindo, acompanhados do 1313, que também tem o seu ancestral azarado, de nome Azarophis, fazendo das suas na narrativa.

Logo no primeiro quadrinho temos uma deslumbrante visão de como deve ter sido a Esfinge de Gizé em todo o seu antigo esplendor, quando ela “ainda tinha nariz”. A História exata de como a Esfinge perdeu seu nariz é misteriosa e controversa. Há quem diga que foram os soldados de Napoleão que o removeram a canhonaços, ou até mesmo soldados britânicos no século 19, mas há também registros históricos que mostram a esfinge sem nariz muito antes da chegada das tropas europeias ao Nilo, e que atribuem a culpa a um líder muçulmano da região, no século 14.

Ao longo dos quadrinhos vemos mais cenas típicas do Egito, como uma vista panorâmica do Rio Nilo, e até uma brincadeira com a famosa frase de Napoleão a seus soldados sobre as pirâmides: “Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam”.

Metralhas Egito

Outra grande sacada é a aparência de falcão do Faraó Thatodo-Mundholoko. No antigo Egito os Faraós eram considerados “filhos” do rei dos deuses, Amon-, que era representado justamente assim. Essa necessidade de representar todo mundo como “meio bicho” dos quadrinhos Disney parece natural para algumas pessoas, um tanto estranho para outras mas, no contexto certo, ganha todo um novo significado.

Metralhas Egito1

A trama em si trata de um plano dos ancestrais dos bandidos para roubar a caravana do ancestral do Tio Patinhas, de nome Opha-thi-nhaz. O Azarado até tem alguma sorte nisso mas, como sempre, essa sorte dura muito pouco. O interessante é que o Azarado, em todas as suas “encarnações”, não é tão desafortunado assim enquanto está separado dos primos. É só quando eles se encontram que o prodigioso azar dele volta com força total e contagia a todos. Isso me faz pensar que este é um caso de “profecia auto-realizável“, ou os “santos” de todos esses bandidos realmente “não batem”.

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Mil Faces O Contemplam

História do Morcego Vermelho, publicada pela primeira vez em 1977.

A frase de abertura da história, “Morcego Vermelho! Por trás desses espelhos, Mil Faces o contemplam” é uma referência à célebre declaração de um deslumbrado Napoleão Bonaparte ao pé das pirâmides do Egito: “Soldados! Do alto dessas pirâmides 40 séculos vos contemplam”. E isto, é mais do que claro, é a “marca registrada” de papai na história, a sua “assinatura”, por assim dizer.

Esta é a primeira aparição do vilão Mil Faces, um mestre dos disfarces cujo único propósito de vida é infernizar o Morcego Vermelho. Ou seja, e já que ele trabalhava em casa, sem ninguém da redação do lado para dar palpites, este vilão é mais um dos muitos personagens criados por papai para os quadrinhos Disney.

O resto da trama é a caçada ao bandido das mil caras pelo parque de diversões afora. Nesta caçada, o Coronel Cintra fará o papel de “leitor atento” e dará voz a ele. Em meio a tantas descrições diferentes e conflitantes do bandido que vai atacando uma pessoa após outra, a cada vez com uma aparência diferente, o Coronel não se deixa enganar nem uma vez.

Talvez não fique muito claro logo de cara para o leitor como o experiente policial reconhece o bandido disfarçado de marinheiro (pelo jeito de andar, que não era “gingado” como o de quem está acostumado a andar num convés balouçante de navio), mas a segunda chance que o leitor terá será mais óbvia. Deixar pistas para o leitor decifrar, aliás, é mais uma marca registrada das histórias de papai.

MOV mil faces

Este quadrinho também comprova, aliás, que ao desenhar as histórias de papai, os grandes mestres do traço que trabalhavam com ele “mandavam” no desenho bem menos do que se poderia imaginar, e estavam seguindo à risca as instruções que meu pai dava a eles, muitas vezes por meio de um rafe (rascunho). O desenhista “materializa” a história, e muito bem, sem sombra de dúvida, mas quem mandava em cada detalhe do que iria aparecer na página era papai, o argumentista. É por isso que é um absurdo olhar uma história em quadrinhos Disney e creditá-la toda ao desenhista. Se há um argumentista “por trás”, o crédito (até pelo desenho) é mais dele do que realmente do desenhista, que apenas “empresta” o seu traço, colocando-o, generosamente, a serviço do argumento.

Mas o mais engraçado nesta história é que o personagem principal não faz nada além de levar sustos e ficar confuso, mas nem por isso é considerado “menos herói”. A função dele é menos “solucionar o mistério e prender o bandido” (para isso existe a polícia) do que fazer rir, e isso ele faz, sem sombra de dúvida.

http://www.lojamarsupial.com.br/ivan-saidenberg-o-homem-que-rabiscava

Penapoleão E O Pirulito De Groselha

História do Peninha, publicada uma vez em 1984.

Uma maneira fácil e prática de se causar uma grande confusão, como já vimos no caso do Zé Carioca e do Barão de Bazófia (e também em vários livros da literatura clássica, como em “O Príncipe e o Mendigo“, por exemplo), é ter sósias em posições diametralmente opostas da trama, que possam trocar de lugar e “aprontar”.

Aqui não é diferente. Um soldado raso do exército de Penapoleão é a cara do general francês inspirado em Napoleão Bonaparte. O Pato, já de saída, se chama simplesmente “Que Pena”. É um “gauche na vida”, como já dizia Drummond em seu Poema de Sete Faces. Mas, dada a semelhança, eles acabam trocando de lugar.

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Assim, é o pato Que Pena (uma alusão, aliás, ao bordão “que pena, Kid” das histórias do Vingador do Oeste) quem vai fazer todas as conquistas atribuídas ao grande general. Todas as “piadas de Napoleão” se aplicam, e algumas piadas de guerra (como a “batalha naval” entre o sósia e o Almirante Nelson, travada na base do lápis e papel, como uma brincadeira de crianças) e de louco também. Alguém que pensa que é Napoleão é uma coisa clássica de piadas de hospício, para descrever alguém que tem mania de grandeza.

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Mas de piada em piada, papai também cita a maioria dos fatos históricos da carreira militar do Napoleão da realidade, e aproveita para incluir mais algumas frases em francês no meio do texto, incluindo um trechinho da Marselhesa, o Hino Nacional da França. Quadrinho é cultura! Para quem não conhece a História de Napoleão, é uma introdução. Para quem já a conhece, é uma divertida interpretação.

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