O Nosso “Correio Aéreo Nacional”

Há cinco anos hoje falecia Ivan Saidenberg. Peço por favor a quem estiver lendo um momento de contrição.

A história de hoje, publicada uma única vez em 1974, foi mais uma da série de encomendas feitas ao departamento de publicações especiais da Editora Abril pelo então governo militar. Elas foram encomendadas com a intenção de contar a história de algumas das instituições militares de nosso país, principalmente as da Aeronáutica, e de tentar melhorar um pouco a imagem das Forças Armadas perante o povo, além de servir de material escolar de baixo custo e longo alcance, já que não havia criança que não lesse quadrinhos Disney naqueles tempos.

O formato é mais ou menos o mesmo das outras, com toneladas de texto, narração intensa e recheada de fatos históricos e de datas, muitos mapas, infográficos, retratos dos militares que fundaram o serviço, e muitas outras ilustrações, algumas belíssimas, feitas pelo Ignácio Justo que, como vimos, meros três anos antes já colaborava com papai em histórias de terror, guerra e mistério.

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A diferença, aqui, é que o narrador humano e seus dois filhos, tão semelhantes aos integrantes de nossa própria família, foram substituídos pelo Zé Carioca, como representante daquela “brasilidade” já tão apreciada nos antigos filmes da Disney no tempo da Segunda Grande Guerra, e por seus sobrinhos, Zico e Zeca, todos desenhados pelo Carlos Herrero.

Há até uma tímida trama, apresentada pelo bico do Zé, de que esta seria uma pesquisa escolar que o papagaio malandro teria feito para ajudar os sobrinhos. Ele então começa a descrever para eles o que aprendeu em sua pesquisa, enquanto os meninos comentam e fazem perguntas.

Apesar de não funcionar direito como “história em quadrinhos” como nós as conhecemos, por causa do excesso de informações no roteiro fornecido pelos militares, esta criação é certamente uma ótima pesquisa apresentada de maneira “amigável” às crianças.

Os Sete Supergolpes

História do Superpateta, publicada uma única vez em 1974.

A trama é inspirada de um modo muito livre na história bíblica das Dez Pragas do Egito, encurtando um pouco, e retirando os elementos religiosos.

As pragas aqui são causadas por uma máquina criada por um tal de Dr. Mefisto (seria ele o personagem de bico pontudo que aparece na janela, na primeira página?), mas ela foi roubada dele pelo Professor Gavião, que foi por sua vez roubado dela pelo Dr. Estigma, que por fim foi roubado pelo Ted Tampinha e seu cúmplice, Kid Mônius. Assim, pelo menos até aqui, os dois cometeram o crime perfeito, já que nenhum dos donos anteriores da máquina das pragas vai querer dar queixa do roubo.

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Segundo a máquina do mal, as sete pragas são, pela ordem: gafanhotos, espirros, granizo, coceira por pó de mico, gargalhadas, visões pavorosas (tão pavorosas, na verdade, que o Kid Mônius desliga a máquina antes de elas terem a chance de se espalhar pela cidade) e por fim um tornado. As pragas da bíblia que mais se aproximam são a dos gafanhotos e a da sarna (coceira). A primeira, aliás, é a única que representa algum perigo até para o próprio herói:

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A todas o Superpateta afasta até mesmo sem querer, e a algumas sem nem perceber. Grande parte da graça desta história está neste “ataque de burrice” do herói, que nem se toca de que está salvando a cidade de grandes pragas. Ele em momento algum percebe que elas estão ligadas entre si, ou que haja uma inteligência do mal por trás delas e sente-se até um pouco magoado, pois não ouviu nenhum pedido de socorro da população de Patópolis, por pura distração.

Outra piada que papai usava bastante em suas histórias diz respeito às plaquinhas na porta das casas de certos personagens, principalmente os vilões.

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O Aventureiro em O Jaguar

História de aventura e espionagem publicada em 1971 na revista Seleções Cômicas Número 1 da Editora Taika, com argumento de Ivan Saidenberg, letras de Marcos Maldonado e desenho de Ignácio Justo e José Luiz Pinto.

A julgar pela capa da revista, desenhada pelo Ignácio Justo, a inspiração para o personagem vem claramente do Agente 007, James Bond.

Um homem está viajando ao volante de um Jaguar, chique carro esportivo, quando repentina e espetacularmente leva um tiro, perde o controle do veículo, rodopia na pista e se acidenta feio. Ao acordar no hospital, dias depois, está desmemoriado. Não se lembra de acidente algum, e não sabe ao menos quem é.

Mas pela descrição na história anterior desta revista (que é temática e contém duas histórias do personagem), ele é Tomás Toledo, um jovem brasileiro, rico e com um gosto por fazer investigações por conta própria para ajudar a polícia. Ele é forte, inteligente, bom de briga e destemido, e viaja pelo Brasil todo em busca de aventuras, daí a alcunha “O Aventureiro”. Papai dizia que criou o personagem, e pode até ser verdade, mas pelo menos um outro colega, o João Bosco, também fez um argumento para ele.

Ele recebe alta mesmo sem memória e ao sair na rua é imediatamente abordado por uma mulher num carro, que o chama de Tom, seu apelido, e também de “querido”, “amor” e “meu bem”. Ao entrar no carro ele embarca numa aventura misteriosa, em um ambiente povoado por contrabandistas e assassinos frios.

Aos poucos o herói vai entendendo o que está acontecendo, mas é só quando resolvem jogá-lo no Rio Beberibe que ele entende onde está e resolve reagir. Por fim, descobre que tudo é um caso de identidades trocadas: ele foi confundido com um agente da Polícia Federal que já estava no encalço dos bandidos e que, por coincidência, também roda por aí a bordo de um luxuoso Jaguar. (Policial brasileiro pilotando carro de luxo? Bem, pode ser um carro da polícia, usado para não “destoar” do ambiente a ser investigado, e não dele próprio.)

Mas tudo bem. Do ponto de vista de um argumento em quadrinhos, o carro é o elemento que abre e fecha a história, e o ponto em comum entre O Aventureiro, a polícia e os bandidos, que “costura” a história toda num conjunto coeso.

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O Toca-Discos Voador

História do Professor Pardal, publicada uma única vez em 1974.

A trama, a princípio, não tem nada de muito novo… o Pardal está inventando, e o Gavião está roubando. A graça da história está nos detalhes, a começar do exercício de imaginação que é a base para a coisa toda:

Se existe um disco, precisa haver um toca-discos. E se as pessoas acreditam em discos voadores, será que seria estapafúrdio demais aventar a hipótese da existência de toca-discos voadores?

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Depois de trabalhar por três dias e noites seguidos numa encomenda da prefeitura o inventor pensa que está vendo coisas, até que percebe que seu ajudante também está vendo. Como máquinas não têm alucinações, O tal toca-discos está mesmo lá, ou será que está, mesmo?

Na verdade é tudo um golpe do ladrão de inventos para distrair o inventor do bem e se apoderar dos planos. Interessante é a parceria entre o vilão e Zé Ratinho, o ajudante do Dr. Estigma, um outro vilão da Classe dos Profissionais Sem Classe. Assim, temos uma espécie de equilíbrio de forças entre o bem e o mal.

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O grande mistério, como sempre, é saber qual é o invento que o Pardal estava desenhando, e para que serve. A grande surpresa e gargalhada finais também.

Na Noite Da Floresta

História dos Escoteiros e Bandeirantes mirins, publicada pela primeira vez em 1974.

As meninas resolveram acampar, mas é uma sexta feira, dia treze, já está anoitecendo, e para piorar, o gato preto cruzou a estrada (bem na frente delas) e passou por debaixo da escada (e lá no fundo azuuul…) Até aqui já ficou claro que a ideia inicial para a história veio da letra da canção “O Vira“, da banda Secos & Molhados.

Mas… o que faz uma escada encostada ao tronco de uma árvore no meio da floresta? Quem a colocou lá, e por qual motivo? Logo vemos que ela é o acesso à casa da árvore dos Escoteiros, na verdade pouco mais que uma plataforma entre os galhos mais baixos, um ponto avançado de observação.

Vendo a movimentação e o medo das garotas, os meninos (que se acham orgulhosamente “homens”) resolvem segui-las para assistir o que eles acham que será o “espetáculo” da imperícia delas ao acampar.

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O “problema” é que eles não são os malvados Metralhinhas, e logo o deboche dá lugar a uma verdadeira preocupação com o bem estar das meninas e vontade de ajudá-las, mesmo que seja às escondidas.

Mas apesar do efeito mitigador da ajuda dos meninos, a zombaria inicial não vai ficar impune. As meninas estão com tanto medo que isso acaba influenciando também os “homens”, e quando um grande vulto escuro atravessa correndo a clareira no meio da escuridão, eles perdem a compostura e também dão no pé, para a segurança da casa da árvore.

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Ao encontrar as meninas lá os meninos ainda tentam se fazer de valentes e dizer que não estão com medo, mas algo mais que eles perderam (além da compostura) “entrega o jogo” do susto que eles levaram e os obriga a engolir a valentia.

A moral da história é que nenhum homem deve ficar se sentindo “superior” diante das mulheres, e principalmente não quando elas parecem estar se sentindo inseguras ao praticar alguma atividade que eles acham que “pertence” a eles. Na noite de uma floresta escura, todo mundo esta sujeito a um susto ou dois.

O Superastro

História do Morcego Vermelho, publicada pela primeira vez em 1973.

No mundo dos filmes para o cinema nada é o que parece ser. Atores representam outras pessoas, e é difícil às vezes saber onde acaba a atuação e começa a realidade. Já houve até casos de acidentes em encenações de teatro e sets de filmagem que, pelo menos num primeiro momento, foram confundidos com a encenação que estava acontecendo até um momento antes.

Papai usa aqui essa ambiguidade para criar uma hilária confusão, onde até a identidade secreta do Morcego Vermelho é revelada, mas continua em segredo, e no fim quase é revelada de verdade.

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O Tio Patinhas está fazendo um filme sobre as aventuras do Morcego Vermelho, e para economizar contrata o Peninha para fazer o papel do herói, porque o próprio Morcego pediu um cachê muito caro. Isso aliás já aconteceu muito no cinema, e até a própria Disney contratou Aurora Miranda, irmã menos famosa de Carmem Miranda, para estrelar seu filme “Você Já Foi à Bahia?” justamente porque (diz a lenda que) a Carmem pediu um cachê muito alto.

Mas as contratações “baratas” do Patinhas não param por aí: para o papel dos Metralhas ele contrata um bando de vagabundos do cais do porto, mas o barato sai caro: os verdadeiros metralhas acabam pagando mais para tomar o lugar dos “atores” no set de filmagem, e ter acesso à Caixa Forte.

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A Margarida iria fazer o papel de Maga Patalójika, mas quando ela se adoenta, o Pato Donald é recrutado para o papel. Até o Mickey e o Pateta são contratados para a equipe técnica, o primeiro como iluminador, e o segundo como cinegrafista. Se bem que, com o Pateta no comando da câmera, as coisas complicam um pouco.

A frase “Morcego, sai da lata”, usada na primeira página, é uma alusão a um antigo comercial de uma marca de azeite, cujo slogan “Maria, Sai da Lata”, com sua musiquinha, acabou ficando tão popular que virou uma brincadeira na boca do povo, justamente para “acordar” aquelas pessoas distraídas que parecem viver dentro de seu mundinho particular.

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História Da Aviação Brasileira

Esta história, publicada em 1973, não apresenta nenhum personagem Disney.

Naquela época o Brasil passava por um momento histórico muito delicado, com uma junta militar ocupando o Poder Executivo por força de um golpe de estado aplicado em 1964. Não haviam se passado ainda nem dez anos desde o golpe, e a imagem do novo governo já estava irremediavelmente desgastada por causa das perseguições políticas, prisões arbitrárias e tortura de prisioneiros políticos. Muitos cidadãos brasileiros morreram nos porões desse governo ilegítimo simplesmente por discordar de sua existência, e a maioria dos outros cidadãos do país vivia em constante medo de ser acusado injustamente e “desaparecer” entre as engrenagens do terror de estado.

No campo da política e da economia, o desemprego era grande, o povo vivia em condições miseráveis, a criminalidade era assustadora, políticas públicas eram coisa rara e os militares faziam vista grossa para a crescente corrupção política e roubalheira do dinheiro público, na esperança de conseguir desse modo “subornar” os políticos para que colaborassem com o golpe. Eram anos negros.

Ainda assim, os militares no poder tentavam melhorar sua imagem junto ao povo, por meio de campanhas demagógicas na TV e no Rádio, como o clássico (e infame) “jingle” intitulado “Este É Um País Que Vai Pra Frente”, de 1972.

Como parte desse pueril esforço de relações públicas, o Ministério da Aeronáutica encomendou várias histórias em Quadrinhos ao longo dos anos ao Departamento de Projetos Especiais da Editora Abril. Esta é a primeira delas, encomendada por ocasião do centenário de nascimento de Santos Dumont. E por quê quadrinhos? Já naquele tempo o povo brasileiro lia muito pouco, e os jornais eram censurados e tediosos (e impressos somente em preto e branco).

Mas, se havia uma coisa que todo mundo gostava e lia, isso eram as histórias em quadrinhos, e as da Disney acima de todas. Então, até meados dos anos 1980, se alguém queria ter certeza de que seu texto seria lido, era quase obrigado a publicá-lo na forma de quadrinhos.

Assim, diante da encomenda, a Editora Abril resolveu escalar os seus melhores artistas para a tarefa. Papai foi designado para fazer a pesquisa e redigir a história em si, e Ignácio Justo, com sua vasta experiência e talento para desenhar aviões e máquinas de guerra em ação desde as antigas revistas de Terror e Guerra dos anos 1960, foi escolhido para fazer os desenhos.

Dedicatoria Justo

Logo se vê que quem encomendou o trabalho não entendia nada de quadrinhos: por exigência dos “clientes”, ansiosos por contar toda a História da aviação em poucas páginas, a história ganhou “toneladas” de narrativas, balões de diálogo enormes, caixas de texto em quase todos os quadrinhos, infográficos, e outras coisas pouco comuns nas histórias “normais”. A ideia era que a publicação pudesse servir inclusive como material barato e de qualidade para pesquisas escolares.

Imagino que não deve ter sido nada fácil redigir esse monstrengo em quadrinhos. Em todo caso, a qualidade da pesquisa e da redação do roteiro, aliada à simpatia dos personagens principais e aos deslumbrantes desenhos, valeram a papai (e penso que ao Ignácio Justo também) um prêmio na forma de um diploma e de uma medalha comemorativa.

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Papai tinha muito orgulho disso, e até se considerava “comendador da Aeronáutica”, um título que ele planejava usar para tentar se proteger de alguma possível arbitrariedade policial, já que ele era abertamente contra o regime, o que felizmente nunca aconteceu.

Para mim, pessoalmente, o mais interessante são os personagens da história, um pai e seus dois filhos. O homem, com seus inconfundíveis óculos de pesados aros quadrados, não é outro senão o próprio autor da história. Desse modo os filhos, um menino e uma menina, não podem, pela lógica, ser outros senão meu irmão e eu. O mais curioso disso tudo é que, em 1973, nós éramos bem mais jovens que as crianças retratadas. Papai estava “sonhando o futuro” da família nas páginas, e realmente nos levou para brincar com um aeromodelo quando chegamos à idade certa. Ele adorava esses modelos, e afinal quem é o pai que nunca aproveitou a oportunidade de brincar como uma criança sob o pretexto de ensinar algo novo a seus filhos?

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O Torneio De Aeromodelos

História do Professor Pardal, publicada primeira vez em 1973.

Os três sobrinhos do Donald estão interessados num concurso de aeromodelos que vai acontecer na cidade. Por coincidência, o inventor está experimentando com pequenos aviões. A princípio ele faz um pequeno veículo aéreo para ser tripulado pelo Lampadinha (será que isso faz dele um “piloto de VANT”?), mas a pedido dos meninos passa a trabalhar num aeromodelo para eles.

Enquanto isso, o Professor Gavião está à espreita. Como toda pessoa má, ele projeta sua própria maldade e inveja na vítima do seu preconceito. Humilhado por se sentir inferior, ele se convence de que o Pardal está tentando humilhá-lo conscientemente, demonstrando para todos que ele é “o maior”, o que, é claro, nunca nem passou pela cabeça do inventor do bem.

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Essa é a primeira trama da história. A segunda é o elemento representado pelo Pato Donald, o homem comum sem pretensões, que compra o melhor aeromodelo operado por controle remoto que encontra na loja de brinquedos para os sobrinhos montarem e participarem da competição. Mas, com o acesso a uma tecnologia melhor, os meninos recusam o aparelho do tio, que então resolve participar ele mesmo da competição com o modelo, que recebe o singelo nome “Margarida I”.

O modelo dirigido por ondas mentais do Pardal, apesar de ser muito mais tecnologicamente avançado do que qualquer coisa que os outros participantes possam ter, não configura exatamente uma trapaça, a não ser pela cópia descarada feita pelo Prof. Gavião. O aviãozinho tripulado pelo Lampadinha é meio que uma “esticada nas regras”, mas se está na linha de largada, é porque foi permitido pelos organizadores. Em todo caso, nenhum deles poderá vencer a competição, porque a vantagem que eles têm é um pouco injusta para com os outros participantes, que não têm acesso a essa tecnologia.

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Mas diante de todas essas maravilhas tecnológicas, o humilde Donald e seu modelo convencional passam quase despercebidos, sem sequer serem citados pelos deslumbrados organizadores, pelo menos no início. É só quando ele se classifica para a etapa final que o seu valor como modelista começa a ser reconhecido.

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O inventor do mal tira o aviãozinho do Pardal da competição por meio de trapaça, e o Lampadinha acidenta o seu após vingar seu mestre e abater o aparelho do Gavião. Nenhuma trapaça ou violência sairá impune numa história Disney. Diante disso restam na competição apenas os aeromodelos tradicionais (como aliás deveria ter sido desde o começo), e o talento e dedicação do Donald são finalmente recompensados. Afinal, ele é o amador que fez tudo “de acordo com as regras” e que está enfrentando dois profissionais no que deveria ser um concurso para crianças.

Esta história, na verdade, é algo como um elogio ao “homem comum”. A mensagem que ela passa é um encorajamento para as pessoas, para que façam o que se dispõem a fazer com o máximo empenho e dedicação sem se preocupar se há outros melhores ou mais talentosos que eles fazendo a mesma coisa. Comparar-se aos outros leva a sentimentos de inadequação que acabam causando inveja ou depressão, certamente sabotando quaisquer chances que elas possam ter de conquistar o seu lugar ao sol.

Chico Sabido em Fala Coração

Em 1982 o Departamento de Projetos Especiais da Editora Abril escalou papai para “quadrinizar” um roteiro do Fundo de Aperfeiçoamento e Pesquisa em Cardiologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia – FAPEC.

A historinha fala ao cidadão dito comum, aquele que não tem os chamados “hábitos saudáveis” nem o costume de praticar atividades físicas, com a intenção de educá-lo sobre como cuidar melhor de si mesmo e evitar doenças, principalmente as coronárias. Se hoje em dia esse ainda é um assunto que precisa ser “trabalhado” junto à população em geral, imagine então como era a situação há mais de 30 anos: simplesmente não havia essa consciência toda.

O interessante é que esta publicação era também, discretamente, parte de uma grande campanha de relações públicas de uma das muitas marcas de margarina que existem por aí e que, todos sabemos, sempre tentaram atrelar a imagem do produto à ideia de um estilo de vida mais saudável. É claro que hoje em dia essa noção é no mínimo controversa, e muitos médicos (como este, e este) são terminantemente contra o consumo desse tipo de produto. Isso não impede, é claro, que as empresas continuem a anunciar a margarina como sendo benéfica à saúde, especialmente para o coração.

A história em si não faz sequer menção a margarinas, muito menos a marcas específicas, e todos os conselhos sugeridos pelos médicos e colocados na história por papai são bastante sensíveis, considerando-se o que a ciência médica sabia naqueles tempos e a obrigatória necessidade de concisão da história em quadrinhos. É possível que papai nem soubesse a princípio que se tratava de uma publicação patrocinada por uma marca de margarina, pois esse nome em particular só aparece ao pé da última contracapa.

Não sei exatamente como esse tipo de história era feito, já que há uma agência de propaganda por trás do processo todo, mas imagino que papai recebeu uma sinopse geral da ideia, provavelmente contendo os principais tópicos a serem mencionados, e foi desenvolvendo a história em cima dessas informações. Como ele era “bom de pesquisa” e gostava de inserir informações úteis/factíveis em suas histórias, certamente não foi difícil para ele desenvolver uma trama ao mesmo tempo didática e leve/divertida.

Mas isso mostra a força e o alcance dos quadrinhos no final dos anos 1970 e início dos anos 1980: as pessoas em geral nem sempre estavam interessadas em ler longos e sérios artigos científicos publicados em jornais (por mais corretos e informativos que fossem), mas sempre estavam dispostas a ler quadrinhos, o que ajudou não somente a popularizar a ideia de um estilo de vida mais saudável, independentemente de como se deve alcançá-lo, mas também a promover algumas mudanças culturais bastante positivas em várias áreas.

1. (Aviso que não recomendo nem desencorajo o consumo de margarinas, sejam quais forem, nem tenho preferência por marcas ou tipos específicos do produto.)

2. (Se alguém souber o nome do desenhista desta história, por favor me informe para que eu possa citar, e obrigada desde já.)

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Uma Questão De Dedução

História do Peninha, criada em 1972 e publicada uma vez só em 1974.

Há um velho ditado inglês que diz algo como “quem paga com amendoins compra macacadas” (Those who pay peanuts will get monkeys). O significado é o de que insistir em querer pagar um preço irrisório nunca vai atrair bons profissionais para fazer o trabalho. Esta é uma lição que o muquirana Patinhas teima em não aprender, e quem “lucra” (boas risadas) com isso somos nós, os leitores.

O meteorologista de A Patada caiu na besteira de pedir um aumento, e foi substituído pelo Peninha, um amador que não cobra muito, mas que também não sabe nada sobre como prever o tempo. À menção de “Cartas Meteorológicas”, das quais ele nunca havia ouvido falar, o pato abilolado vai revirar a pilha das cartas dos leitores à redação e encontra uma de “um tal de” Alberto Mal Doar, que pode ser uma alusão a Alberto Maduar, antigo tradutor e argumentista de histórias em quadrinhos Disney que chegou a ser colega de papai, inclusive colaborando com ele na coleção “Os Grandes Duelos”, mais exatamente em “Tio Patinhas contra Maga Patalójika”.

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Na falta de uma informação científica sobre o tempo, o Peninha tenta improvisar como pode, com resultados adivinhados e obviamente desastrosos.Tentar outros métodos pouco científicos também não resolve a situação, e até a informação científica está fora de seu alcance, exatamente por causa das condições meteorológicas que ele mesmo falhou em prever. A solução encontrada, por fim, também não é nada científica, mas pelo menos é confiável e quebra o galho.

Deducao ribanceira

Outras menções interessantes no texto da história são ao “Vale da Ribanceira”, que me lembra o Vale do Ribeira, região no litoral do Estado de São Paulo, e ao antigo satélite “ESSA-8“, usado de 1968 a 1976 justamente para coletar as informações que ajudavam na previsão do tempo ao redor do mundo.

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E no fim das contas, rindo e se divertindo, o leitor teve uma pequena aula sobre como se faz a previsão do tempo.