Os Pulos Do Pula-Pula

História do Professor Pardal, de 1975.

A ideia por trás da trama é a de que “menos é mais”. O inventor oficial de Patópolis está às voltas com um pedido do prefeito por um veículo pequeno e leve que ajude a desengarrafar o trânsito da cidade.

Cativado pelo pula-pula do sobrinho Pascoal, o Pardal tenta “aperfeiçoar” o brinquedo, para que se pareça mais com um veículo “de verdade”. Várias tentativas são feitas, uma mais estrambótica que a outra, para a diversão do leitor. O inventor tenta de tudo, de um simples motor a pilha até um perigoso sistema atômico de propulsão, na intenção de poupar esforço aos patopolenses que usarão a engenhoca.

Pardal pula

Mas será mesmo que é preciso isso tudo?

O pula-pula, assim como o cavalinho de madeira e outros brinquedos das crianças do passado são mais uma das “marcas registradas” de papai, que procurava relembrar e promover as antigas brincadeiras sempre que podia.

O Sumiço Da Gabriela

História do Zé Carioca, de 1975.

Esta é mais uma daquelas histórias nas quais o Zé Queijinho, primo mineiro do Carioca, convida o Zé e o Nestor para irem à Vila-Fim-Do-Mundo (aquela que fica depois de onde Judas perdeu as botas) investigar um mistério. É que o primo sabe que eles são detetives no Rio, e na sua ingenuidade de matuto acredita que é uma ocupação séria.

Desta vez temos o sumiço da cabra Gabriela, mascote do Zé queijinho, a poucos dias de um grande concurso de cabras leiteiras na vila. O Zé, que aparentemente andou lendo livros de Agatha Christie, logo vai raciocinando como um clássico detetive desse tipo de história. Papai me dizia que o primeiro passo para desvendar uma trama dessas é descobrir quem é que tem o motivo para cometer o crime.

Desse modo, todas as suspeitas apontam para o “Coroner” Pafúncio e a nova cabra que ele acaba de mandar vir da capital, chamada Amélia. Cabra essa, aliás, que chegou no mesmo ônibus que o Zé e o Nestor.

ZC sumico

O nome “Amélia” me lembra uma antiga canção de nome “Saudades da Amélia“, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Isso me faz pensar que o nome “Gabriela” pode muito bem ter sido inspirado na canção tema da heroína de “Gabriela Cravo e Canela“, de Jorge Amado. Conhecendo o estilo de papai como eu conheço, a ideia faz sentido.

Mas investigar a fazenda do coronel não vai ser fácil: além dos 20 capangas e dos dois cães de guarda, o lugar tem também uma “onça de guarda”. Se, com o passar dos anos, o Zé até que “chegou a um acordo” com jacarés e crocodilos (o outro terror animal das histórias criadas por papai), as onças nunca deixaram de ser um problema. A ideia do Zé para entrar às escondidas na fazenda do coronel rival até que é boa, mas ele esquece que felídeos são animais “tridimensionais”, que não se limitam a ficar apenas no chão:

ZC sumico1

Mas como sempre acontece nas histórias de papai nada é tão simples, e nem sempre o raciocínio dos livros policiais se aplica. A solução do sumiço da cabra é só metade da história, que continua recheada de surpresas até o último quadrinho.

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Recheado de boas histórias e até de algumas surpresas é também a minha biografia de papai, à venda nas melhores livrarias:

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Os Ladrões-Fantasmas

História do Morcego Vermelho, de 1977.

Esta é mais uma história misteriosa, na qual coisas estranhas e sem explicação aparente começam a acontecer do nada.

Nosso herói está andando em seu patinete-morcego, quando é interrompido por um tipo baixinho com uma vassoura na mão. A roupa dele lembra o uniforme dos Irmãos Metralha… Será o Primo Meio Quilo disfarçado? Mais uma vez, o leitor é convidado a investigar junto com o herói.

A coisa começa a complicar quando o velhinho desaparece de repente, bem diante dos olhos do Morcego. Ele simplesmente some, fazendo “puf” e deixando para trás somente uma fumacinha.

MOV Fantasmas

Nas próximas páginas a coisa vai ficando cada vez mais sinistra, até que o Morcego e o Donald, que se encontram na rua, começam a ver fantasmas! Mais do que ver, eles começam a falar com fantasmas! E não são meras assombrações. São os espectros de famigerados bandidos de todos os tempos, tanto verídicos quanto fictícios, como Arsene Lupin, o Pirata Morgan, Clopin Trovillefou, e outros menos cotados.

MOV Fantasmas1

O Morcego até sabe lutar contra bandidos de carne e osso, mas… fantasmas? Para complicar mais ainda, o velhote aparece de novo, se dizendo chefe dos fantasmas e exigindo que o herói tire a máscara. Será esse o fim do Morcego Vermelho?

No fim tudo se revela como um plano do Bruxinho Peralta para derrotar o Morcego Vermelho. Uma vez desmascarado o vilão, seus sortilégios perdem a capacidade de assustar. São apenas inofensivos monstrinhos da famosa máquina de criar monstrinhos, e apesar de assustadores, não podem fazer mal a ninguém.

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Menos assustadora que os monstrinhos é certamente a biografia de meu pai que escrevi, à venda por um preço até muito simpático:

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A Mancha Cor-de-Rosa

História do Mancha Negra, de 1977.

Durante uma fuga, o Mancha inesperadamente ganha uma aliada misteriosa, que o ajuda a fugir. Como ela se disfarça com um manto cor-de-rosa, aparentemente para deixar muito claro que é mulher, ele a apelida de “Mancha Cor-de-Rosa”.

O problema, do qual ele a princípio nem se dá conta, é que coisas estranhas acontecem quando ela está por perto. Aparecem portas em muralhas antes sólidas, passagens secretas sem explicação lógica, e outras “coincidências” que facilitam a fuga, mas que certamente deixarão o leitor atento com a pulga atrás da orelha a respeito da verdadeira identidade dessa mancha feminina.

Mancha Rosa

Mas o Mancha Negra não tem muito tempo para pensar nesses “detalhes”, no meio da correria toda, entre tentativas de roubo de diamantes famosos e fugas desenfreadas quando a sempre alerta polícia o surpreende. Desse modo, a Mancha Rosa vai se insinuando cada vez mais, se declarando fã do vilão, se dizendo apaixonada, e deixando transparecer cada vez mais a sua intenção, que é a de casar-se com ele.

E desta vez ele chega a ficar bastante envolvido. Achando que ela “dá sorte” a ele, chega até a concordar com o casamento, mas não antes do “golpe de misericórdia” dela, ao revelar a ele o seu rosto:

Mancha Rosa1

Mas será que tudo isso não está um pouco bom demais para ser verdade? Uma aliada bonita, apaixonada, e especialista em fugas espetaculares aparece do nada e logo vai querendo se casar… A esta altura, o leitor já tem uma boa ideia de quem pode ser, na verdade, essa pretendente. Mas o Mancha só desconfia quando lê a notícia no jornal sobre os últimos acontecimentos, e vai ligando os pontinhos.

Não que isso vá trazer alguma vantagem para ele, é claro.

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Perigo Na Ilha

História do Capitão Valente, de 1981, publicada na Revista Pic-Pic número 18, com desenho de Claudino e arte final de Átila.

A revista-brinquedo trazia também os modelos em papel cartão de um Mirage 103 E e Mustang P-51, para as crianças montarem.

Já a aventura do Capitão é uma adaptação resumida (em 4 páginas) de uma história (de 22 páginas) que papai escreveu (sob o nome de mamãe) para o personagem Falcon, da Editora 3, em 1977. A trama é basicamente a mesma: em busca pelos pilotos de sua esquadrilha, que sumiram ao sobrevoar uma ilha deserta e rochosa, ele mesmo é atraído até lá, com avião e tudo, por uma força misteriosa. Uma vez no chão, o Capitão Valente é feito prisioneiro por seus próprios companheiros, que estão sob o efeito de um “raio do controle mental” desenvolvido por um cientista maluco.

Apesar da diminuição brutal no número de páginas, os principais elementos da primeira história continuam aí: o cientista maluco, o raio que atrai aeronaves, o aparelho que controla a mente, a tentativa de fazer o herói passar, ele também, pelo aparelho, e também a explosão final da ilha inteira, de onde os heróis escapam por um triz.

Aqui vemos, além da já conhecida e reconhecida capacidade de pesquisa de papai, uma também incrível capacidade de síntese. A história mais curta “funciona” tão bem quanto a mais longa, sem perder nada em relação à outra. Além disso, há tanta ação em meras 4 páginas, que a história até parece mais longa.

E acima de tudo, este é um bom exemplo de como papai às vezes “reciclava” ideias, e as reaproveitava, com algumas adaptações, sempre que possível. Para um artista que produzia com a intensidade dele naqueles tempos, nos quais era super requisitado para vários projetos ao mesmo tempo, esta era até mesmo uma “técnica de sobrevivência”

CV Ilha

Os Supercupins

História do Superpateta, de 1973.

Em sua campanha para fazer a maior variedade possível de outros personagens experimentarem os superamendoins, desta vez papai os dá a um bando de cupins.

Surpreendentemente, os insetos conseguiram atacar e “carunchar” os amendoins mágicos, que em teoria são tão duros que o Pateta precisa engoli-los inteiros. Mas é sabido que essas pragas são realmente terríveis, então eu realmente não duvido nadinha que fossem capazes de roer superamendoins, se eles existissem.

supercupins

E se os cupins comuns já são um desastre, imagine-se só do que são capazes os supercupins. Eles conseguem devorar uma árvore em segundos, e até concreto reduzem a pó. Com isso, são uma ameaça inclusive à Caixa Forte do Tio Patinhas.

Desta vez o Super não é páreo para os supercupins. Eles “dão um baile” no herói, se espalham pela cidade, e apesar de conseguir salvar a Caixa Forte, ele é um só, e não conseguirá perseguir a todos pela cidade. Será esse o fim de Patópolis?

supercupins1

A solução, é claro, está contida no problema. O efeito temporário dos superamendois pode ser um incômodo, especialmente se passar em um momento impróprio, mas às vezes pode se revelar uma verdadeira bênção.

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No País Das Maravilhas

História do Morcego vermelho, de 1979.

Esta história “faz par” com “Na Terra dos Espelhos”, outra história do Morcego Vermelho que tem como tema os livros de Lewis Carroll, e que foi publicada em 1976.

Desta vez alguém pede socorro ao nosso herói e acusa o Coelho Branco, que está passando correndo, de ter roubado o seu relógio. O Morcego nem tem tempo de ver quem é que está pedindo ajuda, mas, como herói, se lança imediatamente no encalço do acusado, que entra no buraco de uma árvore. Com uma pequena “ajuda” de um pé desconhecido, ele cai no buraco e começa a passar por toda uma experiência no País das Maravilhas.

MOV Maravilhas

Uma vez lá, ele vai encontrando os vários personagens clássicos do livro “Alice no País das Maravilhas”, como o Dodô, o Rei e a Rainha, o Gato Risonho, o Chapeleiro Louco e o exército de cartas do baralho.

MOV Maravilhas1

Mas há algo muito estranho nessa história toda, a começar pelo pontapé que o enviou a essa aventura maluca. Mais uma vez, o leitor se sente convidado a fazer o papel do detetive e tentar entender o que está acontecendo, enquanto o próprio Morcego Vermelho também vai gradualmente resolvendo o mistério e por fim acaba se libertando da situação.

Confusões Em Super-8

História do Donald e do Peninha, de 1976.

Quem nunca sonhou em poder deixar o trabalho de todo dia, “demitir o patrão”, e seguir alguma outra carreira mais artística e empolgante? Pois é exatamente isso que os primos jornalistas tentam fazer, desta vez.

P&D super8

Munidos de uma câmera em “Super-8“, nossos heróis se aventuram nas montanhas e florestas nas cercanias de Patópolis na tentativa de fazer um documentário sobre a vida selvagem para participar de um concurso.

Para os anos 1970, a tecnologia usada é a mais avançada possível. A filmadora era razoavelmente portátil, fácil de operar, e podia gravar filmes (em película fotográfica) de curta duração em cores e com som. Como o resultado final costumava sair bom (quando o cinegrafista sabia o que estava fazendo, é claro), muitos festivais consagrados de cinema passaram a ter uma categoria especial de premiação para esse tipo de filmagem.

Da conversa dos patos aprendemos que naqueles tempos as pessoas precisavam ir ao cinema para ver esse tipo de filme. Ao que parece, a própria National Geographic começou assim, primeiro com a revista e depois com a produção de filmes para o cinema e a TV, antes de finalmente estabelecer o canal de TV a cabo que conhecemos hoje.

Mas entre assistir um documentário já pronto e produzir um deles desde o começo há uma grande diferença, e os patos vão aprender da maneira mais difícil que a prática é bem diferente da teoria.

P&D super81

Findas as esperanças de fazer carreira como cineastas, depois de muitas trapalhadas, só resta aos primos voltarem à redação e negociar novas condições de trabalho com seu tio sovina. Mas a sofisticada câmera Super-8 não ficará esquecida num canto. Papai mais uma vez habilmente conecta o início com o final da história, e os rapazes encontrarão uma utilidade final para ela, em mais um “capítulo” de uma “novela” que pode ser chamada de “como sacanear seu chefe”.

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Patinhas, O Generoso

Naqueles tempos dourados dos quadrinhos Disney, aparentemente, nenhuma edição comemorativa era completa sem uma história épica escrita por papai especialmente para a ocasião. Este é também o caso desta edição que comemorou os 15 anos da Revista Tio Patinhas no Brasil, publicada em 1978, na qual temos mais uma grande aventura que pode ser comparada inclusive às melhores de Carl Barks, não deixando nadinha a desejar.

O velho pato está relembrando o passado enquanto os sobrinhos do Donald brincam na sala. Como é comum com pessoas mais velhas que gostam de relembrar histórias de sua juventude na presença da família e de amigos, a impressão que se tem é que ele já contou todas as histórias que há para contar sobre si mesmo várias vezes, o que acaba gerando um certo tédio nos ouvintes. Mas o Patinhas é teimoso, e acaba lembrando de uma história “inédita”, que ainda não havia contado aos meninos.

Fiel ao mito das origens do Tio Patinhas criado por Carl Barks para a Disney, a ação toda ocorre durante a Corrida do Ouro no território de Yukon, mais exatamente na cidade de Dawson, que fica no Canadá. A trama é baseada em antigos contos de fadas nos quais seres mágicos (como bruxas e fadas) fazem benesses a quem (mesmo sem saber, ou especialmente sem saber) lhes faz o bem, retribuindo, assim, na mesma moeda. É como se fosse um teste, para verificar as verdadeiras inclinações da pessoa e então agir de acordo, ministrando uma recompensa ou castigo, conforme o caso. Esse tipo de história serve também como uma espécie de “alerta moralizante” para exortar as pessoas a sempre serem boas, pois nunca se sabe quando os seus esforços (bons ou maus) darão frutos.

Tudo começa com um ato de desprendimento. Ao salvar a vida de um cachorro de trenó que se perdeu na neve, ele desencadeia uma série de acontecimentos francamente mágicos que o levam, no final, a ser o dono de uma mina de ouro. No meio de uma nevasca, tentando desesperadamente encontrar um abrigo antes que a noite caia totalmente e o congele, seria muito fácil para o pato dar o animal estendido na neve por morto, e “passar batido” sem nem ao menos olhar para ele duas vezes. Essas situações eram comuns nos rigorosos invernos do norte do planeta na época descrita, e ninguém em sã consciência culparia um viajante solitário por continuar em frente. Mas ao invés disso ele resolve justamente parar, perdendo um tempo precioso e arriscando a própria vida, para dar um gole de bebida quente ao bicho.

TP Generoso

Como recompensa pela manutenção da vida do cachorro, um pobre animal indefeso que nunca seria capaz de retribuir o bem que lhe foi feito, um feiticeiro esquimó, que alega ser o dono do animal, concede ao pato a realização de três desejos. Mas a magia não vem de graça: após ter cada um deles atendido, o sovina Patinhas terá a obrigação de ser generoso em retribuição.

TP Generoso1

O velho feiticeiro não diz se haverá um castigo por uma eventual desobediência, nem qual ele poderia ser, mas nem é preciso, na verdade. O Patinhas pode ser sovina, avarento, pão duro, explorador de seus empregados, etc., mas tem o coração no lugar certo, sabe ser grato e, acima de tudo, é honesto. O ditado “promessa é dívida” parece ter um significado especial quando se trata do Tio Patinhas.

(PS: A propósito, só para constar: NÃO dê chocolate quente, ou qualquer outra coisa contendo chocolate, para o seu bichinho de estimação. Nunca. Isso é o mesmo que veneno, para eles)

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E o meu livro ainda está esperando por você:

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Achbar Hamidbar (O Rato do Deserto) 1991

Enquanto estávamos em Israel, papai continuou desenhando e tentando fazer algo na direção dos quadrinhos, ou charges. Mas isso infelizmente não era muito uma parte da cultura por lá, e um dos únicos jornais que publicavam charges ou páginas de quadrinhos, talvez o único na época, era o Jerusalem Post, em inglês.

O fato é que sua arte não foi lá muito compreendida pelos israelenses, mas isso não o impediu de continuar tentando. Uma de suas tentativas foi uma série de cartuns/tiras satíricas, mais ou menos no estilo do Rei Napo, mas adaptada à realidade percebida pelos novos imigrantes no país: as dificuldades em encontrar moradia a preços acessíveis, ou mesmo trabalho, o intenso calor, as dificuldades de comunicação com os israelenses nativos, e a guerra com os árabes dos países em volta.

Reconheço que o formato de “rato” dos personagens, por suas péssimas conotações na iconografia antissemita nazista, talvez não tenha sido das mais simpáticas aos olhos dos israelenses, apesar de que Art Spiegelman também usou algo parecido (e bem mais sombrio) em seu “Maus“, com bastante sucesso.

Outro problema talvez tenha sido o espírito bastante crítico das tirinhas. Na cultura israelense, não se espera que os recém chegados tenham críticas à política do país que os abriga. É visto meio que como “falta de gratidão”. Tenho certeza que a intenção de papai passou longe disso, e que tudo o que ele queria era realmente fazer humor com as próprias dificuldades, rir um pouco de si próprio numa situação séria, já que isto também é uma característica do humor judaico.

Além dos ratos, que representam os novos imigrantes e suas dificuldades de adaptação, temos também a sempre presente figura do sol escaldante acima e também os cactus, que a tudo observam, meio de longe. Na cultura israelense essas plantas espinhosas representam os nascidos no país. Na imaginação deles, se consideram “espinhosos por fora mas doces por dentro”, como os frutos do Tzabar, o cactus da Terra de Israel.

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Emprego – Rato: Mas que espantalho perfeito! Parece uma pessoa viva… – Espantalho: Sou um novo imigrante, e este é o único emprego que encontrei!

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Guerra do Golfo, 1991 – Rato: Detesto estes novos modelos… (de máscara contra gases)

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Calor – Rato 1: Está muito quente hoje! Rato 2: O calor ataca os nervos (notem o cactus ao fundo, criando vida aos poucos) Cactus: O calor resseca o cérebro! Rato 1: Quieto! Você é apenas mais um efeito do calor…

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Moradia – Rato 1: Aquele é o Boris… ele tem uma moradia melhor que a minha! Rato 2: Ele paga aluguel? Rato 1: Não exatamente… ele mora debaixo de um grande casaco, que trouxe de seu país. (A plaquinha acima do guarda chuva que serve de moradia ao rato diz: “minha mansão”)

Perdoem a qualidade um pouco estranha das imagens, mas o papel de desenho que ele usou é um pouco grande demais para a minha impressora, então decidi fotografar. Há várias outras tiras como essas, mas acho que já dá para ter uma ideia do que foi o Rato do Deserto.

A verdade é que até hoje os cidadãos de Israel, tanto imigrantes quanto nascidos lá, ainda enfrentam sérios problemas com moradia e empregos. O conflito aparentemente interminável não faz nada bem para a economia, infelizmente.

Mais sobre o tempo em que moramos em Israel pode ser encontrado no meu livro:

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