Uma História De Pescador

História do Zé Galo, de 1984.

Este foi um personagem criado por papai no ano anterior a pedido do estúdio para ser o “rival” do Zé pelo amor da Rosinha, a exemplo do que ocorre com o Pato Donald e o Mickey.

Ele é inspirado numa figura folclórica dos antigos carnavais dos anos 1940-50 de Campinas/SP, um homem cujo apelido era Zé Trovão, e que segundo papai todo ano se fantasiava de galo. Certamente a fantasia devia ser acompanhada do típico comportamento de um galo de terreiro, uma imitação de macho alfa ou o que o valha.

Assim, o Zé Galo é um bufão cheio de si, sem noção e sem nenhum senso de autocrítica, pronto a fazer qualquer coisa para se exibir para a Rosinha, que aliás – moça de fino trato que é – o trata educadamente mas nunca deu a mínima para ele.

Neste episódio temos o Zé Galo convidando a si mesmo para a pescaria e piquenique do Zé, Nestor e Rosinha na margem de uma represa. Chegando lá, além de comer ruidosamente todo o lanche e provavelmente espantar todos os peixes, ele é o único que consegue pescar alguma coisa. Nada menos do que enormes Dourados, um em seguida do outro, que ele faz questão de dar de presente à Rosinha.

Galo Dourado

O comportamento do Galo na história toda é típico do “chato de coquetel da firma”, o sem noção que não sabe se comportar e ainda por cima está crente que está abafando.

Galo Turma

Mas ele não perde por esperar: com a chegada do Afonsinho, que fechou a quitanda mais cedo para ir pescar por conta do lindo dia, o mistério dos peixes se resolve. O quitandeiro entende também de peixes, e sabe que Dourado é peixe de rio, de água corrente. Como vieram aparecer uma represa? É claro que tudo não passava de um plano do Galo para tentar desbancar o Papagaio, e no fim é a própria Rosinha quem inventa o castigo ideal para o fanfarrão.

O Misterioso Sr. Bzung

História do Zé Carioca e Nestor, de 1984.

O Nestor faz um daqueles cursos por correspondência, desses que a gente cresceu a vida toda vendo nas páginas de anúncios das revistas em quadrinhos, e resolveu abrir uma oficina de consertos em sua casa. Apesar da gozação do Zé, que tem alergia a trabalho, as perspectivas do Nestor são boas. E o melhor, os amigos da turma já trouxeram um monte de coisas para ele consertar.

A única coisa com a qual o nosso profissional dos consertos não esperava é a chegada de um cliente muito especial, que pede ajuda para… ser consertado! É um robô, que não sabe de onde veio, ou qual é o seu nome. Por conta das letras gravadas em seu corpo, e do som que ele faz, o Nestor o apelida de Sr. Bzung. Em seguida, ele sai para procurar ajuda, pois teme que o robô possa ser perigoso.

Nestor Bzung

O mistério vai sendo revelado aos poucos, devagar o suficiente para que o leitor possa tecer as suas próprias teorias, e a resposta sobre a identidade da máquina vem do jornal com o qual o Zé se cobriu para tirar uma soneca no banco da praça. Da leitura do jornal aprendemos que é um robô lunar lançado do “Cabo Canavial”, que caiu do foguete sobre o Brasil por causa de uma falha mecânica, e que uma agência espacial dos Estados Unidos – uma tal de NAZA – está oferecendo uma recompensa milionária (em dólares!) pela devolução do equipamento.

Parece a chance de uma vida de finalmente ficar rico, e o Zé dá um jeito de reivindicar para si mesmo metade da grana, pela ajuda em contactar a agência espacial. O problema é que o Sr. Bzung tem seus próprios planos. Ele pode não saber quem é ou de onde veio, mas ele sabe muito bem para onde deve ir.

Nestor Bzung ZC

Enquanto os dois amigos tentam controlar o robô e impedir que ele escape – sem sucesso nenhum – discutem sobre a partilha do prêmio e como entrar em contato com a NAZA, o robô tem seus próprios planos de como chegar à lua sem a ajuda da agência espacial que o criou.

Interessante é a maneira gradual pela qual o visitante é revelado: ele aparece pela primeira vez no último quadrinho da primeira página, apenas uma silhueta e um “bzung”. O leitor desatento talvez nem note a presença, que vai então se intensificando nos quadrinhos seguintes. O próprio Nestor demora a perceber, e é possível que o leitor note que há mais alguém ali antes mesmo do personagem.

Nestor Bzung 1

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A Grande Cachorrada

História da Maga Patalójika, publicada uma única vez em 1977.

A história começa com a Maga passando a pé (sua vassoura está quebrada) por um beco de Patópolis, e sendo hostilizada pelos cães de rua. De acordo com mais uma das regras da magia que papai acaba de inventar, o fato é que cachorros não gostam de bruxas, e as farejam de longe.

A solução, sugerida pelo corvo Laércio, é jogar nos bichos as suas famosas bombas bestificantes, que têm o poder de deixar qualquer um atordoado por algum tempo.

Quando a Maga vê o carro do Donald passar com o pato no volante, levando o Tio Patinhas e a redoma da Moedinha Número Um, a coisa toda vira, para ela, uma caçada ao velho muquirana e ao seu bem mais precioso.

Maga TP

Os patos estão a caminho do acampamento dos escoteiros, onde o Patinhas dará uma palestra sobre como ganhou e guardou sua primeira moeda, e como ela se tornou a base de toda a sua fortuna. Tema fascinante para ele próprio, certamente edificante aos olhos do General dos Escoteiros Mirins, mas na prática bastante maçante, por ser uma história longa e já conhecida de todos.

O elemento que vem quebrar esse tédio é a bruxa em sua sanha gananciosa, que chega ao local de táxi (algo inusitado, para uma bruxa) e “distribui” suas bombas bestificantes para todos os lados, repetidamente ouvindo e acatando as ideias sugeridas pelo corvo de como melhor levar seu plano a cabo.

Maga velhinha

A imagem da velhinha na floresta com o cesto de maçãs imediatamente lembra a Bruxa Má da história da Branca de Neve, embora o disfarce da Maga tenha pouco a ver com o da “colega”.

O plano começa a dar errado quando a “velhinha” se depara com o Sabujo, o cão dos escoteiros que, como todos os cães, não gosta de bruxas e não se deixa enganar por disfarces. Já o problema do cão são as ordens conflitantes que ele recebe dos humanos, inclusive com a ameaça de tomar dele todas as suas medalhas (seu maior medo), que não entendem o porque do ataque ao que parece ser uma velhinha inofensiva.

Maga bomba

Bombas voam para todos os lados, Tio Patinhas e o General são atingidos, a redoma com a moedinha chega a trocar de mãos algumas vezes, a correria é grande, mas quando parece que a bruxa está ganhando a parada, um “detalhe” que ela esqueceu para trás (e na verdade até o leitor) volta para atrapalhar: é o motorista do táxi, elemento surpresa, o “fio solto” que faltava atar na trama, que acordou do atordoamento e quer receber o preço da corrida em dinheiro, não em bruxarias.

Assim a bruxa é capturada, a moedinha volta ao seu legítimo dono, e tudo está bem quando acaba bem. Ou quase: o Corvo Laércio é quem vai ter de aguentar a raiva da bruxa por mais uma tentativa frustrada de roubar a Número Um.

Zé Mandraque

História do Zé Carioca, de 1974.

Nosso papagaio malandro, desta vez, começa a desconfiar que tem um sério problema: ele sempre acaba metendo a si mesmo em encrencas, por causa de sua mania de contar vantagens.

ZC mania

O Zé vai assistir a apresentação de um mágico de palco com a turma, e na saída começa a se gabar que é melhor mágico do que aquele, que já foi inclusive conhecido como “Zé Mandraque” (nome inspirado no Mandrake, personagem dos quadrinhos criado em 1934), e que é só ele treinar um pouquinho…

A Rosinha, então, resolve não deixar barato e convida o namorado para fazer uma apresentação beneficente dali três dias no clube que ela frequenta. E lá vai o Zé, que recruta o Nestor como ajudante, tentar treinar alguns truques de mágica de palco usando uma velha casaca, cartola e bengala que teriam pertencido a um avô seu.

ZC cartola

Logo na primeira tentativa o Amadeu aparece, saindo da cartola como que por mágica. De repente, tudo o que o Zé tem a fazer é sacudir a bengala feita varinha, e várias coisas começam a aparecer e desaparecer inexplicavelmente, incluindo o próprio Zé.

Estariam a cartola e a varinha enfeitiçadas? De onde vem essa magia toda? É nesta hora que o leitor percebe que algo está muito errado: provavelmente temos mais uma visita de alguém do universo das bruxas, ou coisa parecida.

É “coisa parecida”. Logo vemos revelado o vilão da história: ninguém menos que Rudini, o Mágico do Mal, criado por papai no ano anterior para ser um dos inimigos do Morcego Vermelho, e usado pela última vez no final do ano de 1974, também contra o Morcego. São apenas três histórias para este vilão, cujo nome é inspirado no do legendário mágico Harry Houdini, e que tem os poderes do Mandrake, especialmente a hipnose instantânea.

ZC rudini

Usando o Zé, ele ganha acesso ao clube chique das amigas da Rosinha para tentar roubar as jóias das ricaças como se fosse um truque de desaparecimento. Parece o crime perfeito, e o Zé ainda levaria a culpa. Mas é claro que ele não está sozinho nessa, e seus amigos acabam impedindo o vilão de escapar.

Uma vez inocentado, o Zé termina a história em boa situação… ou quase isso.

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O Biquinho Vermelho

História do Biquinho, publicada pela primeira vez em 1983.

Em meados de 1982, meu irmão e eu tivemos uma ideia: e se o Biquinho fosse fã do Morcego Vermelho, e resolvesse imitar o seu herói? Fizemos uma fantasia de “Biquinho Vermelho” com o que havia pela casa, meu irmão se fantasiou e fomos, pulando, mostrar a papai. Ele olhou, sorriu, disse: “Biquinho Vermelho, é? OK”, e a brincadeira acabou por aí.

Até uns anos atrás, quando digitei a lista das histórias de papai para o Inducks, eu nem tinha certeza se ele havia escrito a história, afinal. E quando fui procurar o gibi na coleção, descobri que não o tinha. É por isso que eu não me lembrava dessa história. Eu não tenho uma cópia da Revista Tio Patinhas 215. Tenho a impressão que papai se esqueceu de adicioná-la às outras… (Nesse meio tempo, comprei uma cópia no mercado livre do João Borba, que recomendo como vendedor honesto.) Portanto, as ilustrações desta vez vão ficar a cargo de uma cópia escaneada da revista que achei na Internet, cortesia dos Esquiloscans. (Valeu!)

É claro que há uma diferença grande entre o que aconteceu em casa naquele dia, e o que acontece na história. As relações familiares em casa também eram bem diferentes do que acontece entre o Biquinho e seu tio, o Peninha. Dada a ideia, o resto ficou a cargo da imaginação de papai, e das características dos personagens. O fato é que a maioria das crianças gosta de brincar de se fantasiar. O guarda roupas de uma delas nunca está completo sem uma fantasia de herói ou princesa, só para citar as mais comuns.

Mas as brincadeiras das crianças com suas fantasias raramente acontecem muito longe de casa, ou fora de uma matinê de carnaval ou festa de aniversário. Mas o Biquinho tem de ser diferente, sempre. Para ele, não basta apenas “fazer de conta”. Aliás, ele parece ter um certo problema em discernir entre realidade e imaginação, apesar de que isso costuma ser comum com crianças pequenas.

Biquinho Vermelho

Antes de mais nada, o processo de recolher objetos pela casa do Biquinho foi bem mais radical do que o meu. Eu pelo menos não rasguei o sofá para conseguir as molas para os pés, não serrei o pé da cadeira nem roubei a cordinha do varal. Muito menos saímos, meu irmão e eu, desembestados pela rua à procura de bandidos para prender. Isso só acontece nos quadrinhos, e por bons motivos. Mas pelo menos o meu pai era bem mais atencioso e compreensivo conosco do que o Peninha é com o Biquinho. Ele realmente não faz ideia de como se cria uma criança criativa como o seu sobrinho.

Biq Pen

Desesperado para trazer o Biquinho de volta, o Peninha então se transforma no Morcego Vermelho, pois deduz que o menino só obedecerá uma ordem de voltar para casa assim. “Atrapalhante” é um termo que usávamos em família, baseado no ditado “muito ajuda quem não atrapalha”. Para nós, significava alguém que tenta ajudar com alguma coisa (uma tarefa doméstica, um jogo), mas que no fim acaba atrapalhando, por não saber exatamente como ajudar.

MOV atrapalhante

O comportamento do Biquinho também é baseado no do meu irmão, quando ele era bem pequeno. Aos 3 ou 4 anos de idade ele subiu no palco durante uma peça infantil e deu um chute na canela do ator que representava o pirata malvado da história.

BiqV Tampinha

De confusão em confusão, o Biquinho acaba sequestrado pelo Kid Mônius e Ted Tampinha, dois velhos conhecidos do Morcego Vermelho, mas é claro que eles não são páreo para a pestinha e acabam implorando de joelhos para serem presos.

MOV Ted Kid

Tudo está bem quando acaba bem, e o Biquinho pode então continuar brincando de super herói com o seu jeito radical de ser. E não esqueçam de dar uma olhadinha no livro de papai, bem aqui.

Repórteres-Detetives

História do Donald e do Peninha n’A Patada, de 1974.

Tanto esta quanto as duas anteriores que comentei aqui nestes últimos dias foram publicadas num mesmo número da Revista do Zé Carioca. O detalhe é que estas revistas continham sempre quatro histórias, naqueles tempos. Das quatro deste número (1201), três são de papai e a quarta não é brasileira.

Esta é uma história de mistério de investigação do tipo Sherlock Holmes, mas perfeitamente cômica. Para começar, os primos chegam com um minuto de atraso à redação do Jornal, e são recebidos pelos berros do Tio Patinhas, ouvidos através da porta fechada de seu escritório.

PeD Patada

Eles estranham um pouco, afinal nunca faltou energia ao tio para sair da sala e ir lá bronquear com eles pessoalmente, mas resolvem fingir que trabalham até o velho pato vir dar instruções, o que não acontece.

É aí que o caldo engrossa: num dado momento os rapazes descobrem que estão sendo monitorados por uma máquina, um gravador ligado por um fio às mesas deles. Esse gravador grita as ordens enquanto no lugar do tio está um boneco na cadeira. Está claro que o velho muquirana saiu sem ser visto e não queria que sua ausência fosse percebida.

PeD Patinhas

Mas o fato é que o jornal precisa sair, e sem a orientação do tio isso fica bastante difícil. São apenas os dois patos lá, desempenhando todas as funções sozinhos. Eles, então, resolvem sair à procura do tio, pensando que a história poderá render uma boa reportagem para A Patada. O Peninha inclusive se veste de detetive, com direito a sobretudo xadrez e lupa.

PeD Detetive

O problema é que, se o Patinhas não queria que soubessem que ele saiu, é porque havia um motivo. Sem querer, e na melhor das intenções, os dois repórteres acabam estragando um negócio secreto no valor de vários quaquilhões (ou quatrilhões, pelo menos). Eles ainda tentam varrer tudo para baixo do tapete, quando percebem o erro, mas sem sucesso.

Os primos serão perdoados um dia, mas até lá vão passar uns tempos bancando os detetives em outro lugar.

Memórias Do Vovô

Esta é uma história dos Irmãos Metralha, publicada pela primeira vez em 1974.

A brincadeira aqui fica entre as memórias do Vovô Metralha (suas lembranças) e a memória do Vovô Metralha, que está piorando um pouco a cada dia.

Ávidos por histórias da família, os irmãos pedem ao vovô para contar a eles uma de suas aventuras. O ancião não se faz de rogado, e logo começa a contar o mais recente “grande golpe” que aplicou, começando com sua fuga da cadeia por um túnel… bem no dia no qual seria solto, de qualquer maneira.

Acostumados que estamos por papai a ler histórias geniais, à primeira vista podemos até pensar que esta é uma trama banal: o Vovô foge da cadeia, é recebido a bala pela Titia Metralha, e em seguida ambos começam a traçar um plano para assaltar a Caixa Forte do Tio Patinhas. O súbito aparecimento do Metralha 1313 na história, inclusive, já dá ao leitor uma dica de que rumo as coisas vão tomar.

Mas a genialidade desta história não está aí: acima de tudo, ela serve para delinear melhor a personalidade do Vovô e dar ao leitor uma descrição das manias dele, lançando as bases para as histórias futuras do personagem nas quais ele narra suas aventuras para os diversos membros da família.

Para começar, a cleptomania do Vovô fica bastante clara. Ele não consegue deixar de roubar objetos até mesmo de seus parentes mais próximos.

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Em seguida, sua mania atinge um novo estágio: ele rouba sem perceber, por impulso, e depois esquece. Isso se tornaria recorrente em várias histórias futuras.

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Outra coisa que se tornaria parte das características da família inclui as “palavras proibidas”, aquelas que não devem ser ditas, cuja menção é prontamente punida com uma bengalada na cabeça. A principal delas, é claro, é “polícia”.

vovo palavra proibida

Isso tudo seria usado de novo e de novo por papai nas histórias dos metralhas, sempre com sutis variações. De resto, o plano maluco nesta história e sua elaboração são apenas mais um pretexto para torturar o 1313 um pouquinho. Dado errado o plano, que por definição nunca teve chance alguma de dar certo, voltam todos à cadeia, de onde nunca deveriam ter saído.

A Fada-Madrinha

História do Zé Carioca, publicada em 1974.

Em mais uma mistura de personagens de “universos” diferentes, a bruxinha Magali está em viagem de férias ao Rio de Janeiro, onde ela encontra por acaso um Zé Carioca que não acredita em histórias de fadas, e ainda ri delas. É aí que ela tem a ideia de se fazer passar por fada, só para atazanar a vida dos dois preguiçosos descrentes.

ZC fada

Usando as palavras mágicas e também os truques de transformação da fada madrinha da Cinderela, a bruxinha começa a sua brincadeira transformando uma abóbora numa carruagem. Até aí, essa é só a introdução da história.

O caldo começa a engrossar quando os dois amigos primeiro brigam pela “propriedade” da fada, e depois têm ambos a mesma ideia sobre o que pedir, ao mesmo tempo. Mas como no fim eles ganham apenas um de cada, o jeito é fazer as pazes e tentar lucrar o máximo com a situação.

ZC fada pedidos

Até aí, entre a ida ao banco na cidade no carrão para trocar o saco de moedas, nenhuma maior que 50 centavos, e arranjar um comprador para o iate e o resto das confusões, o leitor já até esqueceu que tipo de magia a bruxinha está usando para criar tudo aquilo. O efeito cômico é criado quando o efeito dos feitiços passa, e os objetos de luxo voltam ao seu estado original, incluindo as moedas, que não passavam de sementes de abóbora.

ZC abobora

Já a Magali certamente se divertiu à beça com a palhaçada, mas não vai ficar impune por ter enganado os nossos heróis. No fim, bem o fim, o feitiço vira contra a feiticeira, mas o Zé e o Nestor nem se dão conta disso. Isso é algo que só o leitor vê.

Pena David

História do Peninha, escrita em 1984 e publicada em 1986.

Papai tinha um jeito todo seu de recontar as histórias da Bíblia, mantendo-se geralmente fiel e respeitoso ao original, mas tornando hilárias até as histórias mais dramáticas. Esse hábito dele era inspirado nos costumes da festa judaica de Purim, quando é permitido interpretar a Torá de um modo cômico, entre outras coisas.

É nesse espírito, então, que o Peninha se torna o jovem que viria a ser o Rei Bíblico David, em seu momento mais dramático: a luta contra Golias de Gate, que levaria à vitória do povo de Israel sobre os Filisteus.

Na história de papai o jovem David não é lá muito bom no manejo da funda, e logo de saída acaba acertando uma pedrada na cabeça de alguém. Há também uma ou outra piada menos ortodoxa ainda, como a placa abaixo:

Pena David Belem Brasilia

Chamado ao palácio do Rei Saul para consolar seu espírito atormentado, Pena David toca sua harpa em ritmo de rock, o que, surpreendentemente, agrada ao rei. Uma das canções que ele toca para o rei é “Eu sou Boy“, de Kid Vinil e o grupo Magazine, que foi sucesso naquela época.

Pena David Rock

Pena David então descobre que a guerra está sendo travada na base dos xingamentos, tanto escritos quanto orais. Mas pior que isso é que ninguém tem coragem de enfrentar o mais desbocado dos inimigos, a quem papai chama de Piolhosteus (uma referência bastante óbvia a piolhos), um gigante de 3 metros de altura. Já a cena do enfrentamento entre David e Golias está absolutamente fiel ao original. Na cópia que tenho da revista, papai adicionou um símbolo ao escudo do Golias com caneta azul, mas desconheço o significado. Já a passagem bíblica era uma das preferidas dele:

Pena David Golias

Papai se divertia um bocado também com as representações que fazia de palavras de baixo calão, cheias de cobras, lagartos, e objetos pontiagudos. A intenção de “ferir” é clara, e reza a lenda que algumas dessas representações tinham até tradução. Mas, ou o meu vocabulário de palavrões não é lá muito bom (rs), ou essa tradução só era clara para ele próprio.

Pena David xingamentos  Pena David xingamentos1

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O Ladrão Robadô

História do Urtigão, criada em 1982 e publicada pela primeira vez em 1986.

O título da história reflete o modo de falar do Urtigão, cheio de erros de português e regionalismos. De um modo simples e despretensioso, este é um mistério policial, com um desaparecimento a ser investigado, e uma divertida surpresa no final.

Nosso herói vai a Patópolis, mais exatamente à feira dos fazendeiros, para investigar o sumiço de uns “bichinhos” que ele acredita que foram roubados de seu sítio. Enquanto ele espera à mesa de uma lanchonete (para não atrair a atenção) até que algum suspeito apareça, os sobrinhos do Pato Donald aparecem, dispostos a gastar suas mesadas com sucos e sorvetes.

Urtigao meninos joca

Na descrição que ele faz dos bichos para os meninos, os desaparecidos fazem “có có có recó”, o que nos faz pensar em galinhas. Ao mesmo tempo fica a dúvida, pois dificilmente o experiente sitiante Urtigão não saberia o que é uma galinha. A principal pista do nosso mistério está aí: cacarejam, mas não são galinhas. Do jeito que o caipira fala, o leitor fica na dúvida até mesmo se são pássaros.

Urtigao meninos

Depois de causar a maior confusão na feira ao perseguir suspeitos e derrubar e quebrar coisas, gastando todo o dinheiro da colheita para pagar os prejuízos, o Urtigão deixa que os meninos o levem até a casa do Donald, para ver se o tio pode ajudar em alguma coisa. No caminho, o capiau ainda deixa escapar que os bichinhos desaparecidos são azuis, o que causa estranheza nos meninos. Que raio de bicho é esse? Será que o Urtigão finalmente endoidou?

Por coincidência, é no quintal dos meninos que os “bichinhos” estão. São pássaros, afinal de contas. Periquitos australianos, azuis como um céu de primavera, empoleirados numa árvore e cacarejando barulhentamente como galinhas. Não foram roubados, mas simplesmente fugiram em bando para explorar a região.

Urtigao periquitos

Reza a lenda que esses passarinhos podem aprender a falar, mas eu cheguei a ter alguns, e apesar dos nossos esforços “educacionais”, nunca ouvi sair deles outro som que não fosse nada mais que o natural para a espécie.

Enfim, a explicação para o cacarejar dos periquitos é que eles foram criados no galinheiro, por falta de lugar melhor no sítio. E por falar em galinhas, uma das cenas de bagunça na feira tem uma divertida correria atrás de algumas delas. Esta é uma lembrança de infância de papai, que quando criança morou numa fazenda e não raro caçava galinhas no terreiro para o almoço.

Urtigao galinhas