Quem Tem Medo Do Bicho-Papão?

História do Morcego Vermelho, de 1978.

Como toda boa trama de terror (e de “terrir” também), esta história começa com uma paz enganadora. O nosso herói conseguiu vencer e mandar para a cadeia todos os bandidos de Patópolis. Isso é uma coisa boa, é claro, mas também deixa o personagem principal sem ter muito o que fazer.

Mas como esta não é uma história do Pena Kid, quando a paz for quebrada, será em grande estilo. (Eu disse “grande”?) É que “grande”, na verdade, é só o estilo, mesmo. O vilão da vez até que é bem pequeno.

Para o leitor atento vai ficar claro de imediato que não é nenhuma alucinação. Resta tentar adivinhar, então, quem, ou o que, é esse “Bicho Papão”. Pelo tamanho, poderia ser o bruxinho Peralta transformado, ou até mesmo um produto de sua maleta de monstrinhos. Mas qual interesse ele teria no Morcego Vermelho? Ou talvez seja alguma criação robótica de algum dos gênios do mal que o Morcego prendeu? Uma coisa é certa: seres sobrenaturais, como monstros, seres mitológicos e assombrações não existem. Ou será que existem?

Quando a “pulga atrás da orelha” do leitor já está coçando bastante, papai começa a jogar mais pistas nas páginas. A insistência do bicho em sugerir que o herói abandone a carreira é a principal delas. E o fato de na verdade serem três os monstrinhos lembra bastante as histórias do Zorrinho. Só que os sobrinhos do Donald podem ser um pouco levados de vez em quando, mas não cometeriam uma agressão dessas. Assim, quem eles poderiam ser?

A resposta, é claro, será revelada na última página, depois de uma intensa troca de sopapos entre os bons e os maus. Lembrem-se: foram os monstrinhos quem começaram a agressão, e para valer. Mas tenho a impressão de que esta história não seria aceita para publicação nos dias de hoje no formato em que está, justamente por causa da identidade dos vilões.

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A Quadrilha Da Ameaça

História do Zé carioca, de 1981.

Este é um bom exemplo de como criar uma história que, no final, volta ao início, como papai gostava de fazer. É também uma clássica história de “terrir”, um gênero do qual ele era muito adepto, e que misturava terror com humor (de preferência negro).

A coisa toda começa com um filme de terror na TV na casa do Pedrão. Sugestionáveis, os amigos ficam com muito medo e resolvem ficar todos para dormir por ali mesmo.

Mas a principal preocupação, que será mencionada frequentemente durante toda a história, é a banda musical que eles criaram para tocar em uma festa mais tarde. Este é o elemento que “costura” a trama, o “fio condutor” que permitirá um desfecho perfeitamente encaixado para a história.

O resto da história mostra como uma brincadeira quase inocente do Zé para acordar os amigos dorminhocos e finalmente conseguir ensaiar a banda sai totalmente do controle, criando uma completa histeria coletiva pelo bairro e quase virando caso de polícia no processo.

Mas, de qualquer maneira, apesar de resolver ficar quieto para não apanhar, o Zé não escapará ao castigo pelo susto que deu nos amigos. É justamente para esse propósito, aliás, que papai devolve a história ao início.

Mas nesse meio tempo o leitor já riu da confusão até ficar com a barriga doendo, e isso é o que realmente importa.

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A Máquina Talvez

História do Professor Pardal, de 1980.

Inventada por Carl Barks em 1958, a simpática máquina em questão é mais uma daquelas coisas engraçadíssimas que papai adorava “adotar” e usar para mais algumas histórias.

Na história original a máquina lê pensamentos, mas só responde às perguntas que são dirigidas a ela com frases estapafúrdias que começam com “talvez”, sabotando, assim, o próprio propósito, que seria o de dar alguma vantagem ou conhecimento privilegiado ao usuário.

Ela seria usada novamente na edição especial sobre a História dos Computadores, já comentada aqui, ajudando a explicar o tema às crianças de Patópolis. Nos dois casos, o “método” para consertar a máquina (e também para quebrá-la de novo, ou a coisa toda não teria a menor graça) é o mesmo: um forte chute ou outro tipo de pancada. Como se diz por aí, quando o assunto é “computadores”, é aquela coisa: “software” é o que você xinga, e “hardware” é o que você chuta.

Isso é também uma referência a antigas comédias pastelão e filmes mudos, onde amnésias (e outros problemas mentais) eram causadas e também curadas com fortes pancadas na cabeça (crianças, não tentem isso em casa).

Interessante é o modo como papai combina à história principal a “trama paralela” do Lampadinha, também ao estilo Carl Barks, na qual o robozinho luta com várias aranhas enquanto o Professor limpa o depósito de inventos inúteis. Na maioria das histórias, isso é algo que acontece ao fundo, como uma história dentro de outra história.

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Que 10-Leal

História dos Irmãos Metralha, composta em 1978 e publicada em 1980.

O Tio (aqui chamado por papai de Primo) 10-Leal foi criado no exterior em 1967 e usado por lá em uma história só. Após 11 anos papai o descobriu e o adotou para mais uma.

Adotar personagens era prática frequente no processo criativo de meu pai. Para ele não havia personagem tão “fraco” ou “insignificante” que não merecesse pelo menos mais uma história, e alguns ele inclusive alçou ao estrelato, como o Metralha Azarado 1313, a principal de suas vítimas na família Metralha.

Semelhante ao 10-Leal (cuja alcunha soa como a palavra “desleal”) e igualmente usado em pouquíssimas histórias é o Primo Dedo-Duro 123. Juntar os dois nesta história é uma maneira de dar a ambos um castigo merecido e definitivo antes de devolvê-los ao esquecimento.

Ao contrário da Tia Ana, que é realmente honesta, esses dois são apenas pilantras que colaboram (ou fingem que colaboram) com a polícia para chantagear seus primos. Não existe, aliás, coisa pior do que ter falsos amigos dentro da própria família, diga-se de passagem.

É por isso que, mais do que ser preso, e mais do que levar uma surra dos primos, o real castigo do 10-Leal será ter de engolir o próprio apito “de chamar o guarda”.

Já o “Presídio da Rua Frei Caneca”, citado por um dos Irmãos como sendo onde os dois Metralhas trapaceiros teriam “morado” por algum tempo, existiu realmente e ficava no Rio de Janeiro. Era o mais antigo do país, construído ainda no tempo do Império, tendo sido demolido com uma implosão em 2010. No tempo em que esta história foi publicada, se encontrava em pleno funcionamento.

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O Circo do Gordo

História do Gordo de Ely Barbosa, publicada pela Editora Abril na revista número 22 do personagem, de Junho de 1988.

Um dos temas prediletos de papai para a Turma do Gordo era o resgate das antigas brincadeiras infantis. Em uma época em que circos eram muito populares, as crianças também costumavam brincar de circo, imitando o que viam nos picadeiros e apresentando espetáculos improvisados para vizinhos, amigos e parentes.

A brincadeira muitas vezes envolvia muitas das dificuldades e complexidades de um circo de verdade, começando com a montagem da lona, quando havia. A maioria das crianças se via obrigada a dispensar esse “detalhe”, enquanto outras improvisavam como podiam com lençóis velhos, cordas de varal e galhos de árvores, o que às vezes levava a “desabamentos” inesperados sobre os espectadores.

Mas a lona é realmente só um detalhe nesta história. Mais engraçado é ver as peripécias do personagem e seus amigos como artistas circenses amadores. E, se fazer uma apresentação na frente dos amigos de vizinhos já não é fácil, a coisa fica bem mais complicada se há gente hostil na platéia.

Esse é o caso da Turma do Jarbas, os eternos rivais, que faz o que muitas crianças faziam e entram por baixo da lona para não precisarem pagar. Mas convenhamos, com o preço real do Gibi na banca naquela época a Cz$ 70,00, como se pode ver na capa desta publicação, o preço de Cz$ 50,00 para a entrada fictícia até que não está caro.

Com o nervosismo causado pelas vaias gratuitas vem a falta de confiança dos personagens em si mesmos, o que leva a hilários erros e acidentes de percurso. Mas de qualquer maneira, a graça de uma história em quadrinhos é mesmo poder ver tudo dar errado sem precisar se preocupar com possíveis consequências.

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A Quadrilha Fantasma

História do Morcego Vermelho, de 1975.

Grande inimiga do maior herói de todos os tempos, aquele a quem todos esperavam, a Quadrilha Fantasma foi criada por papai na mesma época da criação do Morcego e usada somente por ele em exatas duas histórias: esta, que comento hoje, e uma anterior, chamada “A Volta do Morcego Vermelho” e já comentada aqui.

Outro personagem criado por papai para participar das histórias do Morcego Vermelho é o Ratchinho, uma simpática ratazana que, com o tempo, acaba ganhando até asinhas. Mas, até agora, o único que entende o que seu ajudante está tentando dizer é mesmo o Professor Pardal.

(E falando nele…) A caçada à Quadrilha Fantasma não será fácil, ainda mais porque desta vez seus membros contam com a ajuda do terrível Dr. Estigma. Este gênio do mal parece ter pensado em tudo ao compor o seu plano maléfico, no esforço de não dar chance ao herói.

Sabendo que o herói é somente um pato fantasiado sem as invenções do Pardal, ele sabota os equipamentos-morcego e sequestra o próprio Professor, que é a única pessoa que poderia consertá-los.

E agora? Será este o fim do Morcego Vermelho? Conseguirá o herói levar a melhor sobre os bandidos mesmo sem seus prodigiosos aparelhos? Ou será que ele encontrará uma saída? O Peninha é abilolado e atrapalhado, mas não é burro, muito pelo contrário: ele é criativo e inteligente.

Interessante é a participação especial do Horácio, eterno namorado da Clarabela, primeiro como vítima de um assalto e, em seguida, como a testemunha que ajuda a polícia com valiosas informações em primeira mão.

O toque final da história também é bem legal. O “pulo do gato” é que, hoje, o herói contará com dois ajudantes, e não apenas um. Isso valerá ao Lampadinha até mesmo o direito de usar uma pequena fantasia-morcego, em reconhecimento.

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A Visita Dos Manchinhas

História do Mancha Negra, de 1975.

Bem, se todos os personagens Disney (ou pelo menos muitos dos mais importantes) têm sobrinhos, por quê o Mancha Negra também não poderia tê-los?

É sob essa premissa que papai criou estes três “Manchinhas” e os usou em duas de suas histórias. A ideia era que eles não fossem personagens fixos, mas aparecessem de tempos em tempos para complicar a vida do tio.

Eles aparentemente vivem com um outro membro da “família Mancha”, um obscuro “Tio Manchado”, que é especialista em teorias e táticas criminosas. O problema (para os Manchinhas que, como todo pré-adolescente, já querem ser precocemente adultos) é que ele raramente parte para a ação.

Os meninos malvados querem “aulas práticas”, querem já começar uma carreira de crimes, sendo que o direito de toda criança é justamente o contrário, é ir para a escola e aprender a ser uma boa pessoa. É exatamente por ceder às vontades maléficas dos sobrinhos que o Mancha será humilhado mais uma vez.

Papai deixa transparecer uma certa tensão entre esses dois “tios”, com os Manchinhas mencionando que o Manchado haveria criticado o Mancha (seria algo como o “sujo criticando o mal lavado”?) por não observar certas táticas maléficas básicas e, por isso, acabar sempre preso pelo Mickey.

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Lampadinha Ou Lampiãozinho?

História do Professor Pardal de 1974.

O Professor Gavião, apesar de considerar a si mesmo um gênio tão inspirado quanto o Professor Pardal, não passa de mero copiador de inventos alheios (e roubados).

A coisa toda pode aliás ser comparada com os diversos tipos de artistas que existem por aí: há os verdadeiramente inspirados, que fazem coisas admiráveis, e há os que dominam a técnica, são até bons no que fazem, mas não sabem se soltar e realmente fluir com sua arte. (Há piores, é claro, os copiadores da arte alheia, e é entre o medíocre e a fraude que o Gavião gravita.)

O problema é que, se o artista “menos genial” não souber relaxar e se cobrar um pouco menos, ele pode realmente se tornar amargo e invejoso do trabalho alheio, sabotando a si mesmo no processo e se impedindo de mostrar o seu verdadeiro potencial.

O Gavião é como o cozinheiro que sabe seguir um livro de receitas e, com algum esforço, cozinhar perfeitamente um belo jantar. Mas ele também sabe que o resultado não é exatamente dele, mas sim de quem compôs aquela receita, coisa que ele não saberia fazer (ou não teria coragem de tentar).

É exatamente por isso que o plano do vilão é perfeito. Na verdade, é um pouco “perfeito demais”, e é por isso mesmo que o feitiço vai acabar virando contra o feiticeiro. O leitor atento perceberá imediatamente que o Gavião vai perder a parada de novo assim que vir os dois robozinhos juntos.

O tema das cópias malvadas/imperfeitas e defeitos do Lampadinha foi algo que papai usou várias vezes nas histórias do personagem, sempre de maneiras levemente diferentes mas igualmente hilárias.

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O Rajá De Blá-Blá-Blá

História do Superpateta, de 1983.

Esta história serve para demonstrar o quanto é importante saber falar mais do que um só idioma. Também mostra a utilidade de se ter um bom tradutor/intérprete à disposição quando é preciso lidar com idiomas estrangeiros.

No caso de hoje a participação do inteligentíssimo Gilberto, sobrinho do Pateta, que entende um pouco do idioma exótico em questão, será fundamental para a solução do mistério. Após conseguir traduzir um telegrama escrito em Blá-Blá-Blês, no qual o Rajá pede ajuda, ele se surpreende ao se ver de frente com quem se apresenta como sendo o monarca. Acreditando que o idioma é obscuro o suficiente para não ser compreendido por estrangeiros, o vilão se sente à vontade para enrolar a língua sem remorsos.

Para que não haja dúvida, mais uma sutil pista é deixada para o leitor atento por papai na página seguinte. Em momento de raiva, o “Rajá” até se esquece de que, um momento antes, “precisava” ter suas falas traduzidas por um assessor seu cúmplice.

A julgar pelo título de Rajá adotado pelo vilão, o suposto País de Blá-Blá-Blá, que fica no “Oriente”, faz parte da região da Índia.

Já o nome do idioma do lugar, “Blá-Blá-Blês”, me parece uma referência ao Javanês (da Ilha de Java, na Indonésia, que aliás não fica lá muito longe da Índia) e ao célebre conto de Lima Barreto chamado “O Homem que Sabia Javanês“, uma sátira que versa justamente sobre linguística e aprendizado de idiomas exóticos. O conto é curtinho, divertidíssimo, e eu recomendo a leitura.

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A Praia das Surpresas

História da Turma da Patrícia de Ely Barbosa, publicada pela Editora Abril em revista própria, número 12, em 1987.

Esta é uma variação sobre o tema da história do Zé Carioca intitulada “O Salva Vidas Boa Vida”, já comentada aqui. A turminha vai à praia mas o mar não está para peixe, começando com a violência das ondas, que insistem em jogar o Terremoto de volta à areia a cada vez que ele tenta surfar. É papai novamente revisitando a aventura traumática que teve no Rio de Janeiro, décadas antes.

Na verdade, tudo o que poderia dar errado acaba acontecendo. Por um lado, se fosse somente um dia agradável ao ar livre não haveria história. É preciso que haja algum problema para desafiar os personagens. Por outro, a trama representa um aviso às crianças para que tomem cuidado: por mais próxima de uma cidade que fique a praia, ela sempre será um ambiente potencialmente selvagem e cheio de perigos.

Finalmente, quando a turminha já está quase desistindo da aventura, um temporal chega de repente para acabar de vez com a festa. Está certo que sempre pode haver um contratempo ou dois em passeios desse tipo, mas será que não foi um pouco de azar demais?

A “surpresa” do título se justifica no desfecho, com a revelação do Sapo Urucubaca na cesta de piquenique.

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