PETECA – Pequeno Teatro de Campinas, 1982

Papai sempre foi muito ativo na cena cultural de Campinas, cidade na qual se criou e onde viveu boa parte de sua vida adulta. Ele acreditava que não existe arte mais nobre do que a que é feita para crianças, e fazia o que podia para ajudar na divulgação dos artistas em geral e atores de teatro locais.

Um abraço ao amigo Donizete Romon, ator e autor teatral.

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Apreciador de boas pizzas, papai também fazia, sempre em forma de cartum, a propaganda de suas pizzarias favoritas na cidade. Esta foi bastante veiculada nos jornais da época.

Mas Que Bronka!

História do Peninha, de 1984.

A trama em si é a confusão de sempre feita por 00-ZÉro e Pata Hari em suas disputas contra a Bronka, que é inspirada em séries e filmes de espionagem como “Agente 86”, por exemplo. É claro que tudo está bem trabalhado, com muita ação e suspense, como nas melhores obras do gênero.

Mas a parte mais importante da história não é essa. O mais importante, hoje, está nos detalhes, a começar pelo “transplante” do Parque Taquaral, que fica em Campinas (onde morávamos na época) para Patópolis. Está tudo lá: a lagoa, a Caravela, e até o bonde turístico, que havia mesmo acabado de ser inaugurado.

Apresentado o parque, na primeira página, papai então começa a trabalhar as livres associações que vão ligar o local à trama de espionagem. Para começar, ele transforma um antigo anúncio do remédio Rum Creosotado, que com o tempo se transformou no símbolo da era dos bondes no  Brasil, em uma espécie de senha entre espiões.

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Em seguida, ele faz da Caravela o veículo mutante dos agentes secretos, como o leitor atento logo vai desconfiar, pela cor e pelos remendos metálicos no casco, que não existiam nas naus de madeira do século 16.

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Por fim, a disputa da vez é sobre um produto químico perigoso que existe de verdade, de nome hidrazina. Consta que, além de ser tóxica, ela também é explosiva e usada inclusive como combustível para foguetes. Com um pouco de calculado exagero, papai faz com que o líquido se comporte como outro explosivo famoso, a nitroglicerina.

É óbvio que toda essa correria com e atrás de uma garrafinha contendo algo tão perigoso não pode acabar bem. Mas até aí a homenagem a Campinas, cidade que o viu crescer e na qual ele desenvolveu todo o seu talento para os quadrinhos, está feita.

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A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon

 

Revista Vivere 26

Dois textos da Revista Vivere número 26, de fevereiro/março de 1983. Esta era uma revista local de Campinas, onde morávamos na época, publicada pela Class Serviços Editoriais, Publicidade e Gráfica Ltda.

Na década de 1980 papai escrevia sobre política para jornais e revistas da cidade, sempre com um tom crítico e irônico. Era o começo do fim da ditadura, e (apesar da “abertura” de 1979) a atividade não deixava de ser uma ousadia um tanto perigosa. Nunca se sabia se e quando um militarista mais exaltado se sentiria ofendido o suficiente para jogar um coquetel molotov em uma banca de revistas, ou até mesmo atentar contra a vida de algum jornalista.

Vivere 26

Um belo dia, meu pai me chamou e perguntou: “Lu, você gostaria de entrevistar a Vera Mossa, do Vôlei?”. (Na verdade, Vôlei nunca foi o meu esporte predileto, e eu vivia ensacando dedos, torcendo tornozelos e abrindo pulsos nas aulas de educação física da escola, mas eu nunca diria não a ele, ainda mais se era para ajudar no trabalho dele.) Assim, sentamos e decidimos juntos o que eu gostaria de perguntar, e o que eu deveria perguntar, e lá fui eu, papel, caneta e gravador, entrevistar a moça. Eu havia acabado de completar 15 anos de idade, e já estava entrevistando gente. Depois ele fez a transcrição e editou a entrevista, e o resultado é esse aí abaixo.

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Charge, 1980

Esta charge foi publicada em um jornal de Campinas, em 4 de março de 1980.

Há que se lembrar que o Brasil estava ainda sob o domínio dos militares que (podem até discordar e pedir a “volta” desse regime, mas o que vou dizer é a verdade) governavam o país ilegalmente e com mão de ferro desde 1964.

Qualquer mensagem “libertária” era muito mal vista pelos poderosos, numa época em que bancas de revistas eram atacadas a bomba por venderem os jornais que as publicavam, e jornalistas eram rotineiramente perseguidos e ameaçados por meramente dizerem a verdade.

Hoje em dia, o texto abaixo é visto como “auto ajuda”, espiritualidade, etc. No tempo da ditadura militar, era “subversão”.

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Uma História De Pescador

História do Zé Galo, de 1984.

Este foi um personagem criado por papai no ano anterior a pedido do estúdio para ser o “rival” do Zé pelo amor da Rosinha, a exemplo do que ocorre com o Pato Donald e o Mickey.

Ele é inspirado numa figura folclórica dos antigos carnavais dos anos 1940-50 de Campinas/SP, um homem cujo apelido era Zé Trovão, e que segundo papai todo ano se fantasiava de galo. Certamente a fantasia devia ser acompanhada do típico comportamento de um galo de terreiro, uma imitação de macho alfa ou o que o valha.

Assim, o Zé Galo é um bufão cheio de si, sem noção e sem nenhum senso de autocrítica, pronto a fazer qualquer coisa para se exibir para a Rosinha, que aliás – moça de fino trato que é – o trata educadamente mas nunca deu a mínima para ele.

Neste episódio temos o Zé Galo convidando a si mesmo para a pescaria e piquenique do Zé, Nestor e Rosinha na margem de uma represa. Chegando lá, além de comer ruidosamente todo o lanche e provavelmente espantar todos os peixes, ele é o único que consegue pescar alguma coisa. Nada menos do que enormes Dourados, um em seguida do outro, que ele faz questão de dar de presente à Rosinha.

Galo Dourado

O comportamento do Galo na história toda é típico do “chato de coquetel da firma”, o sem noção que não sabe se comportar e ainda por cima está crente que está abafando.

Galo Turma

Mas ele não perde por esperar: com a chegada do Afonsinho, que fechou a quitanda mais cedo para ir pescar por conta do lindo dia, o mistério dos peixes se resolve. O quitandeiro entende também de peixes, e sabe que Dourado é peixe de rio, de água corrente. Como vieram aparecer uma represa? É claro que tudo não passava de um plano do Galo para tentar desbancar o Papagaio, e no fim é a própria Rosinha quem inventa o castigo ideal para o fanfarrão.

Quem Tem Telhado De Vidro…

História do Donald e Silva, publicada pela primeira vez em 1977.

Eles até que tentam, mas não conseguem parar de brigar, e cada vez por um motivo diferente. A bola da vez é um par de estufas para plantas raras, que os dois resolvem construir em seus quintais. O curioso é que os projetos são iguais, e a primeira planta a ser abrigada em cada uma das estufas também é do mesmo tipo (uma samambaia supostamente rara).

D&S Samambaia

O pato e o cão não entendem a situação, acusam mentalmente um ao outro de inveja, mas continuam com seus planos mesmo assim. Quando a briga inevitavelmente estoura, os sobrinhos do Donald lembram aos dois brigões que anos atrás o Donald deu ao Silva uma muda da planta, e este retribuiu com uma cópia dos planos da estufa.

D&S Briga

Os planos da estufa que o Donald tem estão datados de 1965. E a samambaia do Donald foi um presente da Margarida, “no início do namoro”, nas palavras dele. Assim, podemos deduzir que eles começaram a namorar em meados dos anos 1960. De resto, esta seria apenas mais uma história de briga com estes dois personagens, se não fosse a “história oculta” por trás deste roteiro: a verdade é que os acontecimentos desta história estão intimamente ligados à vida de nossa família na cidade de Campinas/SP naquele tempo.

A samambaia especial é uma referência às muitas plantas do mesmo tipo que minha mãe cultivava no jardim de inverno da nossa casa, e a chuva de granizo retratada na história aconteceu de verdade em junho ou julho de 1977 e deixou para trás um estrago grande, inclusive nos vidros do nosso jardim de inverno.

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Esse tipo de precipitação é comum por lá, e os campineiros certamente sabem o que é isso. Este vídeo dá uma ideia da coisa. O difícil é convencer quem nunca esteve à mercê de uma dessas, e a equipe da Abril naquele tempo quase se recusou a publicar a história porque eles não acreditavam que uma chuva de granizo pudesse fazer esse estrago todo.

E pelo menos uma cena desta história foi inspirada diretamente nas brigas de criança (aquelas, por ciúme bobo) entre meu irmão e eu. O diálogo abaixo também era comum, lá em casa… 🙂

D&S dedos

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A Longa Noite Dos Pernilongos

Esta história, publicada pela primeira vez em 1978, é um bom exemplo de “ficção baseada em fatos reais”, quando papai usava coisas que aconteciam com ele ou com a família como inspiração para suas histórias.

Adapta daqui, exagera dali, dá-se uma “esticada” e uma “costurada” nos fatos, e algum personagem, neste caso o Zé Carioca, ganha uma história muito engraçada.

Se até mesmo hoje em dia, nos meses de verão, os pernilongos são considerados um aborrecimento e uma ameaça, imaginem então o que acontecia há 35 anos. E pior, as alternativas para se lidar com eles eram bem mais limitadas.

Os verões em Campinas costumavam ser quentes, e a presença de pernilongos na casa da família, especialmente ao anoitecer e à noite, era uma constante. Inseticidas e repelentes em espiral eram usados, e mesmo quando conseguíamos afastar os bichos, sabíamos que era só uma questão de tempo até que eles voltassem.

Nesta aventura o Zé e o Nestor estão cansados de não fazer nada o dia todo e resolvem ir dormir, cada um no seu barraco. Quer dizer, eles pelo menos tentam, mas são impedidos pelos insetos.

Primeiro é um só bicho, zumbindo no ouvido do Zé. Quando nosso herói é picado e resolve reagir, uma verdadeira guerra acaba se iniciando entre ele e os mosquitos, que passam a contra-atacar em bandos cada vez maiores e mais organizados, num “crescendo” que parece não ter fim.

Ze pernilongo

O Zé e o Nestor tentam de tudo para afastar os insetos. Inseticida é coisa cara, à qual eles não têm acesso, e matar os pernilongos um por um, na base do mata moscas, não é viável. A tentativa de usar fumaça para espantar os bichos é só parcialmente bem sucedida, e o papel pega moscas “artesanal” se revela um perfeito desastre.

Ze pernilongos

No fim, quando a situação se torna insuportável e tudo parece perdido, os pernilongos se dispersam sozinhos, repentinamente. Está amanhecendo e, se os bichos não venceram a batalha, também não perderam. Como bons monstros que são, voltarão assim que noitecer novamente.

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Zé Mambembe

O ponto de partida desta história de 1977 é uma homenagem a um grupo de teatro de Campinas, que fazia apresentações de teatro de rua inspiradas na Commedia dell’arte, um gênero clássico de teatro renascentista. Muitos desses personagens da comédia clássica, aliás, sobrevivem até hoje nas fantasias de carnaval.

Papai fez amizade com esse grupo, que se apresentava no Largo do Rosário, local onde também acontecia a Feira Hippie de Campinas. Naquela época a feira ainda não era essa tradição toda que é hoje, mas era certamente um celeiro de ideias criativas que papai fazia questão de visitar quase toda semana.

E como na história, as apresentações ocorriam como na Renascença, em praça pública, com aquelas fantasias elaboradas todas e sobre um carroção de madeira pintado de dourado.

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O resto da história é uma divertida comédia de erros e mal entendidos, com o Zé, como sempre, tentando se gabar dos seus “feitos” para a Rosinha e se dando mal, também como sempre.

Meu Pai

Em dias de glória

Em dias de glória

Ivan Saidenberg (Piracicaba, 12 de novembro de 1940 — Santos, 30 de setembro de 2009) foi um quadrinista brasileiro.

Iniciou-se nos quadrinhos (banda desenhada) em 1960, juntamente com seu irmão, Luiz Saidenberg, fazendo HQs de terror e aventura para as editoras Outubro, La Selva, Taika e Penteado. Como Luiz fazia as ilustrações, Ivan especializou-se em roteiros e argumentos, embora fosse também desenhista.

Em 1970 entrou para os Estúdios Disney da Editora Abril, onde ficou até 1985, escrevendo ao longo de sua carreira cerca de mil roteiros para diversos personagens, entre eles, Zé Carioca, Pato Donald, Peninha, Mickey e Pateta, e trabalhando ao lado de artistas como Renato Canini e Waldyr Igayara. Para os Estúdios Disney, criou o Morcego Vermelho, Morcego Verde (Zé Carioca), Pena Kid, Pena das Selvas, Penado (O Espírito que Desanda) e os primos do Zé Carioca, entre outros.

Seus esboços (rough) ficaram conhecidos dentro dos Estúdios Disney pelo dinamismo e pela fluidez de movimento dos personagens, às vezes perdidos na passagem para o nanquim, que exigiam atenção redobrada dos profissionais da arte-final. Escreveu outras várias centenas de roteiros para estúdios brasileiros, tendo colaborado com a Turma do Pererê, de Ziraldo, a Turma do Lambe-Lambe, de Daniel Azulay, e a Turma da Fofura, de Ely Barbosa, juntamente com a esposa Thereza e a filha Lucila.

Criou também personagens próprios, como o piloto de corridas Va-Va-Vum (revista Crás) e Rei Napo, o Leão, sátira política ao governo de João Batista Figueiredo, publicada pelo jornal City News, de Campinas, onde morou de 1971 a 1988. Viveu ainda por dezesseis anos no Estado de Israel, onde ilustrou histórias infantis de autoria de sua esposa, Thereza.

Recentemente voltou ao Brasil e a colaborar com HQs da Editora Abril. Saidenberg faleceu em 30 de setembro de 2009, devido complicações do diabetes e insuficiência arterial.

(Fonte: Wikipedia)