O Jogo Dos Invasores

História do Zé Carioca, publicada pela primeira vez em 1980.

Mais uma do Alfabeta e Gamadelta, alienígenas transmorfos e nada amigáveis, que têm a missão de encontrar uma maneira de dominar o povo da Terra como um primeiro passo para sua posterior destruição.

Originalmente amorfos, sendo representados por duas nuvenzinhas minúsculas, uma branca e outra preta, eles paralisam e tomam a forma do Zé e do Nestor, indo parar bem no meio do jogo inaugural do Estádio de Vila Xurupita (como estamos ficando chiques!).

ZC transmorfos

A confusão, a gritaria nas arquibancadas, o estouro dos fogos de artifício, tudo lembra aos invasores uma guerra, e é sob essa premissa que os dois se envolvem no jogo. Mas mais do que o jogo, porém, eles não conhecem absolutamente nada sobre os usos e costumes dos habitantes do planeta, e interpretam o que está acontecendo à volta deles com base em sua própria ignorância. É claro que não poderia dar certo.

ZC transmorfos1

Se bem que os alienígenas não estão assim tão errados ao imaginarem uma guerra ligada ao futebol, já que há evidências históricas de que a prática de se “bater bola” estaria ligada a rituais e sacrifícios religiosos entre os povos antigos da América Central, e a treinamentos de guerra entre os antigos Asiáticos.

Mas o fato é que a total ignorância dos invasores sobre as regras do jogo, e especialmente sobre como se comportar durante uma partida, levam a jogadas terrivelmente desastradas e situações absolutamente hilárias.

ZC transmorfos2

Imagina na Copa… 😉

 

No Tempo Dos Mandarins

História dos Irmãos Metralha Históricos, publicada pela primeira vez em 1979.

Desta vez estamos na antiga China Imperial, e os antepassados dos Metralhas, aqui chamados de Metralhins, são três honestos mercadores. Quer dizer, honestos só até as 6 da tarde. Ao anoitecer eles se transformam nos “Larápios Mascarados” e saem roubando pelas redondezas.

A brincadeira com o idioma chinês acontece no modo de falar dos personagens, que trocam os “R” por “L”, num estilo que ficou famoso com o personagem Cebolinha, do Maurício de Souza. Assim, temos os “Metlalhins”, e “Lalápios Mascalados”, por exemplo.

Papai abusou também dos trocadilhos e cacófatos nos nomes de outros personagens, como o Imperador Es-Ti-Ling (estilingue), ou de lugares, como a cidade de “Ka-Sa-Kai” (casa cai), o porto de Chu-Chu (chuchu), e a província de “Shin-Ga-Thu-Do (xinga tudo). A sonoridade exótica do idioma oriental já causou muita estranheza aos ouvidos dos brasileiros, e foi dessa maneira que passou à “memória folclórica” das pessoas, em muitos casos.

A estrutura da narrativa é parecida com a das outras histórias do tema: o Vovô está contando seu “causo” sobre os antepassados enquanto também responde às perguntas dos Metralhas, e o Metralha 1313, como sempre, tem um papel especial dentro da trama. A diferença é que hoje ele vai chegar bem mais atrasado do que o normal, depois que o Vovô já terminou sua narrativa e foi embora. Só que isso não vai impedir o 1313 de se dar mal mais uma vez, e hoje sem nem saber por quê.

Metralhins

A história, que contém um forte elemento policial e um pequeno mistério para o leitor resolver, é também pontilhada por citações inventadas de Confúcio, o grande filósofo chinês, e por uma canção também inventada por papai. Ele além disso inventou/adaptou uma melodia em estilo oriental para ela, que infelizmente não sei escrever aqui, mas que ele me ensinou e da qual me lembro até hoje.

Metralhins1

Na Terra Dos Espelhos

História do Morcego Vermelho, publicada em 1976.

A inspiração de papai para esta história foi o livro Alice Através do Espelho (e O Que Ela Encontrou Por Lá), de Lewis Carroll, o mesmo autor de Alice no País das Maravilhas. Também chamado de “Alice No País Dos Espelhos”, a história do livro gira em torno de um (infestado de absurdos) jogo de xadrez, que não por acaso era o esporte praticado por papai (e seu predileto), depois que ele deixou as piscinas para trás.

Como na história de Carroll, esta de papai já se inicia de um jeito meio surreal. Perseguindo um ladrão e indo parar na Casa dos Espelhos de um parque de diversões, o nosso herói atravessa um deles e vai parar na Terra dos Espelhos, sempre correndo atrás do vilão. Uma vez lá ele encontra vários dos personagens do livro, como o cavaleiro e o rei brancos, as flores falantes, o Humpty Dumpty (o ovo sobre o muro) e a Morsa e o Carpinteiro.

MOV Espelho

MOV Espelho 1

Por causa de sua capa vermelha o Morcego é logo confundido pelas peças brancas com um integrante do “exército” adversário do jogo de xadrez. O que acontece é que, pelas regras do esporte, um dos conjuntos de peças precisa ser branco, e o outro tem de ser mais escuro. Geralmente se usa o branco e o preto, mas por tradição, a cor das adversárias das brancas também pode ser o vermelho.

Lewis Carroll usou o branco e o vermelho também em seu outro livro, nas rosas da Rainha de Copas. As rosas são uma clara referência à “Guerra das Rosas“, uma importante guerra civil pelo trono britânico, e o xadrez sendo uma “simulação de guerra”, é provável que seu sentido seja o mesmo também no segundo livro. O Leão e o Unicórnio também são outra referência clara aos símbolos da realeza britânica.

Vistos principalmente como literatura infantil, os livros de Carroll podem ser interpretados também como uma grande crítica à realidade sociopolítica da Inglaterra na época em que foram escritos, uma tentativa de ridicularizar a monarquia, os membros da nobreza britânica e até mesmo os fatos históricos que os levaram ao poder.

Já na história de papai a coisa toda é apenas o pretexto para um “passeio” pelo livro, uma homenagem a um clássico e uma tentativa de incentivar seus leitores à leitura de um pouco mais do que apenas quadrinhos.

A Casa Assombrada

História da Madame Min, de 1976.

(Notem bem o nome desta história, isso será importante mais abaixo) Disfarçada de velhinha, a bruxa compra uma velha mansão assombrada caindo aos pedaços para fazer uma reunião de bruxas e ajudar a Maga Patalójika a fazer uma poção da invulnerabilidade e, quem sabe, ter uma chance melhor de roubar a moedinha número um do Tio Patinhas.

Como sempre nesse tipo de história de magia escrita por papai, existem várias condições malucas que precisam ser cumpridas para que o feitiço dê certo. Nesta, além dos ingredientes exóticos de costume, como unhas de dragão e penas de urubu, é preciso que o local da preparação da poção seja mal assombrado.

É neste detalhe que o bicho pega: todo mundo (inclusive as bruxas, pelo jeito, e também o dicionário) presume que todas as casas assombradas sejam “mal” assombradas. Mas será que é isso mesmo em 100% dos casos? Uma coisa é certa, este plano não pode funcionar, porque a intenção das bruxas não é nada boa.

Sempre confiando na inteligência do leitor, papai já dá a principal pista para o desfecho da história logo no título. Além disso, o “fantasma da casa” parece ser tudo, menos do mal…

Bruxas fantasma

 

No final das contas fica a pergunta: o que faz uma casa ser “mal” assombrada? A índole dos fantasmas que a assombram? Ou os medos e anseios (e preconceitos) daqueles que avistam o fantasma? Se o fantasma não for mau, a casa continua sendo “mal” assombrada?

A Escola De Detetives

História do Zé Carioca, de 1975.

É aquela coisa: quando a situação aperta, o Zé abre uma “escola”. Não importa se nem ele sabe direito o que está ensinando, o importante é tentar descolar uns trocados. O problema é que isso não é exatamente uma coisa honesta de se fazer, e por isso o plano não vai poder dar certo, de modo algum.

E como sempre no caso das escolas do Zé, sejam de detetives ou de super heróis, o primeiro (e geralmente único) a se apresentar como aluno (ou “cair como um patinho” no conto do vigário) é o Afonsinho. Bobinho, afoito, sugestionável ao extremo e de inteligência um pouco limitada, o pato da vila é a vítima ideal do “professor Zé”. Afinal, quem mais acreditaria assim tão facilmente que o papagaio sabe ensinar alguma coisa?

Quando o pato não entende a “aula teórica”, o Zé resolve partir para a “aula prática”, encenando o roubo fictício dos 5 cruzeiros da matrícula que o Afonsinho pagou para que ele investigue, já que essa é a única coisa de valor que existe na história toda.

ZC Afonsinho

 

Mas é aí que o caldo entorna: por coincidência está havendo uma onda de misteriosos furtos na Vila Xurupita, e todos os habitantes estão assustados. Aqui papai insere habilmente um detalhe realista da vida cotidiana dos bairros mais populares no Brasil: a venda do Seu Manoel é o ponto de encontro das pessoas que moram ali em volta, e logo se forma um burburinho, com cada um querendo contar o seu próprio caso, entre queixas sobre a “falta de segurança”.

ZC Seu Manoel

 

Hoje em dia o “ponto de encontro” são as redes sociais, mas em relação à segurança pública ou às reações das pessoas pouco parece ter mudado. De confusão em confusão, de mal entendido em mal entendido, o Nestor acaba sendo apontado como suspeito pelo Afonsinho, e para livrar a cara do amigo antes que algo mais grave aconteça, o Zé vai precisar se explicar até para a polícia.

Este é o castigo do Zé por ter “armado” para cima do amigo ingênuo.

A Tristeza da Cuca

História publicada na Revista Recreio número 154, de 21/06/1972. Isso foi 42 anos atrás (menos 1 dia).

Os personagens da história somos meu irmão e eu, pequenininhos, e… a Cuca. A ideia foi mamãe que sugeriu a papai, e o desenho é do Renato Canini. Talvez por isso mesmo a história está creditada a “Saidenberg”, e não a “Ivan Saidenberg”.

Lucilinha, com pouco mais de 4 anos de idade, já é uma menininha, enquanto seu irmãozinho Ivanzinho, com só 2 aninhos incompletos, acaba de aprender a andar. Essa história me diverte e me comove até hoje. Acho que não há nos quadrinhos brasileiros outra representação tão singela e carinhosa de uma jovem família como esta.

Ciente de sua “senioridade”, a pequena Lucila sabe que tem “mais que o dobro” da idade do irmãozinho, e procura exercer totalmente a sua função de irmã mais velha, inclusive ensinando ao pequeno tudo o que já aprendeu nesta vida. Papai dizia que eu fiz de verdade esta coisa de pegar o irmãozinho pela mão e levá-lo ao quintal sob o pretexto de mostrar a ele “o mundo”, mais de uma vez.

lucila vaninho

Mas a parte biográfica da história termina por aí. A partir do momento em que as crianças saem do quintal e vão passear fora de casa (imaginem, duas crianças tão pequenas sozinhas por aí… fica lindo nos quadrinhos, mas era impensável na realidade, mesmo para aqueles tempos), a história passa para a mais completa fantasia. Numa gruta, as crianças encontram a Cuca, bicho mitológico, que está muito triste porque ninguém mais se lembra dela, nem canta sua canção de ninar, e ela se sente muito solitária.

Demonstrando então um senso prático bastante precoce, Lucila resolve descobrir algo que a Cuca (um monstro que tem cara de jacaré, mão de onça, rabo de galo, pés de pato e asas de borboleta) possa ser ou fazer para se tornar útil novamente. Após algumas tentativas frustradas de usar as asas para voar, ou tentar cantar como um galo, Lucilinha finalmente descobre para o que serve uma Cuca:

lucila vaninho cuca

A única personagem da história que não gosta muito do desfecho é a mamãe das crianças, que no final do dia não entende por quê o nenê não quer dormir:

lucila vaninho mamae

O Sumiço De Maria

História dos Aristogatas, publicada em 1974.

Não eram só histórias do Ronron que os gatos criados em nosso quintal em Campinas inspiravam. Esta é uma história que mistura uma perseguição em estilo policial com uma comédia de erros, ou pelo menos um engano fundamental que dá o “tom” da trama toda, desde a apresentação do problema até sua solução.

A gatinha Maria sumiu enquanto dormia com os irmãozinhos e a mamãe, a gata Duquesa. Matinhos é avisado, e logo identifica o mordomo Edgar em atitude suspeita. Como nesse tipo de história o culpado é sempre o mordomo, inicia-se uma atrapalhada e divertida perseguição por Paris, que “por acaso” acaba tendo a participação de todos os personagens animais desse universo.

Gatos gansas

Cada grupo de bichos com os seus motivos, todos acabam perseguindo ou de outro modo atrapalhando a fuga do mordomo suspeito, até sua captura pelos gatos e subsequente prisão pelos gendarmes, mas é claro que não pelo “crime” de roubar uma gatinha.

Edgar cachorros

Todos os lugares de Paris citados pelo Matinhos existem mesmo. É uma tentativa de papai de ensinar alguma coisa de concreto ao leitor, além de divertir:

Matinhos Paris

 

A Embaixada

Piada de uma página só do Zé Carioca, publicada pela primeira vez em 1974.

Trata-se de uma piada de futebol das antigas, quando ainda existia a “bola do jogo”, que era uma só para o jogo todo. Só entrava outra bola em campo se algo muito grave acontecesse com a “bola do jogo”, como um furo na câmara de ar ou um chute para fora do estádio.

Junta-se a isso o nosso papagaio carioca no papel de um gandula folgado, com pretensões de “grande jogador”, e a piada está pronta:

ZC embaixada

O Feiticeiro Volta A Atacar

História do Professor Pardal, criada em 1981 e publicada pela primeira vez em 1982.

A trama trata do conflito entre ciência, magia e superstição, e dos perigos da arrogância que alguns cientistas e céticos em geral demonstram ao tentar pintar a tudo com um só pincel. É como o velho ditado: “Não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”.

Esse bruxo “do Amazonas” é uma criação de Carl Barks, e papai o usa em algumas histórias que são mais ou menos variações sobre um mesmo tema: o bruxo, sua boneca que encolhe as pessoas que a apertam, e a resposta por meio da tecnologia do Pardal, que de tão avançada acaba se passando por magia. Isso, aliás, é outra noção popular sobre o tema, representada numa das Leis de Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia”.

Lampadinha feiticeiro

Precisando de ajuda para reverter um feitiço de encolhimento, o Feiticeiro primeiro vai ao laboratório, e em seguida invade o Congresso dos Cientistas, onde o Pardal está, e onde um obscuro cientista racionalista faz um longo e veemente discurso contra “crenças supersticiosas” em coisas como magia e feitiçaria.

cientista cetico

É aí que o caldo engrossa, e quando o próprio cientista cético prova uma amostra das coisas que ele diz não existirem, o caldo entorna de vez. A demonstração de enfado do colega ao lado na bancada, aliás, demonstra bem a opinião de papai (e a minha) sobre esses racionalistas fanáticos que só acreditam em seus 5 sentidos.

cientista cetico boneco

O cientista leva um belo susto e aprende uma boa lição, embora relutantemente, e o Pardal, é claro, salva o dia com uma das suas invenções. Cabe ao leitor, no final, decidir o que é ciência, e o que é magia, e se existe mesmo essa incompatibilidade toda que alguns alardeiam entre as duas.

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Aviso aos navegantes: este blog não comenta desenhos. Meus comentários aqui dizem respeito somente aos argumentos/roteiros escritos por papai para suas histórias em quadrinhos. E acreditem, já há bastante o que comentar só nessa parte. Os desenhos das histórias de papai, via de regra, eram feitos por outros artistas, tão talentosos quanto, mas que não são o foco deste blog. Se o leitor quiser saber quem desenhou esta história, por favor acesse o link do Inducks, que fica na data de publicação da HQ, no início deste comentário.

Uma História Que Desanda

História do Pena das Selvas, criada em 1983 e publicada em 1987.

O título original de papai para esta história era “O Espírito Que Desandou De Vez”, certamente porque ela foi aparentemente criada para ser a última do Penado, O Espírito que Desanda, ainda que tenha sido na verdade apenas a segunda delas. A primeira já foi comentada neste blog.

Como vimos anteriormente, O Pena resolve se fantasiar de algo diferente para melhor poder bancar o herói, e acaba sendo confundido com um mítico herói “de verdade” cuja volta os nativos da selva esperam há séculos. Vimos também que este personagem foi inspirado em um clássico dos quadrinhos dos anos 1930: Fantasma (The Phantom), o Espírito que Anda.

Após ser chamado do pejorativo “herói de história em quadrinhos” pela Patrulha das Selvas, nosso atrapalhado herói se magoa e resolve se vestir novamente como um herói mais respeitado, e acaba sendo um pouco “respeitado demais”, quando a própria Patrulha o adota como fundador e chefe supremo. Mas isso, pelo menos, permite a ele desfazer a bagunça que causou na primeira página, mesmo que para tanto ele tenha precisado criar mais algumas confusões.

Penado Metralhas

O mais engraçado, e que ninguém se dá conta, nem o Pena e nem o leitor, é que, se ele vive sendo confundido com um “herói de verdade”, quem é esse herói, e onde ele está? A resposta “vem a cavalo” no final, depois que o Pena é desmascarado pela Patrulha e desiste de vez de bancar o Penado, na figura do próprio Espírito que Desanda, o tal que é esperado há séculos. (Coitado, que hora ele foi escolher para aparecer…) 😉

O Biquinhoboy atua nesta história meio como um comentarista, sempre observando as trapalhadas do tio de fora da cena e tecendo seus comentários, um mais engraçado que o outro. O alter Ego do Biquinho tem também uma participação mais ativa, quando salta das moitas fazendo como os meninos da época da infância de papai, imitando os filmes clássicos de mocinho e bandido do cinema, incluindo as falas, naquele inglês capenga de quem só ouviu, mas nunca leu ou estudou o Idioma do Bardo. (Sei que não precisa, mas aqui vai a “tradução” da fala do patinho: “Come on, boy! Hands up!”)

Penado Biquinhoboy

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Aviso aos navegantes: este blog não comenta desenhos. Meus comentários aqui dizem respeito somente aos argumentos/roteiros escritos por papai para suas histórias em quadrinhos. E acreditem, já há bastante o que comentar só nessa parte. Os desenhos das histórias de papai, via de regra, eram feitos por outros artistas, tão talentosos quanto, mas que não são o foco deste blog. Se o leitor quiser saber quem desenhou esta história, por favor acesse o link do Inducks, que fica na data de publicação da HQ, no início deste comentário.