Como prometido, revelo hoje os pormenores da inspiração por trás do desenvolvimento por papai do personagem “Pedrão”, da turma do Zé Carioca. Ele muito frequentemente se inspirava nas personalidades e outras características de familiares e amigos para compor seus personagens, e neste caso não foi diferente.
A diferença, aqui, foi a relutância dele em contar a história toda. Este foi realmente um mistério que perdurou por muitos anos, e que demandou bastante esforço para puxar pela memória e chegar a uma dedução. Quase um trabalho de detetive.
O Pedrão, na verdade, é um daqueles personagens que sempre estiveram presentes nas histórias do Zé Carioca e que, mais do que criado, foi “adotado” por papai. Mas assim como no caso do próprio Zé, papai foi responsável por tecer toda uma personalidade autenticamente brasileira para ele.
Aconteceu que, em conversa com o editor Paulo Maffia, da divisão de quadrinhos infanto-juvenis e Disney da Editora Abril, papai teria revelado que havia se inspirado em um amigo para compor o personagem, mas não quis revelar exatamente quem. Disse que não podia, desconversou, mudou de assunto, e a coisa ficou por isso mesmo.
Quando, já após o falecimento de meu pai, o Paulo me perguntou se eu sabia algo sobre este caso, eu tive de dizer que não, porque nunca havia conversado com meu pai em detalhes sobre este personagem em especial. Eu sinceramente cheguei a pensar que não haveria solução para este mistério, e esqueci o assunto.
Passaram-se mais alguns anos, e o Paulo me pediu, recentemente, algumas fotos para a publicação especial sobre o Zé carioca que será lançada em breve. O pedido foi por fotos de família que evidenciassem o vínculo de meu pai com a cidade do Rio de Janeiro, com exemplos de visitas à cidade. Separei algumas fotos de minha infância, e entre elas uma da visita que fizemos, em família, ao Jardim Botânico da cidade, em 1978, e fui mostrá-las à minha mãe, para que ela me desse sua opinião.
Ao ver a foto ela ficou pensativa, como quem lembra de coisas há muito esquecidas, e disse: “sabe, seu pai tinha um tio que morava em uma casa que ficava dentro do Jardim Botânico…” Nesse momento eu me lembrei de meu pai, acocorado na minha frente em um gramado do local naquele mesmo dia, contando exatamente a história desse tio: ele era funcionário público, e havia ganho do governo permissão para viver em uma casa que ficava, para todos os efeitos, dentro do parque. Ele era um senhor bonachão, que adorava festas, amava uma boa feijoada e costumava hospedar o meu pai sempre que ele ia ao Rio de Janeiro em férias, desde os tempos de adolescente e até a época em que ele se casou com mamãe.
Essa casa tinha um pomar em toda a sua volta, e além disso esse meu tio avô, que se chamava Amador Camargo Simões, costumava também colher jacas na Mata da Tijuca, logo atrás da casa. Ora, nas histórias de papai onde o Pedrão aparece, ele sempre tem um pomar, ou pelo menos uma jaqueira, no quintal de casa.
Para mim o mistério já estava resolvido neste momento, mas mamãe continuou, com mais uma lembrança: “esse tio tinha um filho e uma filha, e o rapaz não gostava nadinha de trabalhar”. Esse moço, de nome Wilson, havia inventado uma maneira de viver uma vida sossegada, por assim dizer. Ele trabalhava apenas meio período como representante comercial de uma indústria farmacêutica, fazendo visitas aos médicos seus clientes de manhã, e à tarde dedicando-se ao “dolce far niente”, uma expressão em italiano que quer dizer “a doce arte de não se fazer nada”. Ia à praia, jogava futebol, e de modo geral vivia de sombra e água fresca. Qualquer semelhança com um certo papagaio malandro não é, ao que parece, mera coincidência.
Mas nem todos na família concordavam com esse estilo de vida, e o rapaz era visto por alguns como uma espécie de “ovelha negra”. Acho que foi ele que, desconfortável com a situação, pediu a meu pai que prometesse não contar nada a ninguém. Provavelmente não queria ser alvo de (mais) chacotas. E papai, fiel a seus amigos, manteve a palavra até o fim.
Resta agora, nesta nossa história, somente mais um detalhe: o nome da prima de papai, irmã do Wilson, filha do tio Amador. Era uma moça muito bonita, de corpo escultural, o verdadeiro ideal de beleza da brasileira. Seu nome era Vera, e meu pai a chamava, meio de brincadeira, como um trocadilho, de Prima Vera. Quem conhece bem a obra de papai sabe que nas histórias dele o Nestor tem uma prima com exatamente este mesmo nome, e uma aparência bastante semelhante à da prima de papai na vida real.
Para mim, o mistério está resolvido. Infelizmente, com o passar dos anos, a família perdeu o contato com esses primos após o falecimento do pai deles, em meados da década de 1980. Seria interessante poder conversar com eles, que também já devem estar velhinhos, e retomar os laços familiares.