Palavra e Traço – Novembro de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/11/1980 – Índio, menor abandonado

Pela lei brasileira, o índio é considerado como menor de idade, não podendo ser preso nem processado por seus atos. E, como menor, deveria ter todo o amparo e proteção, sob os auspícios de sua tutora, a FUNAI.

Entretanto, nada disso ocorre; segundo o antropólogo Cláudio Romero, o nosso indígena, antigo dono da terra, não passa de um menor abandonado. Cláudio é um grande defensor dos índios e, por denunciar a venda de terras indígenas ilegalmente, no ano passado, foi sumariamente demitido de suas funções (era coordenador do Projeto Xavantes).

Isso não impediu que Cláudio Romero continuasse a lutar em favor do Índio. Em Campinas, participando de um debate sobre os problemas do aborígene no Centro de Convivência, ele denunciou irregularidades que estão acontecendo na Região da Barra do Garça no norte de Mato Grosso.

Membro da Sociedade Brasileira de Indigenistas, Cláudio trabalha há quatro anos com índios Xavantes, numa área de 7 reservas 21 aldeias que abrigam, ainda, mais de 4 mil indígenas. Sua luta maior é contra o grupo Muradalha, que invadiu as terras dos índios e criou a fazenda Xavantina, de 150 mil hectares. O mais incrível é que o presidente general Figueiredo já transformou a fazenda em reserva indígena, em decreto de dezembro passado, e até agora nenhuma providência foi tomada pela FUNAI.

E mais: “Os índios estão denunciando que as águas do rio onde se localiza a reserva foram envenenadas recentemente, e seis crianças Xavantes morreram” – afirma Cláudio. E esse problema não é novidade novo, pois “na década de 50, fazendeiros e políticos interessados nas terras usaram até guerra bacteriológica para matar os índios. Eles passavam com aviões de pequeno porte, jogando roupas contaminadas com catapora e sarampo. Os índios contraíam a doença e morriam”.

Aí está o quadro completo: menor de idade, abandonado e submetido a tratamento desumano por parte dos “civilizados”, o índio está se extinguindo. Como é que, pessoal de Brasília, num País tão cheio de leis anti isso e anti aquilo não sobra nenhuma leizinha em favor do índio, não?

02/11/1980 – Olha o passarinho!

O líder do Governo, senador Jarbas Passarinho, disse no último dia 28, durante um debate com senador Roberto Saturnino (pMDB-RJ), promovido pela Business International Corporation, que os representantes das multinacionais sediadas no Brasil não deve se preocupar com 29 projetos que estão em tramitação no Congresso, disciplinando o comportamento dessas empresas.

Passarinho afirmou que “o PDS não permitirá a aprovação do que estiver eivado de xenofobismo” (o grifo é nosso). O líder governista provocou gargalhadas nos representantes das multinacionais (65), presentes ao encontro, realizado no Hotel Nacional, quando ponderou que “esses projetos também não seriam aprovados, se a oposição conquistasse o poder”.

Eis aí um triste quadro do que a “redemptora” transformou o Brasil: um depósito de lixo das multinacionais, onde um partido chamado PDS (Partido dos depositantes na Suíça?) é mero lacaio dos interesses dessas mesmas multinacionais. E o próprio líder do Governo não se peja em ser vangloriar disso. Não é verdade que os tais 29 projetos também não seriam aprovados se a oposição conquistasse o poder… O próprio senador Roberto Saturnino defendeu, na mesma reunião, a aprovação de uma lei que controlasse com mais rigor a remessa de lucros das multinacionais para seus países de origem.

Aliás, foi a questão da remessa de lucros para o exterior que derrubou o ex-presidente João Goulart, em 1964. Ao tentar defender os interesses do Brasil, Goulart foi acusado de “compactuar com os comunistas” e, por isso, deposto. E a dívida externa começou a crescer assustadoramente, depois da “redemptora”, ao mesmo tempo que crescia a espoliação do nosso povo.

E olha aí o passarinho… Transformou-se em mero animador de auditório, uma espécie de “Chacrinha” governamental, incumbido de fazer rir os representantes daquelas firmas que nos exploram ao máximo, enviando todo o lucro obtido para o exterior, enquanto o Brasil fica cada dia mais triste, mais pobre, mais sofrido.

Um dia virá em que a democracia plena, dando amplas oportunidades de manifestação ao povo, mudará esse quadro. Ri melhor quem ri por último…

03/11/1980 – Dicionário do futebol

Chega pra lá – Forma de deslocar o adversário, com o ombro, legalmente. O povo ainda vai dar um “chega pra lá” naqueles que o exploram.
Chegar junto – Marcação que procura impedir o adversário de levar vantagem.Reagan pensou que ia ter vantagem nas eleições, mas Carter chegou junto.
Chegar lá – Atingir o objetivo. A oposição ainda vai chegar lá… De leve.
Chiar – Reclamar, protestar. O povo está com fome e está chiando, na fila do feijão. E também chorando com o gás lacrimogêneo.
Chibatada – Chutar a bola no ar, na altura do peito, é dar uma chibatada, ou chicotada. Na prática, chibatada lembra o caso do sr. Sh(*)bata, que teve a punição que merecia. Fora com ele!
Chilena – Toque de bola dado com o calcanhar. Deriva das esporas chilenas, que hoje lembram, infelizmente, as esporas do Pinichet… (ARRGH!)
Chocho – Sem forças e sem direção. Chute chocho foi o dado pelo D(*)lfim, ao afirmar que a nossa inflação, este ano, ficaria em 45%… Ah, ah, ah!
Choque – Encontro violento entre dois jogadores. O grande choque vai acontecer dia 4, nos EUA. E, mais uma vez, não poderemos escolher nossos governantes…
Chorão – Jogador que vive protestando, se lamuriando, reclamando, assim como o Ce(*)ar Ca(*)s, que só sabe culpar os árabes pelo preço do petróleo.
Choro – Reclamação, lamúria. O choro é livre, principalmente para o povo.
Chulé – Time, jogo ou jogador ruim. Time chulé é esse do PDS, pôxa!
Chupador – Jogador que se beneficia dos esforços dos companheiros, assim tipo o M(*)luf. Mania de levar vantagem em tudo, sô!
Chupa sangue – Aquele que se aproveita ao máximo dos outros, assim tipo empresário de multinacional, que ainda ri da nossa desgraça.
Chupar a carótida – Atingir o adversário com extrema violência, com intenção de machucá-lo. E o caso da Freguesia do Ó, como é que ficou, heim?
Chutador – Aquele que chuta a gol, com frequência, ou que chuta bem. O Brasil precisa, com urgência, de um bom chutador, inclusive no campo político.
Chutão – Chute forte em sem direção, dado por jogarod ruim, tipo o D(*)lfim.

04/11/1980 – Anedotas do Salim

Contam por aí que o Salim foi visitar uma barragem e seu barco, em função do excesso de carga, acabou virando. Sem saber o mínimo de natação, o Salim estava se afogando quando três garotos que pescavam nas proximidades se atiraram às águas, acabando por salvá-lo.

Refeito do susto, ainda ofegante, o Salim disse aos garotos: – Peçam o que quiserem, pois v-vocês acabam de s-salvar uma pessoa muito importante… e-eu sou o Dr. Salim!

Entusiasmado, o primeiro garoto pediu uma bolsa de estudos integral, que lhe permitisse completar até o curso superior. O Salim, imediatamente, prometeu que ele seria atendido.

O segundo foi logo pedindo um emprego ao Salim, para ganhar cerca de Cr$ 100.000,00 mensais, mesmo sendo menor de idade. O Salim, imediatamente, prometeu que ele seria contratado.

O terceiro, já refeito da emoção, pediu ao Salim um jazigo perpétuo em qualquer cemitério. O Salim estranhou o pedido e ponderou: – Meu filho, para quem salvou a vida de alguém tão importante, esse tipo de pedido, além de insignificante, não faz também o menor sentido!

Ao que o terceiro respondeu: – Não faz sentido para o senhor, mas faz para mim… porque, quando o meu pai souber que eu salvei a vida do Dr. Salim, ele me mata!

Outra: contam que o Salim, logo que tomou posse e foi morar no palácio, mandou acabar com um pombal que existia naquele local, aproveitando para servir pomba à caçadora aos convencionais de seu partido.

Elementos da imprensa, presentes ao acontecimento, estranharam o fato e perguntaram ao Salim por que ele havia mandado matar todas as pombas. Será que ele não gosta desse animalzinho, que é o símbolo da paz?

Ao que o Salim respondeu: – Não é nada disso… é que eu não aguentava ficar ouvindo as pombas dizerem, o dia inteiro: – Corrupto! Corrupto!

Depois da mais recente pesquisa do Instituto Gallup, o Salim ficou com o apelido de “pinguim”… só pinguim pode conviver com 71 pontos negativos!

05/11/1980 – I-Juca-Pirama

“I-Juca-Pirama” é o título de um poema de Antonio Gonçalves Dias (1823 – 1864), que significa “aquele que vai morrer”, em língua tupi-guarani. Depois que fui ouvir a palestra do cacique Mário Juruna no Centro de Convivência, verifiquei que, embora escrito há mais de cem anos, o poema continua tão atual como se tivesse sido feito hoje. Quem não acreditar, veja estes trechos:

“Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci.

Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:

Andei longes terras,
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;

Vi lutas de bravos,
Vi fortes – escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.

E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas, coitados,
Já sem maracás…

E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham, traidores,
Com mostras de paz!

Salve o nosso índio, salve “I-Juca-Pirama”, aquele que vai morrer!

06/11/1980 – Meu feijãããããooo

“Plante, que o João garante!” – Quem foi mesmo que disse isso? Foi o ministro Delfim Neto, quando estava na pasta da Agricultura, ou foi o Dr. Sardinha, aquele tipo criado pelo Jô Soares na TV?

Nem me lembro direito. Só sei que o Governo mandou plantar, mas falando para o grande produtor, pensando em exportar. Assim, esqueceu-se totalmente do pequeno lavrador, daquele que plantava agricultura de subsistência, visando seu próprio consumo e o consumo interno.

Assim, plantando-se soja em lugar de feijão, deu no que deu: o feijão subiu ou sumiu, mais ou menos como a famosa “Conceição”, aquela da música cantada pelo Cauby Peixoto. E foi pensando no feijão “Conceição” que eu fiz uma paródia que é assim:

Feijão “Conceição”:
Meu feijãããoo…
Eu me lembro muito bem:
Vivia na feira, a sobrar,
A preços que hoje não tem.

Foi entãããoo…
Que um ministro apareceu,
Gordinho, dizendo a sorrir
Que, plantando-se soja,
Ele iria subir…

Se subbbiiuuu!
Quem não sabe, quem não vou?
Pois hoje seu nome mudou:
Feijão maravilha viroouu…

Só eu sei
Que seu preço tanto cresceu,
Que agora é preciso um milhão
Para ter, outra vez,
Meu feijãããoo!!!

07/11/1980 – Deus salve a América

“Quando nuvens negras, como um negro véu, surgem sobre a Terra, empanando o céu…” – Este é o início da versão em português do hino “God Bless America”, o famoso “Deus Salve a América” que se tornou um grande sucesso depois da 2ª Guerra Mundial, quando os norte americanos surgiram como heróis perante o mundo, após derrotarem o nazifascismo.

“América”, no caso, é o país deles, os USA (e abUSA). O resto da América, Canadá, Groenlândia, México, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Cuba, Rep. Dominicana, Haiti, Jamaica, Porto Rico, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Chile, Argentina, Uruguai, Ilhas Falkland e Brasil, é apenas o resto…

Em nenhum momento eu pude acreditar que Ronald Reagan vencer seus eleições nos USA, mas agora verifiquei, com espanto, que o povo norteamericano se deixou enganar pelas promessas de “segurança” para a família ianque e de uma “América forte” feitas pelo ex-ator canastrão de Hollywood.

A vitória de Reagan é uma tragédia para todos, mas principalmente para nós, latinoamericanos e brasileiros, que não podemos votar nessa eleição tão importante, já que o “grande irmão” do Norte quem manda no Continente, impondo-se pela força das armas e pelo poder do capital. Não tenho dúvidas de que a política externa de Reagan será de apoio às ditaduras latinoamericanas, para que haja uma “América forte”, protegida contra o comunismo internacional.

Aliás, os únicos que devem estar satisfeitos com a vitória de Reagan são os Stroessners, os Videlas, os Mendes e os Mezas da vida, que já se apressaram enviar congratulações ao candidato republicano. Agora eles se sentem mais fortes, como nos tempos de Nixon.

Nuvens negras, como um negro céu, param sobre o Continente. Reagan, esse “falcão” que, logo de cara, fala em aumentar o orçamento militar dos USA (e abUSA), poderá levar o mundo a uma 3ª Guerra Mundial, na pior das hipóteses. Na melhor, levará à desgraça a América Latina, pondo fim à política de defesa dos direitos humanos de Carter. Só me resta dizer, em prece, de olhos voltados para o céu: – Deus salve a América… só Deus pode salvá-la.

08/11/1980 – Afinal, de quê ele ri?

Logo que o general Figueiredo foi eleito, no ano passado, fiz uma charge para o Salão Internacional de Humor de Piracicaba, juntamente com desenhista Pierre Trabbold, aqui do JH, na qual eu indagava o motivo de seu riso, em sua foto oficial como presidente. Esse trabalho, aliás, foi premiado pelo voto livre direto do povo (júri popular) e hoje está exposto no saguão do teatro interno do Centro de Convivência aqui em Campinas.

Um ano e meio depois, ainda não consigo entender de que ri o general, já que a situação do país piorou muito, e o homem continua sorridente! Ontem, em nossa cidade, foram distribuídos à população 20 mil panfletos, rodados no cubículo do DCE da PUC pelo líder estudantil Lejeune Xavier, o popular “Mato Grosso”, conclamando a todos pela luta em favor de uma Assembleia Nacional Constituinte e marcando o próximo dia 15 de novembro (data em que deveriam realizar-se eleições diretas para prefeitos e vereadores) como o “dia nacional de luta” por uma nova Constituição.

Trata-se de uma iniciativa do pMDB local, liderado pelo ativíssimo Jorge Alves de Lima, inspirada na disposição do senador Orestes Quércia de pugnar pela Constituinte, única forma de fazer o País retornar à normalidade democrática até o final do governo do general Figueiredo, essa sorridente figura que jurou fazer deste País uma democracia. É, acima de tudo, uma iniciativa louvável, que só não encontrará eco nos Erasmos Noites da vida.

Vamos todos lutar pela Assembleia Nacional Constituinte, não fazendo dessa disposição apenas uma determinação passageira, mas sim transformando é essa ideia numa verdadeira bandeira de luta, mormente agora que a extrema direita dá largos passos à frente, com a eleição de Ron(*)ld Re(*)gan nos USA.

Sem Constituinte, continuaremos do regime do arbítrio e das eleições indiretas para presidente, do adiamento inexplicável das eleições diretas e outras “cositas más”. Sem Constituinte, em breve só mesmo o general Figueiredo é que continuará rindo neste País… E, assim mesmo, eu continuarei sem entender de maneira nenhuma de que ele se ri.

Constituinte já, ou todos nós vamos chorar!

09/11/1980 – Anedotas do Salim

Contam que o Salim foi fazer discurso numa cidadezinha do interior, nessa de fazer “governo itinerante” (mais conhecido como “Caravana da Alegria”). E nem bem começou a discursar, um menininho de escola, desses coitadinhos que são obrigados a ir saudar os governantes em visita, com bandeirinha do Brasil na mão, gritou: “Governante imortal!”

O Salim ficou muito satisfeito. Discursou com mais ênfase, gesticulou com maior liberdade, botou banca, fez tanta onda, que o menininho gritou de novo: – “Governante mortal!”

Lá pelas tantas, já no fim do discurso, o Salim resolveu mandar os seus capangas, digo, seus homens da segurança trazerem o menininho para cima do palanque. Ali, diante de fotógrafos, repórteres e turma da TV, perguntou ao garotinho: – “Ei, menino, por que é que você grita tanto ‘governante imortal’, hein? Você é meu admirador?”

E o menininho, sem perder a pose: – Sou não senhor… é que, a cada vez que o senhor aparece na televisão, o meu pai fala: – “Puxa vida, morre tanta gente boa, e esse FDP não morre nunca!”

Contam também que o Salim estava indo por uma estrada, com seu carro com ar refrigerado, motorista, guarda costas e outras mordomias, quando o veículo quebrou. O Salim desceu do carro e ficou fazendo hora pela região, enquanto o motorista e o guarda costas tentavam reparar o carro.

Foi aí que ele viu um ônibus velho, também enguiçado junto à estrada. Ao lado do ônibus estavam diversos indivíduos em atitudes estranhas: um brincando de fazer bolinhos de barro, outro pulando amarelinha, um terceiro pendurado numa árvore pensando que era fruta, etc. Em resumo, era um veículo do hospício. Salim não gostou de ver os doentes naquelas atitudes, e procurou convencê-los a voltar ao ônibus. Foi então que o motorista terminou de consertar o dito cujo começou a contar os doentes:

– “Um, dois, três… Ei, quem é o senhor? E o Salim, cheio de pose: – “Eu sou Dr. Salim!”
E o motorista, continuando a contagem: – “Quatro, cinco, seis, sete…”

10/11/1980 – Dicionário do Futebol

Chute – (do inglês, shoot – tiro) – Pontapé desferido na bola, (de canela): chute sem direção, assim tipo lançamento de M(*)luf a presidente; (de letra): o que é dado cruzando-se o pé por trás do que vai à frente com a bola, assim tipo lançamento da campanha da Assembleia Nacional Constituinte, um chute bem dado; (de moça): chute fraco, sem potência alguma, assim tipo opinião de ministro sobre conjuntura econômica futura; (no s*co): chute desleal, assim tipo expulsão de padre Vito do País.
Chuteira – Tipo de botina própria para o jogo do futebol. (Amarrar as): fugir dos lances perigosos, afastar-se de disputas de bola, assim como o Chic(*) Amar(*)l, que fica sempre doente quando a coisa aperta. (Pendurar as): deixar de jogar, abandonar o esporte, assim como o J(*)nio Quad(*)os, que pode pendurar as chuteiras, que não dá mais. Tchau mesmo!
Chuveirinho – Passe dado sobre a área adversária. O pMDB vai lançar o maior chuveirinho sobre a área do PDS, até 1982. E tome gol!
Chuveiro – Instalação para banho, no vestiário. (Ir para o chuveiro mais cedo): ser expulso de campo. Já ser expulso do País é privilégio de padre e de exilado político latinoamericano… (mandar para o chuveiro): expulsar de campo. Figue(*)edo mandou o Padre Vito para o chuveiro, mesmo contra a vontade de todo o povo brasileiro. E a torcida vaiou.
Cidadela – O gol. O mesmo que “a última trincheira”. Nós lutaremos pela democracia, até a última trincheira. Essa cidadela ninguém toma!
Cintura dura – Jogador sem flexibilidade, assim tipo Figue(*)redo.
Círculo Central – Círculo com 9,5 m a partir do centro do campo, que delimita os jogadores no início da partida. A turma do planalto fica no meio de um círculo central e nem quer saber o que acontece no resto do País. Azar dela! Também local para reinício da partida, após levar um gol. Em 1982 a turma da Arena vai ter um trabalhão para reiniciar a partida, pois vai levar cada gol, que nem te conto!
Ciscador – Jogador que se movimenta muito, sem grande resultado, assim tipo Figue(*)redo, que viaja por todo o País e não resolve nada.

11/11/1980 – João vota na Conceição

Deu no jornal: “O presidente João Figueiredo confirmou ontem (07/11) em Campinas, simbolicamente, sua opção pela democracia. Votou, sem titubear, em Conceição, uma das torcedoras símbolo da Ponte Preta, no concurso promovido pelo JH. Conceição rompeu o cordão de isolamento defronte à casa de dona Doliza, irmã do presidente, estendeu um exemplar do jornal e conseguiu a adesão de Figueiredo. Ele limitou-se a sorrir quando alguém comentou: ‘O Sr. acabou de votar, Presidente'”.

Ironia do destino… Dentro de poucos dias o povo deveria votar nas eleições diretas para prefeitos e vereadores, que deveriam realizar-se a 15 de novembro de 1980. Entretanto, por iniciativa do governo Figueiredo, essas eleições foram adiadas por dois anos, devendo realizar-se em 1982, se Deus quiser.

Assim, só restou ao povo de Campinas e região o voto livre e direto para torcedor símbolo da Ponte ou do Guarani, já que essa é a única eleição livre e direta que se realiza este ano, por estas bandas. E é curioso que o próprio general Figueiredo tenha passado por Campinas e, meio na marra, meio de improviso, tenha votado na Conceição.

O general, que concedeu uma anistia e pretendeu promover uma abertura, o mesmo que jurou fazer deste País uma democracia, teve uma atitude bastante contraditória quando, entrevistado sobre quando haveria eleições diretas para a Presidência da República, respondeu: – “Se depender de mim, nunca!”

E não deixou de ser contraditória, igualmente, a intenção de prorrogar a data das eleições livres e diretas que deveríamos ter no próximo dia 15 de novembro. Justo na ocasião em que deveriam se realizar as primeiras eleições sob o governo do general Figueiredo, ficamos sem poder botar o nosso voto na urna, uma vez mais.

Outra ironia do destino: para compensar, a torcedora Conceição, emocionada por ter ganho o voto do general Figueiredo, declarou que nem iria colocar o voto na urna, e sim guardá-lo em seu quarto, como um presente maravilhoso. Assim, nem o nosso voto vai para a urna e nem o dele…

12/11/1980 – Alá-Salim e a lâmpada

Alá Salim era um pobre João Ninguém, que trabalhava numa serraria e que foi despedido, por ser um grande “cara de pau”. Certa vez, perambulando em meio a um depósito de lixo, deparou com uma antiga lâmpada de óleo jogada fora. – Isto deve valer uns trocados, lé! – Pensou ele com seus poucos botões. E, como a lâmpada estivesse muito suja, esfregou-a para limpá-la…

Foi então que, do interior da lâmpada, saiu um gênio chamado Ibrahim, que lhe disse: – Salve, ó amo! Como vós me libertastes da lâmpada onde eu era prisioneiro há mil anos, atenderei três desejos vossos!

O astuto Alá-Salim assustou-se, a princípio, mas logo percebeu que ali estava a chance de sua vida. E foi fazendo o primeiro desejo, dizendo: – Gênio, desejo ser prefeito de Bagdá! – (Ah, sim, as histórias de gênio sempre se passam em Bagdá). – O gênio logo atendeu ao seu pedido e ele foi nomeado prefeito, acumulando considerável fortuna por meios que não desejamos aqui relatar…

Cansado de ser apenas um prefeito, Alá-Salim formulou o segundo pedido: – Ó Ibrahim, vós que sois um gênio, fazei-me governador da província! E o gênio, prontamente, transformou-o em governador. Alá-Salim foi morar num magnífico palácio, aumentando muito mais a sua fortuna, por meios que também não relataremos aqui, por questão de pudor.

Por fim, cansado de ser apenas um governante de província, Alá-Salim chamou o gênio para uma convenção do partido do governo e pediu: – Gênio, ó gênio genial, desejo ser o Xá, o supremo mandatário da Pérsia! – (Sim, nesse tempo o país assim se chamava). O gênio, mais que depressa, ergueu o braço de Alá-Salim e, diante de todos os convencionais presentes, inclusive do herdeiro do trono, declarou: – Eis o homem! Se depender do meu voto, Alá-Salim será o futuro governante do país!

Alá-Salim ficou desesperado, porque, entre as falsas palmas dos convencionais, percebeu a expressão de ódio do herdeiro do trono, e disse: – Gênio, mas que mancada! Vós queimastes minha candidatura! Sacaneastes o vosso amo! – E o gênio, sorridente: – E por que pensais que meu antigo amo me prendeu por mil anos?…

Quiá, quiá, quiá, quiá! – E, assim dizendo, evaporou-se em fumaça…

13/11/1980 – Pela Constituinte

(Um por todos e todos pela Constituinte)

Neste dia 15 de novembro de 1980 deveriam se realizar eleições para a escolha de prefeitos e vereadores, na grande maioria das cidades brasileiras. Todavia, o governo houve por bem adiar esse pleito por dois anos e as eleições só serão realizadas em 15 de novembro de 1982, talvez, quem sabe, se Deus quiser e o Abi-Ackel deixar…

É por essas e outras que a oposição, representada por seus três partidos mais significativos, pMDB, PP e PDT, resolveu marcar um ato público em favor de uma Assembleia Nacional Constituinte, no Salão Vermelho da Prefeitura de Campinas, neste sábado, dia 15, às 20 horas.

A Constituinte, pregada pelo senador Orestes Quércia, é uma necessidade básica para a normalização política do País, haja visto que a nossa Constituição, de 1964 para cá, foi remendada, consertada, rasgada e recosturada, virando uma verdadeira colcha de retalhos…

São esses remendos que permitiram o adiamento das eleições, após a reforma partidária feita por decreto, bem como o motivo do adiamento. Segundo o Governo, não poderia haver eleições porque os partidos, com a reforma, não estavam definitivamente organizados!

O País necessita de uma Carta Magna límpida, clara, sem rasuras ou remendos, que dê as diretrizes para a consolidação de um Brasil Maior e melhor, com eleições livres e diretas em todos os níveis, inclusive para Presidente da República.

Proponho que, no ato público, o povo cante uma paródia que eu fiz da famosa música “Ô Abre Alas”, da imortal Chiquinha Gonzaga, que é assim:

Ô Abi-Ackel, eu quero votar!
Ô Abi-Ackel, eu quero votar!
Eu sou da urna, não posso negar…
E o nosso povo é quem vai ganhar!

Vamos todos ao Salão Vermelho da Prefeitura, lutar por um país mais digno e mais justo, pela pátria livre que desejamos deixar para nossos filhos. Vamos todos lutar por uma Assembleia Nacional Constituinte, já!

14/11/1980 – Um dia como os outros

Levantei-me com o pé direito, espreguicei-me um pouco e resolvi fazer como aquele anúncio que toca no FM toda hora: escovei os dentes, tomei o café da manhã e fui ler o jornal. Logo na primeira página, deparei com uma manchete que me fez cair o queixo: – “Dívida externa foi perdoada”!

Esfreguei bem os olhos, olhei de novo, e li outra notícia espetacular: – “Acabou a inflação no Brasil”! Quase não podia acreditar nos meus olhos… No pé da página, lá estava uma foto do general Figueiredo e uma legenda: – “Cumpri o prometido: fiz deste País uma democracia”!

Fui dar uma olhada na página policial, mês ela estava meio fraca. No alto, em letras garrafais, lia-se: – “Nenhum crime na cidade”!- Então fui olhar a página de esportes, estava lá: – “Ponte Preta campeã paulista”! – “Guarani na Taça de Ouro”! – “Moralizado o futebol brasileiro”!

Liguei o rádio… só tocava música nacional! Aí entrou o locutor e lascou: “Baixou o preço do feijão”! – “Petrobrás descobriu petróleo”! – “Rescindidos os contratos de risco”! – “Delfim encheu a panela do povo”!

Corri para a TV e liguei… estava dando o jornal da manhã. Com a cara mais normal do mundo, o locutor informava: – “Aprovada a Assembleia Nacional Constituinte“! – “Demarcadas as terras dos índios“! – “Brasil tem crédito no exterior“! – Aí entrou o noticiário internacional, com as seguintes manchetes: – “Renunciou Ronald Reagan“! – “Khomeini fugiu para o Timbuktu”! – “Israel fez as pazes com os árabes”!

Voltei ao jornal e abri na página local. Dizia assim: “Resolvido o problema das enchentes em Campinas”! – “Prefeitura paga todos os desapropriados”! – “Acabou a fila no INAMPS”!

Esfreguei os olhos, abri a porta e saí à rua… o lixeiro estava passando no dia certo, o ônibus da CCTC estava limpo e quase vazio, nenhum motorista estava correndo a mais de 80 por hora e não havia nenhum caminhão estacionado irregularmente. Foi aí que apareceu uma multidão carregando o Maluf em triunfo e gritando: – “É o maior, é o maior, é o maior”!

Aí, não deu outra: caí da cama. Mamãe, eu juro, não sonho mais!

15/11/1980 – Farda, Fardão e… Academia

“Farda, Fardão, Camisola de Dormir” é o título do último romance de Jorge Amado, cuja ação se passa em 1940 e retrata a luta por uma vaga na Academia Brasileira de Letras, entre um coronel chefe da polícia política e braço direito de Getúlio e um general reformado. Por uma vaga se faz de tudo, a corrupção come solta e as consequências são as mais funestas possíveis.

A história poderia se passar hoje, com pequenas modificações, pois continua muito atual. Depois da eleição do José Sarney, quem almeja a vaga deixada na ABL pela morte de Octávio de Faria é o ministro da Educação, Eduardo Portella! Essa vaga deveria ser, pela lógica, do grande poeta gaúcho Mário Quintana, que deseja tanto ser eleito que já se escreveu duas vezes. No entanto, depois que o Portela se candidatou, Quintana passou a ser pressionado por alguns acadêmicos para que desistisse em favor do ministro…

Quintana ficou tão angustiado com essa pressão (motivada muito mais por interesses do que pelo valor intelectual das obras do ministro, é claro), que não conseguiu mais dormir, começou a comer pouco e a ficar muito angustiado, uma vez que já tem 74 anos de idade e a Academia seria a coroação de sua vida dedicada à rima, aos versos, às odes e aos poemas.

Na última 6ª feira, com o sistema nervoso abalado, Quintana foi internado na Clínica Pinel, em Porto Alegre. Felizmente passa bem, de acordo com seu médico, e na próxima semana poderá ter alta.

Se eu forre ministro e quisesse me colocar na ABL, juro que sentiria pejo em aceitar, posto que estaria sendo indicado por ter um cargo no Governo e não pelo valor de minhas obras. Todavia, isso não parece ocorrer na esfera federal. São tantos os políticos do Governo pretendendo ser “imortais”, que o genial Ivan Lessa lascou na última página do Pasquim desta semana: – “Basta de ordenanças! Queremos o General Figueiredo na Academia!”

Turma do Governo, que tal sair de fininho e deixar as vagas para aqueles que, efetivamente, dedicaram sua vida à literatura, como o Quintana, que acabou baixando no Pinel? Desse jeito o Jorge Amado vai ter de escrever um outro livro: “Farda, Fardão e Camisa de Força“…

16/11/1980 – Votar é tão bom. Bom mesmo!

No dia 14 último eu tive a oportunidade de votar, depois de muito tempo. Verdade que foi uma votação simbólica, promovida pelo pMDB, PP e PDT, contra o adiamento das eleições, os baixos salários, o custo de vida, etc., mas foi tão bom… Descobri que votar não dá calo,não faz cair as unhas nem provoca câncer, ao contrário do que sempre apregoam elementos ligados ao Governo.

Também não é verdade que o povo não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar. Vi gente do povo sem dentes (por causa da falta de atendimento dentário) e com dentes, que votou muito bem, certinho. Só um velhinho, que estava na fila bem na minha frente, é que teve algumas dificuldades em colocar seu voto na urna montada no Largo do Rosário. Segundo ele, foi por causa da vista fraca, mas já tinha muito gaiato dizendo que era falta de prática…

Mas, o voto do dia 14 foi, antes de tudo, a favor. Sim, a favor da Assembleia Nacional Constituinte, livre, democrática e soberana. Com a Assembleia, teremos oportunidade de acabar com os privilégios dos grandes grupos multinacionais, eliminar a repressão,elaborar novas leis sociais, conseguir maior liberdade de expressão e organização, além de eleições livres e diretas em todos os níveis, inclusive para Presidente da República. Isso, só para começar a enumerar as melhorias de que necessitamos.

Saí do Largo do Rosário com a alma leve, sentindo-me feliz por ter votado, ainda que de forma simbólica. Indo para casa, não resisti e fui cantarolando assim: – Não põe veto no meu voto, não tente bancar o chefe, não dá ordem ao pessoal… Não me venha com mentira, ninguém mais te admira, eleição não é um carnaval! Não sou candidato a nada, meu negócio é batucada, mas meu coração não se conforma… O direito é do povo, de poder votar de novo, exigindo plataforma. Por um voto, que balance o teu coreto, que eleja quem, de fato, é político correto… Por um voto livre, simples e direto, democrático e secreto, que demonstre sentimento. Por um voto que seja um documento, que destrua e arrebente o teu cordão de isolamento. (Breque) – Não Põe no meu!

18/11/1980 – Anedotário político

Esta deve ser a mais velha anedota brasileira: dia 22 de abril de 1500, Cabral acaba de descobrir o Brasil e decide mandar D. Henrique Soares de Coimbra rezar a primeira missa… E, poucos dias depois, lá estava todo mundo reunido, no meio do mato: marinheiros portugueses, oficiais, soldados e índios, esses últimos muito surpresos ao verem os portugueses erguendo uma cruz de madeira e fazendo um altar.

No exato momento em que D. Henrique abençoa a terra e a declara oficialmente descoberta, um velho índio olha bem, balança negativamente a cabeça e diz: – Não vai dar certo…

Esta é de bêbado: era uma vez um cara muito revoltado, talvez um desses “privilegiados” operários do ABC, que sofria como um condenado em uma fábrica de veículos (multinacional, é claro), mas que não tinha coragem de falar mal do governo. Um dia, amarrou um porre, só de desgosto, criou coragem e saiu dizendo pelas ruas: – Eu comprei um ministro! Taqui, no meu bolso, é! Aquele sem vergonha tá comprado!

Não deu nem dez passos: foi detido por uma viatura policial e levado para curtir o porre na cadeia. E, mesmo na viatura e depois na cela, o sujeito repetia: – Eu comprei o ministro! Tá comprado, ó! Hic! Eu comprei!

No dia seguinte, o infeliz operário acordou e ficou muito surpreso ao se ver numa cela. Ele nem conseguia se lembrar por que tinha sido preso… Quando o carcereiro veio trazer o grude, lá pelas tantas, ele o chamou e perguntou: – Vem cá, ô meu! Que que eu fiz para estar aqui, hein?

E o carcereiro respondeu: – Você amarrou um fogo e saiu dizendo por aí que tinha comprado um certo ministro! – E o operário, chateado: – Eu não tomo jeito, mesmo! Quando eu estou bêbado compro tudo que é porcaria que aparece!

Dentro de um ônibus lotado, um cara pergunta para outro, que está ao lado dele: – Amigo, o senhor é do governo, tem algum parente no governo, ou é amigo de alguém que faça parte do governo? – Ao que responde o outro: – Não! – E o primeiro, muito calmo: – Então quer fazer o favor de tirar o pé de cima do meu, seu…?

19/11/1980 – Dicionário do futebol

Ciscar – Movimentar-se muito, assim feito o Galv(*)as, que ia de Nova Iorque para o Rio e foi ciscar lá em Brasília. Medalha para ele, de mérito aeronáutico.
Clarabóia – Jogador que consegue clarear uma jogada, assim tipo Orestes Quércia (ver conceito abaixo).
Clarear – Tornar clara, sem confusão, uma jogada, conter uma ação ofensiva e estruturar uma jogada nova, compreensível aos companheiros, assim como lutar por uma Assembleia Nacional Constituinte.
Clássico – Jogo que tem tradição – (da Disciplina) – reunião dos partidos de oposição; (da Paz) – reunião do pMDB; (dos Milhões) – reunião do PDS, o “Partido dos Depositantes na Suíça”.
Classificação – Posição que permite a um clube continuar disputando um campeonato. Em 1982, o PDS vai descer para a segunda divisão… Que desclassificação!
Cobertura – Ato de dar proteção à área defendida por um companheiro. O PP, PDT, PTB, e PT vão vencer, com a cobertura do pMDB. Aposto uma nota preta!
Cobra – Jogador famoso e de alto nível técnico, assim feito o Ulysses Guimarães. O velhinho é cobra! Camisa 10 da nossa Seleção!
Cobra mandada – Árbitro, auxiliar ou jogador previamente subornado, assim feito muitos políticos e convencionais do PDS, cujos nomes não citaremos por decoro.
Cobrador – Jogador hábil em cobrar faltas, convertendo-as em gols. O Franco Montoro é que é um tremendo cobrador, hábil em fazer gols para o pMDB.
Cobrinha – Jogador jovem e em ascensão, de alto nível técnico, já com as características de cobra, assim tipo Wanderley Simionatto.
Coco – Cabeça. Também inteligência e criatividade. Quem tem coco é o meu considerado José Roberto Magalhães Teixeira, o popular “Grama”.
Cocoruto – Elevação, morrinho, parte superior da cabeça. Outro que tem cocoruto bom é Freitas Nobre.
Coice – Chute violento, dado no adversário ou na bola. Maiores detalhes sobre coice, procurar o Sr. Taturana, na Freguesia do Ó.
Coiceiro – “Simpatizante” do M(*)luf. O mesmo que açougueiro, carniceiro, etc.
Colar – Marcar colado. Também tentar impingir desculpas esfarrapadas e simular infrações. Olha aí, D(*)lfim, tua conversa não cola mais.

21/11/1980 – Você já foi a Brasília?

Atendendo a pedidos de inúmeros leitores, voltamos com nosso “Cantinho do Sucesso”, hoje parodiando a conhecidíssima música “Você já foi à Bahia?” de Dorival Caymmi: a paródia se intitula “Você já foi a Brasilia?”

Você já foi a Brasília, nêgo?
Não?! Então vá!
Lá quem tem padrinho, meu nego,
Só pode se arrumar…

Muita sorte teve,
Muita sorte tem,
Muita sorte terá.
Você já foi a Brasília, nêgo?
Não?! Então vá!
Lá tem caviar… (então vá!)
Lá tão com tutu! (então vá!)
Vão te nomear! (então vá!)
Se quiser mamar… (então vá!)

Nos palácios e nas granjas,
Onde só mora doutor,
Tem banquetes que parecem
Dos tempos do imperador…

Mordomia, em Brasília,
Faz inveja a um marajá!
Tem tudo pra consumo interno
E ainda sobra pra exportar.

Tudo, tudo em Brasília
É feito pro nosso bem,
Em Brasília tem ministro
Comendo como ninguém!

Você já foi a Brasília, nêgo?
Não?! Vai pra lá!

22/11/1980 – O milagre do descapitalismo

Delfim era um pobre rapaz que dava aulas a uns pobres alunos de uma escola pobre… Mas o jovem Delfim alimentava um sonho secreto: algum dia, faria um milagre.

Não um desses milagres comuns, do tipo “virar água em vinho”, “multiplicar os pães”, “fazer andar os paralíticos” e “curar os leprosos”. Nada disso, o Delfim queria fazer um milagre inédito, que ninguém já tivesse feito!

Foi assim que o jovem Delfim abandonou as aulas e os alunos, além do parco salário de professor, e tratou de fazer amizade com gente influente nos meios mágicos de Bagdá (ah, sim, essas fábulas sempre se passam no oriente misterioso), à procura de alguém que o ensinasse a fazer milagres.

E, depois de algum tempo, o jovem aprendiz de feiticeiro foi apresentado a um xerife, que o apresentou a um califa, que o levou a um grão vizir, o qual o levou a um rajá, e este o conduziu até o grande marajá de Bagdá, soberano recém empossado no cargo, que estava precisando de um milagre…

O marajá era meio surdo, e em vez de entender que o Delfim queria aprender a fazer um milagre, entendeu que ele, sendo professor, poderia ensinar! E foi assim que, graças tão somente à sua boa estrela, o jovem e inexperiente Delfim foi designado para o cargo de ministro dos Milagres!

O país ia de mal a pior, enfrentando baixas colheitas, falta de alimentos, desemprego, alto índice de mortalidade infantil, inflação, dívida externa elevada, falta de vergonha na cara, e outras pequenas crises por aí afora. O marajá de Bagdá levou o jovem ministro Delfim à sacada de seu palácio, de onde se descortinava toda a cidade e disse:

– Ó sábio milagreiro, ó poderoso mágico, faça um milagre que torne todo o povo rico, feliz, sem problemas e com muita saúde!

Delfim, que não queria perder o cargo e nem o pescoço, improvisou algumas palavras mágicas e… CABRUM! – Desabaram sobre o país, uma a uma, todas as pragas do Egito e mais algumas de quebra, e todos ficaram na maior miséria. Delfim nem se apertou e saiu apregoando aos quatro ventos: – Milagre! Milagre! Acabo de inventar o descapitalismo!!!

23/11/1980 – Tout vá trés bien, diz a canção

“Tout vá trés bien, Madame La Marquise!” – afirma uma antiga música vaudeville, que agora vamos parodiar. O título pode ser “Tudo vai bem, muito bem, bem, bem…” ou qualquer coisa parecida. E vamos nessa!

“Tudo vai bem!” – Falou o presidente,
– “O povo está muito contente!”
“Tudo vai bem!” – Falou o Ibraim,
– “O povo está feliz assim!”

A inflação passou de cem por cento…
– “Quem não gostar, eu prendo e arrebento!”
A gasolina depressa vai a mil…
– “Pelo progresso do Brasil!”

“Tudo vai bem!” – Falou o Delfim Neto,
– “O povo come, e come quieto!”
– “Tudo vai bem!” – Falou o seu João,
– “Cairá o preço do feijão!”

Mas o feijão subiu e ainda sumiu
“E ninguém sabe, ninguém viu!”
Não vejo mais o preço do filé,
– “É só ter calma, é só ter fé!”

“Tudo vai bem!” – Falou o Amaury,
“A grande safra vem aí!”
“Tudo vai bem!” – Falou o Seu Jair,
– “O povo vive a sorrir!”

Porém a fila do INAMPS é desgraça…
– “Ora, depressa isso passa!”
E a nossa dívida? Não dá pra segurar!
– “O Carajás vai resgatar!”

“Tudo vai bem!” – Falou o presidente,
– “O povo está muito contente!”
“Tudo vai bem!” – Falou o César Cals,
Mas, mesmo assim, tudo vai mal!

24/11/1980 – Dicionário do futebol

Coletivo – Treinamento do qual participam todos os jogadores, titulares e reservas; na prática, veículo urbano que nos obrigam a tomar, sempre cheio, sujo, e em péssimo estado de conservação. Ei, CCTC, como é que fica?
Comandante – Centro avante, principal figura do ataque; Ulysses Guimarães é um ótimo comandante do pMDB e vai levar o partido a grandes vitórias.
Combate – Ato de enfrentar o adversário, na disputa de bola. Em 1982 teremos um combate sensacional: Situação x Oposição. Aposto uma nota nesta última.
Combinação – Trama, jogada combinada, assim como “prorrogação de mandatos”.
Come – Drible, finta. (Dar um): Driblar feito o Delf(*)m. (Levar um): ser driblado, feito o povo. (- E dorme): jogador que faz refeições no clube e lá reside, sem jogar; assim tipo ministro, que tem a maior mordomia, come e dorme e não faz nada da útil, via de regra. (CBD – Come, Bebe e Dorme): jogador nas mesmas condições anteriores, com o agravante de encher a caveira, assim tipo um ex-ministro que foi mandado passear…
Come – Fogo – Designação das partidas entre o Comercial e o Botafogo, ambos de Ribeirão Preto (SP). Na prática, choque entre grevistas e tropas da PM.
Comer – Driblar, fintar. (A bola): jogar muito bem. (O bolo): fazer que nem o Delf(*)m. Ele não reparte o bolo, come sozinho.
Compasso – Dar um passo muito largo é “abrir o compasso“. Esperamos que a abertura continue, em compasso acelerado, apesar do R(*)agan.
Comprar – Adquirir o passe de um jogador; subornar um jogador, bandeirinha o juiz. Agora, sobre comprar votos indiretos, falar com o sr. M(*)luf.
Compromisso – Jogo a ser realizado no futuro. Na prática, compromisso é isso: “Juro fazer deste país uma democracia”.
Concentração – Ato de reunir jogadores em um local, antes de uma partida. Não confundir “concentração no campo” com “campo de concentração”.
Condição – Circunstância que permite ou não a prática do futebol, a um jogador. (Física): boa saúde. (Irregular): para o jogo, quando o contrato não está em dia; para a jogada, quando o jogador está impedido. Agora, condição irregular, mesmo, é o cargo de “senador biônico”. Arre! Passa, bionicão!

25/11/1980 – O anedotário político

Esta é internacional e nova em folha (juro que inventei agorinha):

Em Pequim está sendo julgado o “Bando dos Quatro” que, na verdade, é o “Bando dos 10”, grupo acusado de todos os males que aconteceram na China, de 20.000 anos para cá.

A viúva de Mao Tse Tung, madame Chiang Ching (ou Jiang Ting, como quiserem) e todos os seus seguidores, ao fim do julgamento, serão considerados culpados de alta traição e de todas as acusações que lhes forem feitas…

Terminado o julgamento, para surpresa da imprensa ocidental, todos os acusados são imediatamente postos em liberdade! Um jornalista, muito espantado, se aproxima de um alto funcionário chinês e lhe pergunta: – Mas, como?! Vocês acusam o “Bando” de todos os males da China, condenam e depois… soltam todos?!?

E o sisudo funcionário, muito calmo: – “Celtamente, honolável jolnalista internacional… se não soltarmos o “Bando”, a quem vamos acusar das desglaças da China, de hola em diante?”

Esta é nacional, mesmo: contam que um certo governador biônico foi visitar uma cidadezinha do interior, com sua enorme comitiva, e acabou sendo recepcionado com um grande churrasco regado a chope, pelo prefeito local.

Lá pelas tantas, já meio alto, saiu procurando o banheiro e, como não soubesse onde ficava, empurrou uma porta e viu-se nos fundos da prefeitura. Como estava escuro, resolveu aliviar-se ali mesmo, na via pública…

Foi então que surgiu um desses guardas do interior, sempre muito atentos a tudo e muito zelosos de seu posto. O guarda não teve dúvidas: informou ao governador que ele estava multado, em decorrência de lei municipal.

Todavia, ao reconhecer o governador, resolveu desistir da multa. Este não aceitou, dizendo que era um cidadão comum e queria pagar. Foi então que o guarda recusou mais uma vez, dizendo: – Ora doutor, o senhor acha que eu iria multá-lo por causa de uma simples m…, depois de tanta c… que o senhor já fez?

26/11/1980 – O espião que entrou em fria

Dizem que o M(*)luf está de espião novo em Campinas e região, mas que o coitado está meio por fora e, se o largarem no meio do Largo do Rosário, ficará perdido e nem saberá onde está, pois o largo nem tem mais esse nome…

Como sinto muita pena de quem chega de fora e fica por fora, em nossa querida Campinas, bolei uma espécie de guia turístico para orientar o novo e ilustre visitante, para que ele fique familiarizado com os hábitos da cidade.

É necessário que o espião do M(*)luf saiba que:

  1. a) Em Campinas há dois times de futebol profissional, mas os torcedores locais não estão nada felizes com o desempenho de ambos. Quem quiser ir contando pontos em seu favor deve ir, logo de cara, metendo a lenha na Ponte e no Guarani. Deve falar bem do São Paulo e elogiar a “Taça de Prata”.
  2. b) Se, por outro lado, o visitante quiser elogiar um dos clubes, deve escolher o ouvinte certo. Se quiser falar bem do “Bugre”, deve escolher como interlocutor um negrão de 1,90 m de altura e envergadura, vestido sempre com as tradicionais cores do Guarani: branco e preto.
  3. c) O local de reunião da Ponte é o Giovanetti, enquanto que o do Guarani é o Éden Bar, ambos no Largo do Rosário.
  4. d) Existe uma região ótima para compras na cidade, a do “Mercadão”. Deve-se ir lá com muito dinheiro nos bolsos, fazer alarde dessa condição e pagar umas pingas para os velhos e as senhoritas que frequentam o local.
  5. e) Outro local ótimo é a região de lazer conhecida como “Itatinga’s Garden”, onde o visitante deve ir muito bem vestido e com muito dinheiro de reserva. Umas voltas a pé pelo bairro, de madrugada, serão suficientes para tornar o forasteiro muito feliz.
  6. f) Outros lugares ótimos para visitas noturnas são: a Costa Aguiar, os baixos do Viaduto Cury e o Bar Apollo, perto da Rodoviária.
  7. g) Campineiro adora piada. Quem quiser ficar amigo de grande número de moradores da cidade, deve ir logo contando uma daquelas boas, que fala de campinas e Pelotas, do repertório do Golias.

Boa estada na cidade, senhor espião!

27/11/1980 – Tem aquela do cachorro

Tem aquela do cachorro, que é assim:

“El dictador” de uma banana republic latino americana seguia por uma estrada, num magnífico carro à prova de balas, com motorista, guarda costas e ar condicionado, além do tradicional bar bem abastecido quando, de repente, o motorista não viu um cachorro que atravessava a estrada…

Não deu outra: o motorista atropelou o cachorro, que morreu na hora. Era um belíssimo cachorro de raça, com coleira, que só podia ser de algum ricaço. “El dictador”, que não queria ficar mal com os ricos do país, mandou o motorista ir até a cidade mais próxima e procurar o dono do animal, pois ele desejava indenizar o proprietário.

Pararam na cidade, num local ermo. O motorista desceu e foi procurar o possível dono do cachorro. Meia hora depois, voltava ele carregado em triunfo, enquanto o povo dava vivas e os sinos repicavam. Ao se aproximar do carro de “El dictador”, os populares levaram um grande susto e largaram o motorista no chão, fugindo em seguida. “El dictador” quis saber o que havia ocorrido e o motorista explicou: – Sei lá, excelência… cheguei num bar e disse: sou motorista de “El dictador”, e atropelei e matei aquele cachorro… e o povo começou a festejar!

Um ministro da mesma banana republic ia passando junto à estátua equestre do maior herói nacional, quando ouviu que a estátua falava com ele! – Ei, “señor” ministro – Dizia a estátua – Olhe só para o estado do meu cavalo: todo sujo e com a pata quebrada… exijo que mande fazer um cavalo novo para mim, ouviu?

O ministro ficou muito assustado, concordou com a estátua do herói e foi correndo contar a “El dictador”, que duvidou de sua sanidade mental. O supremo mandatário quis ver, de perto, a tal estátua que falava. Lá chegando, o ministro e “El dictador” ouviram a estátua falar de novo, muito chateada: – Ei, “señor” ministro! – Repetiu a estátua – Que negócio é este? Eu lhe peço um cavalo novo e o “señor” me traz um burro velho?!?

29/11/1980 – E agora João, a festa acabou?

A pedidos de inúmeros leitores, vamos reprisar “E agora, João?”, paródia de “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade:

E agora, João? A festa acabou, a luz apagou, a abertura esfriou.
E agora, João? E agora, Delfim? E agora, você? Você que é sem nome,
Que apanha de todos, você, que trabalha, que grita, protesta?
E agora, povão?
Está sem dinheiro, está sem discurso, está sem trabalho,
Já não pode beber, já não pode fumar, cuspir não pode;
A noite esfriou, a abertura não veio,
A democracia não veio,
O riso não veio, não veio a utopia
E tudo acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou.
E agora, João?
Sua doce palavra, seu instante de febre,
Sua promessa e sua jura, sua democracia.
Sua palavra de ouro, seu cavalo tordilho,
Sua incoerência, seu ódio – e agora?
Com tudo na mão, quer fazer a abertura.
Não existe porta. quer abrir na marra,
Mas o PDS fechou. quer ir para a frente,
Mas não dá mais! João, e agora?
Se você gritasse, se você berrasse, se você tocasse,
Pra fora quem não convence, se você agisse, se você brigasse.
Se você não esmorecesse… mas, você não esmorece,
Você é duro, João!
Sozinho no escuro, qual bicho do mato,
Sem democracia, sem constituinte,
Pra se amparar,
Sem cavalo baio que fuja a galope,
Você segue, João! João, para onde?!

30/11/1980 – Índio não quer mais apito

“Índio quer apito”, dizia uma antiga marchinha de carnaval. Hoje, o indígena, já familiarizado com a sociedade ocidental, politizado e sofrido, já não quer mais apito; quer, isso sim, ter o direito de falar no tribunal Russel, na Holanda, sobre seus problemas e direitos.

Tanto lutou o cacique Juruna que conseguiu, através de um habeas corpus, o direito de viajar para Amsterdam e falar em nome de seu povo (globalmente, todo índio faz parte de um único povo – o indígena). De nada adiantaram as objeções do ministro do Interior, coronel Mário Andreazza, e nem os esforços da Funai para obstar a viagem do valente cacique. Eleito presidente do tribunal Russel, Juruna irá mesmo falar, naquele seu modo rude e franco, expondo todas as arbitrariedades que estão sendo feitas contra os índios.

O episódio da tentativa de impedir a viagem de Juruna só depôs contra o governo brasileiro, pois ficou patente o abuso de poder do ministério do Interior. O fato de o índio ser tutelado, no Brasil, não autoriza nenhum órgão governamental a cercear o direito de ir e vir do indígena. Por outro lado, o julgamento favorável do habeas corpus abriu um precedente histórico, visto que, de ora em diante, a justiça brasileira reconhece aos indígenas a capacidade civil de representar o Brasil no exterior.

Também não entra em questão o mérito do reconhecimento ou não, de parte do governo brasileiro, da validade do tribunal Russel. Reconhecendo ou não o tribunal, o Governo terá de ouvir as justas queixas dos indígenas, dada a repercussão mundial que essas queixas terão. E isso será ótimo pois, quem sabe, de agora em diante poderão ser tomadas medidas efetivas, em favor do índio brasileiro, antigo dono da terra e hoje relegado à condição de miserável em fase de extinção, como se fosse um tipo de animal selvagem.

Acredito que o rude, porém hábil, cacique Juruna fará um belo papel na Holanda, denunciando sem temor as arbitrariedades, desmandos e omissões feitos contra os seus irmãos. O famoso “índio do gravador”, agora famoso no mundo inteiro, vai demonstrar que índio não quer mais apito, índio agora quer é ter direito de viver em paz na terra onde nasceu.

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Já leste o meu livro? Quem ainda não leu está convidado a conhecer minha biografia de papai, à sua espera nas melhores livrarias: Marsupial – Comix – Cultura 

A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon 

Visitem também o Sebo Saidenberg, na Amazon. Estou me desfazendo de alguns livros bastante interessantes.

Palavra e Traço – Dezembro de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/12/1980 – Mais dicionário do futebol

Conferir – Persistir, acompanhar a bola. Também marcar um tento. Aliás, o Cacique Juruna insistiu até lavrar um tento e poder viajar para a Holanda… na hora certa, estará lá para conferir.
Confronto – Partida, jogo, disputa. O que será que vai dar o confronto UNE x novo ministro da Educação e Cultura?
Conjunto – Time, equipe, entendimento entre os integrantes de um time. Falta conjunto para o time do ministério…
Conselheiro – Quem faz parte do conselho de um clube. Não confundir conselheiro com “eminência parda”, do tipo que existe no governo.
Contagem – Resultado final ou parcial de uma partida, ou soma de pontos. Quando é necessário aprovar um projeto a favor do povo, nunca dá contagem de parlamentares no Congresso, pois o PDS cai fora.
Contenda – Jogo, partida. Contenda dura será a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte…
Contra-ataque – Ataque repentino de um time que estava na defensiva, assim como o que está sendo desferido pelos partidos de oposição. Vai sair gol!
Contrato – Documento público em que duas ou mais partes assumem compromisso. O contrato que o povo quer é uma nova Constituição.
Controle – Domínio de bola. O time do governo já perdeu o controle da situação, faz muito tempo. Taí a inflação que não me deixa mentir.
Contusão – Lesão física. Não confundir com o “caso Valle”, que é outro tipo de lesão… ao bolso do investidor.
Conversa – Embromação, drible, engano. Ninguém mais vai na conversa de um certo ministro que fixou a inflação em 455… ah, ah, ah!
Converter – Fazer gol, ao cobrar falta ou pênalti. Os partidos de oposição estão cobrando todas as faltas do governo… qualquer hora vão converter.
Convite – Ato de convidar; também defesa que joga mal, que é um verdadeiro convite a tomar gol, assim tipo defesa dos pacotes antiinflacionários
Convocação – Ato de convocar. Aproveitamos o ensejo e convocamos o povo brasileiro a lutar pela realização de eleições diretas para presidente, em 84.

02/12/1980 – Anúncios desclassificados

Precisa-se urgente de:
Um sábio português, dois alemães que não bebam chope, três americanos pacifistas, quatro turcos serventes de pedreiro, cinco japoneses tocadores de cuíca, seis italianos que não falem com as mãos, sete espanhóis a favor de qualquer governo, oito russos que não gostem de vodka, nove sauditas sem dinheiro e um ministro do Planejamento que saiba planejar.

Oferece-se:
Carro importado, tamanho grande, com espaço para seis passageiros ou mais, câmbio hidramático, motor de 280 cavalos, pneus radiais, ar condicionado. Faz 1 quilômetro com apenas 10 litros de gasolina azul. Aceita-se troca por gaiola de passarinho, com ou sem passarinho, a combinar.

Procura-se:
Governador biônico, que pretende tornar-se presidente biônico, procura urgentemente pessoas com cara de gente do povo, para aplaudi-lo em todos os lugares em que for fazer visitas com sua caravana. Devem ser pessoas fortes e com pulmões poderosos, para gritar mais alto que o povo de verdade. Paga-se bem.

Troca-se:
Magnífica cafeteira automática, importada, por um quilo de café. Cortadora de carne elétrica, “made in USA”, por um quilo de filé. Bujão metálico inoxidável para 20 litros de gasolina por um litro da dita. Panela de pressão com pouco uso, por um quilo de feijão preto.

Aluga-se:
Aposentado que só come às 2as, 4as e 6as, aluga dentadura para outro aposentado que coma às 3as, 5as e sábados. Domingos a combinar.

Vende-se:
A Amazônia. Tratar em Brasília.

03/12/1980 – Foi um sonoro ‘não’ à ditadura

Durante anos a ditadura militar tentou dobrar o valoroso povo uruguaio por todos os meios: milhares de pessoas foram presas, torturadas, assassinadas, ou consideradas como “desaparecidas”. Calou-se a imprensa livre, desarticularam-se os sindicatos operários, desapareceram as organizações estudantis…

Durante anos, o País que era considerado uma espécie de “Suíça latino americana” foi sendo subjugado, aniquilado, destruído. O povo tinha de ficar em silêncio para não morrer, muitos fugiram da nação platina e se refugiaram no Brasil ou em outros países da América do Sul, outros partiram para a Europa, em busca de condições de sobrevivência, mas todos tiveram de amargar o medo, o desespero, a miséria, a fome e a revolta que todo regime de força traz.

Tentando imitar Pinochet (AAARRGHH!), o cruel tirano do Chile, o regime de Aparício Mendez fez realizar um plebiscito entre o povo uruguaio, para tentar se perpetuar no poder e legitimar o regime de força imposto pelas “fuerzas armadas”… e entrou pelo cano. Cerca de 60% do povo platino votou pelo não, por um fragoroso, estrondoso e corajoso não às pretensões da ditadura!

Ignoro quais serão as consequências da rejeição das pretensões governistas, não sei quais serão as represálias da Junta Militar contra o povo do Uruguai, mas sei que elas virão. Sei que o nobre povo da antiga “Província Cisplatina” sofrerá ainda mais com esta disposição corajosa, mas sofrerá de pé, dando ao mundo um exemplo de coragem e de dignidade humana.

São coisas desse tipo que fazem com que a gente ainda acredite na viabilidade do ser humano, na possibilidade de sobrevivência da humanidade. Nem todas as forças das trevas, da ignorância, do obscurantismo, da ignomínia, utilizadas por anos e anos contra o povo indefeso e pacífico, conseguiram dobrar a coragem, a fé, o idealismo democrático e a crença no futuro do povo uruguaio.

A mesma coragem com que os franceses enfrentaram os nazistas revela-se agora, na antiga “Banda Oriental do Uruguay”. O povo platino acaba de provar que faz jus ao seu hino nacional, cuja letra, que agora só pode ser cantada em voz baixa, proclama todavia em alto e bom tom: – “Muerte a los tiranos!”

Parabéns, povo uruguaio, por este sonoro não à ditadura!

04/12/1980 – A nova do anedotário político

Contam que um governante por aí, ao subir em um elevador no Rio de Janeiro, deparou com um antigo colega do primário, grande amigo e companheiro de infância, agora relegado à condição de ascensorista… Espantado, o governante perguntou ao amigo o porquê de estar trabalhando em um cargo simples, que não requer habilidade intelectual, embora tivesse sido o melhor aluno da classe.

O amigo explicou que não tivera oportunidade de continuar os estudos e, assim, não pudera conseguir um emprego melhor. Aliás, recebia apenas o salário mínimo naquele cargo. O governante, então, resolveu lhe oferecer um cargo na administração pública e foi logo oferecendo um posto de ministro!

– Ah, doutor, ministro não dá! – Respondeu o amigo – Eu não me sinto capaz de assumir um cargo desses!

– Olhe que o salário é astronômico, hein? – Redarguiu o governante – E ainda ofereço casa e mordomia, com todas as regalias do cargo!

Mas o humilde ascensorista não aceitou. Então o governante resolveu lhe oferecer algo mais modesto: o cargo de presidente de uma autarquia, com excelente salário, ajuda de custo e outras regalias mais.

– Ah, doutor, ainda é muita coisa para mim! – Retrucou o amigo – Quero um cargo mais simples, mais à altura da minha capacidade…

O governante ofereceu, então, um cargo de secretário particular, algo assim para ganhar uns 100.000,00 por mês fora outras mamat… Digo, regalias. Ainda uma vez o ascensorista recusou, por achar que estava abaixo das condições mínimas para exercer o cargo. O governante foi oferecendo cargos inferiores, embora todos ótimos, com salários que iam de Cr$ 80.000,00 e Cr$ 50.000,00, mas o amigo recusava sempre…

– Afinal – disse o governante – que cargo público que você quer? – Ao que o amigo retrucou: – Ah, doutor, algo bem modesto, para ganhar cerca de Cr$ 10.000,00, por aí… Para mim, já é mais do que suficiente!

– Ah, isso não dá! – retrucou o governante – Para ganhar tão pouco é preciso ter curso universitário, prestar concurso público e aguardar vaga!

05/12/1980 – E assim se passou um ano

Parece incrível, mas no último dia 30 completei um ano de atividades no Jornal de Hoje. Durante esse ano tive muitas alegrias e algumas pequenas tristezas com a minha coluna, recebi palavras de apoio de muitos leitores e críticas construtivas de alguns, o que muito agradeço, tanto o apoio como as críticas.

Um leitor me pergunta qual foi a alegria maior… Foi, certamente, o encontro com o maravilhoso público de Campinas. O curioso é que passei minha infância nesta cidade adorável e voltei a residir aqui desde 1971, mas sempre trabalhando para editoras do Rio e de São Paulo. Quando fui trabalhar para a editora do JH foi que me senti realizado inteiramente.

Outra leitora me indaga sobre o que fiz de melhor, em minha própria opinião, nesse período… Eu diria que tudo foi bom, já que o público me aceitou até mesmo quando dei enormes ratas, ou fiz previsões erradas ao apostar na vitória de Jimmy Carter. Mas, se for para destacar alguma coisa, entre erros e acertos, eu destacaria uma paródia que fiz de um poema de Carlos Drummond de Andrade, que se intitula “Poema de Sete faces”, e que é assim:

“Quando eu nasci, um exu torto, desses que vivem na sombra, disse: – Vai, Ivan, ser jornalista na vida.
As casas espiam os homens que correm atrás do dinheiro. O Brasil talvez fosse azul, se não houvesse tantas marmeladas.
A viatura passa cheia de bóias frias, de caras brancas, pretas e amarelas. Por que tanta miséria, meu Deus, pergunta meu coração. Porém é inútil, não me respondem nada.
O homem atrás dos óculos é sério, simples e forte. Quase não conversa, tem poucos, raros amigos, o homem que está atrás dos óculos e do governo.
Meu Deus, por que nos abandonaste, se sabias que o povo não era Deus, se sabias que o povo era fraco?
Mundo, mundo, vasto mundo, se o Delfim se chamasse Raimundo, seria uma rima, não uma solução. Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasta é a nossa inflação.
Eu não devia te dizer, mas esta miséria, essa dívida externa, botam a gente p(*)to da vida como o diabo!”

06/12/1980 – Delfim prometeu e encheu…

Quando foi nomeado ministro da Agricultura, no início do ano passado, o Prof. Antonio Delfim Netto prometeu encher a panela do povo. Depois, ele foi transferido para o Ministério do Planejamento, mas parece não ter se esquecido de sua promessa…

Agora vejam só que delícia: gasolina a Cr$ 51,00 o litro, gás de cozinha a Cr$ 250,00 o botijão de treze quilos, óleo diesel a Cr$ 20,00 o litro, óleo combustível a Cr$ 12,10 o quilo para o tipo ABPF e Cr$ 15,10 para o OBTE (sei lá que diabo é isso). O litro de álcool carburante subiu para Cr$ 27,50, e o querosene de aviação para Cr$ 17,00 para vôos domésticos e Cr$ 21,00 para vôos internacionais. Ah, o querosene lampante irá para Cr$ 20,00 o litro.

E tem mais: isso não vai ficar assim, não, pois daqui um mês vai subir tudo de novo. Delfim garante que em janeiro teremos mais 10% de aumento, no mínimo. Desse modo, o consumidor irá forçosamente consumir menos, diminuindo a nossa conta de petróleo, segundo o ilustre professor-ministro.

Bem, a questão da panela do pobre já não é mais da competência dele, e sim da de seu amigo Amaury Stábile, o famoso homem da sojoada. Há quem diga que a panela do pobre continua cada vez mais vazia, pois esses aumentos constantes de gasolina e outros derivados de petróleo encarecem os meios de transporte e causam uma alta geral dos preços. Mas, conforme o digníssimo senhor ministro do planejamento explicou, isso é apenas um mal necessário…

Vejam bem: com tudo o que está acontecendo, tivemos uma super safra este ano, de soja, milho e outros grãos. Verdade que cerca de 30% da safra se perdeu, por falta de transporte, e outro tanto ficou encalhado, porque os EEUU preferiram comprar farinha de peixe do Japão, a adquirir a soja brasileira, já que o destino dessas compras era mesmo a alimentação do gado norteamericano.

E já que o gado não vai comer a nossa soja, o jeito é tentar forçar o povo brasileiro a comê-la, na feijoada, em lugar da carne, como leite (Bleaghh!) e assim por diante. O povo não tem do que se queixar… O professor Antoninho (como sua digníssima esposa o chama), prometeu encher, e encheu mesmo. Se não foi a panela do povo, deve ter sido outra coisa qualquer. E como encheu!

07/12/1980 – João Quixote e Delfim dela Pança

Num lugar qualquer, cujo nome não quero me lembrar, havia um fidalgo de pavio curto e cavalo baio, chamado João Quixote. Era apaixonado pelos livros de cavalaria e pela donzela Democracia, que certa vez jurou conquistar. Um dia, montado em seu cavalo Complexinante, e acompanhado de seu fiel escudeiro Delfim Pança, saiu em busca de aventuras…

Na verdade, ele pretendia se encontrar com sua amada donzela, mas, no caminho de sua morada deparou com moinhos de vento que, altaneiros, surgiam sobre uma colina, em meio a um campo de soja.

Ao vê-los, João Quixote tomou-os por gigantes opositores e exclamou, apontando-lhes sua lança:

– Vede, fiel escudeiro: aqueles gigantes querem deter minha caminhada rumo à Democracia… Mas eu os derrotarei! – E, assim dizendo, arremeteu contra os moinhos, esporeando seu cavalo.

De nada adiantaram os protestos de Delfim Pança, que tentava avisar ao fidalgo cavaleiro de que aquilo era apenas um conjunto de moinhos… O valente João Quixote galopou contra o maior dos gigantes e, furiosamente, espetou uma de suas pás com a lança…

– Cabrum! – Não deu outra: a pá estava girando, levada pelo vento, e o fidalgo foi arrancado da sela de sua montaria, estatelando-se no chão. O fiel escudeiro correu em seu socorro, erguendo seu amo que estava todo dolorido.

– Maldição! – Exclamou o cavaleiro – Um feiticeiro transformou os gigantes em moinhos de vento, só para me enganar. Mas, quando eu pegar esse feiticeiro, eu o prendo e arrebento! Ele também se opõe a mim!

Nada disse o escudeiro, que limitou-se a carregar o amo de volta à sela de seu cavalo, conduzindo-o à taberna mais próxima, para refazerem ambos as forças. Mas, ao entrarem na taberna, depararam com a donzela tão sonhada, a Democracia, flertando com outro pretendente, que não o valoroso João…

Horas mais tarde, afogando as mágoas em vinho, João Quixote confidenciou ao escudeiro as suas mais recônditas dores, dizendo:

– Sabe de uma coisa, Delfim Pança? Pra mim, essa Democracia também é da oposição… Eu tento conviver com ela, mas isso está cada vez mais difícil!

Nada disse o fiel escudeiro, pois, nessas alturas, já estava de porre.

09/12/1980 – João Goulart, quem diria…

O ex-presidente João Goulart, quem diria, acabou virando nome de Rua em Campinas! Como uma pesquisa do JH mostrou que quase ninguém mais se lembra dele, e as novas gerações nem sabem quem ele foi, darei minha modesta contribuição de testemunha ocular da História e direi aos jovens quem ele foi:

João Belchior Marques Goulart, o “Jango”, afilhado de Getúlio Vargas, foi ministro do Trabalho de 1951 a 1954, tendo se tornado muito querido pelas classes operárias, que o elegeram vice-presidente da República em 1960. Com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, assumiu a presidência graças a uma grande campanha levada a efeito por seu cunhado, Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, a chamada “Campanha da Legalidade”, que garantiu a posse de Goulart, mesmo contra algumas correntes militares que já se opunham a ele.

Todavia, Goulart assumiu o cargo sob o regime parlamentarista, uma espécie de “fórmula mágica” descoberta para acalmar os ânimos, que instituía o cargo de 1º ministro do Brasil e fazia o presidente governar, mas não mandar. Entretanto, o parlamentarismo precisava ser referendado pelo povo, em plebiscito, tendo sido recusado por imensa maioria da população, com um sonoro não.

Assumindo plenamente seus poderes em 1962, Goulart passou a fazer um governo nacionalista, dando apoio aos sindicatos operários, propondo uma reforma agrária, e decretando uma lei que limitava a remessa de lucros para o exterior, de parte das grandes empresas multinacionais que já operavam no Brasil.

Com essa lei, a oposição de facções militares contra ele aumentou, sendo que alguns setores começaram a conspirar contra seu governo. Acusado de tentar uma aliança com comunistas, Goulart passou a sofrer grande ofensiva, agravada por greves, pequenas insurreições de marinheiros e soldados, e uma inflação considerada incrível, de cerca de 80% ao ano… E foi assim que ele foi derrubado do poder no dia 1º de abril de 1964, por um golpe militar que ficaria conhecido como “Revolução de 31 de março”. Morreu no exílio, há 3 anos.

Não creio que João Goulart tivesse se ligado a setores comunistas e, em minha opinião pessoal, foi um nacionalista e um idealista. O mais importante é que foi o último a ser eleito pelo povo, e merece a homenagem que recebeu da Câmara Municipal de Campinas. Como bom gaúcho, ele dizia que “depois que a boiada passa, a poeira abaixa”… E parece que ele tinha razão!

10/12/1980 – Meu querido Papai Noel…

O Natal se aproxima e o Papai Noel já está recebendo inúmeras cartinhas pedindo presentes. Em um furo de reportagem, conseguimos que o bom velhinho nos cedesse algumas delas, que publicamos hoje, omitindo só a assinatura:

“Meu querido Papai Noel,

Agora que eu já aprendeu linguagem de branco, e também malandragem de branco e besteiragem toda de branco, eu resolveu mandar cartinha para você, pedindo um grande presente: que branco para de invadir terra de índio, de levar sarampo pra índio e de ensinar sacanagem pra índio. Eu também pede pra você não esquecer de trazer pilha nova pra gravador, pra índio poder gravar todas mentiras de branco”.

  1. a) …….

“Meu querido Papai Noel,

Eu queria fazer um grande pedido para o senhor: que, em 1981, os políticos da oposição passem todos para a situação, e que os da situação parem de passar para a oposição. Sabe, eu não aguento mais conversar com a oposição, pois está cada dia mais difícil conviver com ela! Olha que eu expludo, esqueço das minha promessas, prendo e arrebento!

  1. a) …….

“Meu querido Papai Noel,

Neste Natal, eu queria um presente muito especial: como acabo de ser empossado em importante cargo e estou ministro, tenho ouvido boatos mal intencionados que afirmam que eu nunca li um livro na minha vida. Assim sendo, aproveito o ensejo para pedir ao senhor um livro de presente, que é para acabar com essas intrigas todas. Ah, sim, não serve “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, porque eu já li um pedaço quando estava na escola”.

  1. a) …….

“Meu querido Papai Noel,

Pelo amor de Deus, faça com que eu encontre petróleo na bacia do Paraná, se não vou ficar desacreditado e minha candidatura a presidente vai pra cucuia!”

  1. a) …….

11/12/1980 – A canção assassinada

Tremenda sacanagem! Em poucos dias, dois compositores maravilhosos deixaram este mundo: Cartola e John Lennon… O primeiro ainda vá, já tinha idade e estava muito doente, mas o segundo, não dá pra entender. John Lennon vendia saúde e era apenas um mês mais velho do que eu.

E tem mais: não acredito que pudesse haver nenhum motivo para alguém desferir cinco tiros no compositor inglês, à queima-roupa e pelas costas. Lennon não era político e só fazia canções maravilhosas. Sei que vão dizer que o assassino de John é um louco, que ele agiu sob o efeito de alguma psicose, mas isso não conforte, não convence, não explica…

O ex-Beatle sempre foi um dos meus compositores estrangeiros preferidos, se não o preferido. Há poucos anos, quando eu usava cabelo mais comprido e óculos redondos, me senti lisonjeado quando muitas vezes fui apontado como sósia de Lennon, embora eu não fizesse nada, propositalmente, para me assemelhar ao compositor, cantor e poeta que fez vibrar toda uma geração.

Com a morte de Lennon não termina apenas o sonho de ver os Beatles reunidos outra vez, termina a produção poética e musical de um talento comparável a Bach, Beethoven e Mozart que, juntamente com Paul McCartney, fez as mais belas canções de nosso tempo.

Lennon já faz parte do passado, do “Yesterday”, e morreu sem ao menos pedir por socorro, “Help”, em uma noite depois de um dia duro, “A Hard Day’s Night”. Mas não quero fazer graça com estas comparações entre sua morte e sua obra… Na verdade estou muito triste. Mas, deixa estar, John Lennon, “Let It Be”, que o mundo jamais esquecerá a sua obra, as suas canções, as suas melodias.

É muito difícil fazer um necrológio de um gênio, não há palavras para definir o que se sente ao saber de tão grande perda para o mundo. A única coisa que posso dizer é que John Lennon não morreu e não morrerá nunca, apenas seu corpo foi destruído estupidamente por cinco balas assassinas. Como derradeira homenagem a esse artista maravilhoso que nos deixou tão cedo, enquanto milhares de nulidades estão a vender saúde, só posso dizer: John Lennon, quero apertar sua mão… “I Want to Hold (shake) Your Hand”!

12/12/1980 – Eu não quero nem saber…

Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar de uma brincadeira que se tornou muito popular há uns 20 anos, que começava sempre com a mesma frase: -“Eu não quero nem saber quem foi…” – e terminava com um trocadilho.

Estudantes, jovens em geral, brincalhões e gozadores em particular, adoravam inventar novas frases desse tipo, sempre muito espirituosas. A coisa evoluiu a ponto de ser gravada uma música de carnaval com esse tema: – “Eu não quero saber…”, cantada pelo palhaço Pimentinha, então muito conhecido.

Naquele tempo, as frases que se tornaram mais conhecidas foram: – “Eu não quero nem saber quem foi que deu talidomida pra mãe do Saci!” – Ou “…que deu pervintin pra coruja!” – Ou “…que envernizou as asas da barata”, “…que espichou o pescoço da girafa”.

Às vezes surgiam frases ainda mais espirituosas, como por exemplo: “Eu não quero nem saber quem foi que expulsou o São Bernardo do Campo!” – Frase que logo foi respondida assim: – “Vai ver que foi u Juiz de Fora!”

Era uma brincadeira inocente, que logo foi esquecida. Todavia, resolvi reativá-la e atualizá-la, para conhecimento das novas gerações. Assim sendo, eu não quero nem saber quem foi…

…que pintou a Casa Branca.
…que deixou a Serra Pelada.
…que acabou com o óleo do Carter.
…que esvaziou a Câmara dos Deputados.
…que não quis se casar com a Ilha Solteira.
…que puxou as orelhas do Cals.
…que deu fim na nossa economia.
…que pichou a Ponte Preta.
…que deixou o Passarinho abrir o bico.

Agora, o que eu quero saber mesmo é quem foi que elevou o preço do feijão para Cr$ 170,00, quem é que vai segurar a nossa inflação, quem vai acabar com as filas do INAMPS, quem vai pagar nossa dívida externa e quem é que vai devolver o País à normalidade democrática. Sem brincadeira!

13/12/1980 – Alô, alô, senhor Delfim

Eu queria mandar um recado para o Professor Antoninho, mas não sabia como. De repente, ouvindo a música “Alô, Alô, Marciano!”, cantada pela Elis Regina, achei o jeito certo. E aí vai a paródia, para ele curtir:

Alô, alô, Delfim Neto,
Olhe o que fez com a sua terra:
Ninguém aguenta a economia de guerra
E essa dívida é uma loucura!
O povo está na maior fissura, por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
A crise tá virando zona:
Cada um por si, todo mundo na lona,
Só você tem mordomia,
A nossa gente tá pedindo alforria por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
A coisa tá ficando ruça:
Muita mutreta, muita bagunça
Gasolina não dá mais pra botar,
Tem sempre um ladrão pra nos roubar, Alá!
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
Veja o que fez com sua terra:
Sem feijão preto, sem rapadura,
O povo está na maior loucura, por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!

E o homem ainda quer distribuir a pobreza! Gente fina é outra coisa, entende?

14/12/1980 – Ser ou estar, eis a questão

“To be, or not to be, that is the question!” – É a fala mais conhecida de Hamlet, príncipe da Dinamarca, na obra de mesmo nome de autoria do imortal teatrólogo inglês William Shakespeare. Traduzida, a frase virou “ser ou não ser, eis a questão”, mas hoje, depois do que ocorreu com o ministro, digo ex-ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portella, que declarou que não era ministro, posto que ministro não nascera, e sim que estava ministro, a frase poderia ser traduzida como “ser ou estar, eis a questão”.

Portella tinha razão, visto que estava ministro e não mais está. E assim constatamos que, mesmo não sabendo se o verbo estar é transitivo ou não, facilmente constatamos que é um verbo transitório…

Assim, é muito mais importante ser do que estar. Por exemplo, tem muita gente que é brasileira, maior, vacinada, e está casada, ou está solteira… e amanhã pode não mais estar. Por outro lado, um sujeito tem muito mais valor quando se diz que “fulano é vivo”, do que quando se diz que “fulano está vivo”.

Isso tudo nos leva a sérias considerações transcendentais sobre a existência e durabilidade das coisas. Assim, eu descobri que:

Sou escritor. O Mal(*)f apenas está governador.
Diaféria é um grande jornalista. Geis(*)l só esteve presidente.
O povo é soberano. Delf(*)m Ne(*)o só está ministro.
John Lennon é imortal. J(*)sé Sarn(*)y só está na academia.
Ludw(*)g pode estar ministro, mas nunca será um intelectual.

Realmente, não é por ter lido um pedaço de um livro, ou por ter sido um bom aluno em matemática, que alguém pode julgar que é alguma coisa… Quando muito, pode estar pensando que é. Agora, outra constatação já não é tão feliz, pois, quando vemos a nossa dívida externa, a nossa inflação, o preço do feijão, o aumento da gasolina, a fome no Nordeste, a taxa de mortalidade infantil, os níveis do Imposto de Renda, a opinião do “homem”, os índices de analfabetismo, etc., concluímos que podemos não ser, mas enquanto durar este regime, certamente estamos todos em maus lençóis.

15/12/1980 – E tome dicionário de futebol

Copa – Taça de metal. O mesmo que caneco, que serve para premiar vencedores de grandes torneios. Se inventassem um torneio de incompetência no Governo, seria difícil dizer qual o ministro que iria ficar com a copa.
Coreia – As gerais de um estádio, significando lugar perigoso, onde sai muita briga. Por falar em Coreia, como ficou o caso de Freguesia do Ó, sem M(*)luf?
Coringa – Jogador que atua em várias posições em um time, assim feito o D(*)lfim, que atua em todas as áreas. Mas como joga mal, pombas!
Corneteiro – Boateiro, indivíduo intrigante, geralmente membro de uma torcida, ou ex-membro da direção de um clube. O Governo nem precisa de corneteiros, pois vai de mal a pior mesmo, e isso não é boato.
Corredor – Jogador veloz. Também espaço para penetração em uma defesa aberta (- polonês): – linha dupla formada por jogadores, para punição recreativa. Em Ribeirão Preto, os estudantes formaram um corredor polonês pro seu M(*)luf passar no meio. Jacaré passou? Nem ele.
Corta-luz – Jogada que ilude o adversário, passando entre ele e a bola. Enquanto os demais partidos fazem um corta-luz, o PMDB vai direto a gol.
Corrupio – Jogada na qual um craque, de posse da bola, gira sobre si mesmo para escapar à marcação contrária. Recomenda-se não falar corrupio perto de um certo governador biônico aí, que ele pode entender corrupto.
Cortar – Interceptar um chute; escapar pelo caminho mais curto; driblar um adversário; excluir um jogador de um time ou seleção. Aliás, na seleção do Ministério, os cortes são cada vez mais frequentes. Quem será o próximo?
Costado – Cada uma das faixas do campo que acompanha as linhas laterais. Cada um dos lados do pé ou do corpo do jogador. As costas de um jogador, também. Agora, as costas do povo têm de ser largas, pra aguentar tanta porrada.
Costela – Osso do tórax. Também designação popular de jogador ou time de rendimento muito irregular. E como tem costela nesse Governo…
Costureiro – Músculo da coxa. Também jogador ou time que troca muitos passes, geralmente sem nenhum efeito. Agora, o erário público anda tão cheio de furos que não há costureiro que resolva…

16/12/1980 – Já dá pra balançar 80

Acho que já dá para iniciar um balanço do ano de 1980, o último de uma década idiota que se iniciou em 1971. O ano já começou engraçado, porque muita gente pensou que era o primeiro ano de uma nova década, e a imprensa escrita e falada (e principalmente televisada) até alardeou isso com grande ênfase. Muitos babacas que comemoraram a entrada da nova década a 31 de dezembro de 1979, será que voltarão a comemorar agora, a 31 de dezembro de 1980, ou nem se darão conta da mancada que deram?

O ano foi marcado pela busca desesperada por novas fontes de energia, pela infeliz eleição de Ronald Re(*)gan nos USA, pela estúpida guerra entre Irã e Iraque, pelas declarações infelizes do D(*)lfim, pela inflação galopante, pela perda de poder do PDS, pelas vaias e manifestações contra o M(*)luf, e principalmente pelo desaparecimento de grandes artistas e alguns políticos, e até ex-tiranos.

Idi Am(*)n foi posto para correr de Uganda, Rheza Pahl(*)v e Somoz(*) morreram no exílio, o último de maneira trágica. Sá Carn(*)iro faleceu em um acidente, desfazendo as ilusões de poder da direita em Portugal, mas nem por isso o mundo ficou melhor…

O duro, mesmo, foi a perda de Vinícius de Moraes, Cartola, John Lennon, e outros grandes artistas. O genial Chico Caruso, cartunista e humorista, foi quem melhor definiu essas grandes perdas, ao escrever: “De repente, não mais que de repente, as rosas não falam e o sonho acabou”.

Mas nem tudo foi desgraça em 1980: o cacique Mário Juruna conseguiu ir para Rotterdam, na Holanda, para defender o seu povo; a abertura democrática continuou, apesar de tudo e de todos; o Papa veio ao Brasil e pregou a justiça social; ganhamos medalhas de ouro nas Olimpíadas de Moscou; Flávia Schilling foi libertada dos cárceres uruguaios; as prisões políticas brasileiras ficaram quase vazias, etc.

1980 nos trouxe mais tristezas do que alegrias, e ainda deixou uma grande indagação, depois dos atentados a bomba contra a OAB, a câmara dos deputados do Rio e a Sunab, retratada pelo funcionário da câmara que sobreviveu, embora bastante mutilado, José Ribamar de Freitas, que perguntou: – “Quem fez isso comigo?” – As investigações nada esclareceram e cumpre ao Governo responder.

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Já leste o meu livro? Quem ainda não leu está convidado a conhecer minha biografia de papai, à sua espera nas melhores livrarias: Marsupial – Comix – Cultura 

A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon 

Visitem também o Sebo Saidenberg, na Amazon. Estou me desfazendo de alguns livros bastante interessantes.

Palavra e Traço – Outubro de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/10/1980 – Nosso destino é pedalar

O Governo, sempre otimista, fala em adotar um racionamento, se a guerra se prolongar. Não será preciso, posto que não haverá derivados de petróleo para todos, postos fecharão por falta de gasolina e óleo, indústrias ficarão parcial ou totalmente paralisadas e faltará comida nos supermercados e feiras livres, por falta de transporte.

Quem tiver um palmo de terra, plante, que o Ivan aqui garante. O negócio é criar galinha, minha gente, ou então comprar alimentos, gasolina, gás de cozinha, etc., no câmbio negro, a partir de janeiro de 1981. Os carros ficarão parados nas garagens e as bicicletas vão triplicar as suas vendas. Pedalando, nosso povo certamente não dirá: – “Oh, que delícia de guerra”…

Eles brigam e nós é que apanhamos… O conflito entre Irã e Iraque vai terminar tragicamente, inclusive para o Brasil, haja vista que nosso Governo está fazendo planos tendo em vista apenas o tempo de duração da guerra e não as suas consequências.

Eu, que não sou ministro do Planejamento, vejo claramente o que vai acontecer num futuro próximo, posto que a minha bola de cristal não está embaçada, ao contrário da do general Gol B. Ry. Mesmo que essa guerra no Oriente Médio termine rapidamente, todas as refinarias de petróleo dos dois países ficaram seriamente avariadas, sendo que nem Irã e nem Iraque poderão exportar petróleo nos próximos seis meses ou mais…

O Governo teve sete anos para tomar providências no sentido de poder substituir o uso do petróleo por outros combustíveis, construir ferrovias eletrificadas, colocar trólebus nas cidades e usar carvão nas indústrias, no lugar de óleo combustível. Mas, os três últimos presidentes militares nada fizeram além de aumentar o preço da gasolina e outros derivados do petróleo, onerando o nosso povo sofrido e causando a maior inflação de todos os tempos. Agora, o fornecimento de petróleo do Brasil ficará reduzido a cerca de 50% e não teremos gasolina, óleo diesel, óleo combustível, gás de cozinha e outros produtos afins, em quantidade suficiente para levar à frente o desenvolvimento do nosso País.

02/10/1980 – Anedotas do Salim

Conta-se que o Salim, não acreditando no IBOPE, que afirmou ser ele o pior governador de todos, saiu disfarçado pelas ruas de São Paulo, fingindo ser pesquisador de opinião pública, munido de um gravador. Logo de cara, topou com autêntico homem do povo, o indivíduo mal vestido e de sapatos furados, provavelmente um privilegiado metalúrgico do ABC…

Ao se identificar como pesquisador, o vale lascou a pergunta, de gravador ligado: – Amigo, o que o senhor acha do Dr. Salim? – ao que o trabalhador respondeu, por sinais, que não estava disposto a responder a essa indagação naquele local. Então o Salim resolveu levar o bom trabalhador para um lugar mais isolado, onde houvesse menos gente e onde pudessem conversar à vontade: a porta de uma igreja.

Repetiu a pergunta, ao que o homem respondeu: – Olha, moço, aqui neste lugar eu não vou falar não… Ainda tem muita gente! – De fato, havia um mendigo pedindo esmolas na escadaria do templo.  Dirigiram se então, o Salim e o operário, para os fundos da igreja, onde havia um cemitério. Repetida a pergunta, o homem do povo ainda assim não quis responder, indicando ao falso pesquisador um casal de namorados que trocava carinhos no local.

Se o problema era testemunhas, o Salim levou o homem para o interior do campo santo, onde não deveria haver ninguém. Assim mesmo, o operário negou se a responder à pergunta, indicando um coveiro que cavava uma sepultura nas proximidades e acrescentando: – Aqui eu não respondo: ainda tem gente escutando!

Já aborrecido, o Salim levou o homem até o local mais ermo do cemitério, onde ninguém, absolutamente ninguém, poderia ouvi-los. – Aqui está bom? – Indagou o Salim – Acho q-que sim… Respondeu, ainda titubeante, o operário, olhando para os lados, com desconfiança.

– Então vamos lá companheiro: diga logo o que o senhor acha do Dr. Salim? – ao que o homem, sempre olhando desconfiado para os lados, respondeu: – P-posso dizer, mesmo? – Pode, aqui não há ninguém! – Redarguiu o Salim. E o homem, meio envergonhado: – E-eu… Eu gosto dele!

03/10/1980 – É pacote ou outro embrulho?

Eu não disse? Em minha coluna do dia 1º eu afirmava: “os três últimos presidentes militares nada fizeram além de aumentar o preço da gasolina e outros derivados do petróleo”… E aí temos a gasolina a Cr$ 45,00 o litro!

Planejar é aumentar preços? E precisa de ministro pra isso? Eis o novo “pacote” de medidas do Governo para fazer frente à guerra entre Irã e Iraque, que cortou em 50% o fornecimento de petróleo ao Brasil: o gás de cozinha subiu 10%, passando o botijão de 13 quilos a custar Cr$ 235,00; o óleo diesel passou para Cr$ 17,30 o litro; o querosene aumentou para Cr$ 15,00 o litro e o combustível teve um reajuste de 20%, assim como a gasolina, passando o tipo BPF para Cr$ 10,00 e o tipo BTE para Cr$ 13,00 o litro.

O álcool para automóveis já havia subido, como medida preliminar, a semana passada, passando para Cr$ 24,00 o litro, mais caro do que muita cachaça tida como “da boa”. E o ministro do planejamento, professor Antonio Delfim Netto, ainda veio com esta: fez um apelo a 23 representantes de associações de redes de supermercados de todo o país para que realizem um esforço adicional sobre os preços de outubro. Traduzindo: ele pediu aos supermercados para manter os preços nos níveis atuais…

Ora isso é inviável na prática. Por mais boa vontade que alguns donos de supermercados tenham, o produto para revenda já chegará aumentado às prateleiras, em virtude do aumento do preço do transporte e da fabricação de muitos alimentos, latarias, etc., já que a maioria das indústrias continua queimando óleo combustível adoidado.

Nenhuma medida de racionamento, nenhum plano a curto prazo para evitar maiores consequências (falta quase total de alimentos nas prateleiras dos supermercados e das bancas das feiras livres) nenhum projeto de incremento das ferrovias, hidrovias, nada de implantação de trólebus nas cidades, nada quanto aumentar a produção de álcool carburante, nem de com substituir o óleo combustível por carvão, nas indústrias. Como eu disse, os três últimos governantes militares só souberam aumentar preços, onerando os já sofrido bolso do povo. Afinal, isso daí é pacote ou é embrulho?

04/10/1980 – Não mais que de repente

De repente, não mais que de repente, o “caso Dallari” mudou de figura: quando até a OAB já perdia totalmente as esperança de conseguir a apuração do caso de agressão violenta sofrida por esse eminente jurista que é o Dr. Dalmo de Abreu Dallari uma carta chegou às mãos de um deputado, parecendo modificar todo esquema que, até o momento, parecia pretender acobertar os autores desse repelente atentado.

O deputado Sérgio dos Santos (PT) foi quem fez a denúncia em plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. Segundo ele, uma carta assinada por um certo “Azambuja” (talvez um codinome), denunciou como um dos autores do atentado um certo “Alemão” (outro codinome) que pertenceria ao Serviço Reservado da Polícia Militar de São Paulo.

O deputado teria conversado com elementos da PM, os quais teriam dito a ele que a carta continha elementos que “correspondiam à verdade”, sendo que a carta contém o timbre reservado do Serviço de Inteligência da PM. O deputado Sérgio dos Santos pretende pedir, num futuro próximo, uma comissão de inquérito para apurar violências eventualmente praticadas por policiais militares.

O autor da carta diz ter acompanhado o desenrolar dos atos de terrorismo em São Paulo e que “o Deops tenta encobrir os responsáveis, porque já sabe que pertencem à PM, uma vez que já foram identificados através de fotografias”. Assim, de acordo com a carta, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, às vésperas de ajudar o Papa João Paulo II a rezar a missa no Campo de Marte, teria sido agredido por membros da própria Polícia Militar!

Gente, a denúncia é muito grave, pois, em qualquer país civilizado, a polícia é um órgão de combate ao crime de garantia ou sossego a que têm direito os cidadãos honestos e trabalhadores. Se isso for verdade (rezo para que não seja) todo o governo do Sr. P. Maluf estará comprometido, direta ou indiretamente, com o caso. Se isso for verdade, ficará comprovado ditado popular que diz que “a polícia foi criada para proteger o povo, mas quem é que protege o povo da polícia?”

05/10/1980 – Anedotário político

Dizem que, numa dessas ditaduras por aí, um estudante estava fugindo da polícia política de “el dictador”, depois de uma manifestação de rua, e caiu num rio. O rapaz afundou, voltou à tona e gritou, apavorado:

– Socorro, não sei nadar! Mas nenhum policial ousou se lançar às águas revoltas para resgatá-lo. O rapaz afundou de novo, tornou a voltar à tona, ainda mais apavorado, e gritou – Socorro! S-socorro! E-eu não sei nadar! – Mas, uma vez mais, nenhum policial ousou tentar retirá-lo do rio…

O rapaz afundou de novo, tornou a conseguir sair à tona e gritou mais uma vez: – S-so-socorro… e-eu não sei…glub!…nadar! Glub-glub! – Mas, não tinha jeito mesmo; nenhum agente da lei ousava pular na água para retirar o infeliz. Foi aí que ele, num último lampejo, saiu pela última vez à tona e, juntando todas as suas forças, bradou: – Abaixo a ditadura!

Pulou todo mundo junto.

***

Contam que Carter, Brejnev e outro presidente de um país aí, morreram ao mesmo tempo e foram bater na porta do céu, claro, pois a vida de Presidente é muito sacrificada. Aí, o senhor recebeu os três que, muito curiosos, queriam saber sobre o futuro de seus respectivos países.

O primeiro a ser atendido foi Carter, que perguntou a Deus: – Senhor, quando é que o meu país vai se transformar numa sociedade mais justa, mais humana, menos materialista? O Senhor respondeu, muito sério: – Ih, meu filho, isso vai demorar pelo menos cinco séculos!

Carter, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…

Então foi a vez de Brejnev, que perguntou a Deus: – Senhor, quando é que meu país vai se tornar uma nação onde todos possam discordar do governo, pensar diferente, fazer oposição? O Senhor respondeu, muito sério: – Ih, meu filho, isso vai demorar pelo menos dez séculos!

Brejnev, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…

Aí, o presidente do tal país aí, chegou para Deus e lascou: – Senhor, quando é que o meu país vai ser um país sério?

O Senhor, muito nervoso, chorou, chorou, chorou…

06/10/1980 – Dicionário do futebol

Cama de gato: falta na qual o jogador simula saltar e, com o corpo, desequilibra o adversário pelas costas.  Na prática, golpe que os políticos da situação costumam aplicar nos da oposição com muita frequência.
Camarote: compartimento privativo nas tribunas. (Assistir de): presenciar um jogo sem preocupação pelo sucesso ou insucesso do mesmo. O D(*)lfim está assistindo à nossa desgraça financeira de camarote.
Cambista: pessoa que vende entradas fora do preço de tabela. Na prática, também gente da “loteria zoológica”, que costuma ir preso, ao contrário dos que bancam a Loteca. A zooteca e outras tecas, que estão sempre numa boa.
Campeão: clube o time vencedor de um torneio; idem, jogador desse time. O seu M(*)luf é campeão entre os campeões de ruindade segundo o Instituto Gallup de opinião pública.
Campo: local onde são realizados os jogos. Na época da greve eu não quero nem saber quem foi que expulsou São Bernardo do campo
Cancha: o local de jogo, o campo. Também experiência. Os operários do ABC têm muita cancha em matéria de correr da polícia.
Caneta: a perna. (Usar a) recorrer à expulsão ou à advertência a um jogador, de parte do juiz. O Governo, quando se sente em inferioridade, costuma usar a caneta contra a oposição.
Canhão: chute muito violento. Também parte de um estribilho que o povo vive usando, embora sem muito sucesso, que é assim: – Mais pão, menos canhão!
Canhoteiro: jogador que chuta de preferência com o pé esquerdo. Na prática, também membro de organização de esquerda, devidamente proscrita.
Canseira: usado na expressão “dar uma canseira”: dar um baile. Quando houver eleição, as oposições vão dar uma canseira no PDS.
Cara: parte central da bola. Na prática, metade do que o povo usa para viver, pois todos sabem que o brasileiro vive só com a cara e a coragem…
Carcará: jogador violento, assim tipo guarda costas de um prefeito aí, que bateu no povo na Freguesia do Ó… Tremendo carcará!

07/10/1980 – Tudo vai bem no INPS

Puxa, que alívio! Como é bom saber que tudo vai bem no INPS… Pelo menos, foi o que fiquei sabendo através de carta que recebi diretamente do ministro Jair Soares, da Previdência e Assistência Social.

Agora eu sei que o mau atendimento que recebi, há cerca de um mês, num posto desse instituto, foi apenas eventual, fruto do mau humor de um funcionário (ou funcionária) que acordou com a pá virada. O mesmo aconteceu com D. Elza Alves Ferreira, moradora aqui na Vila Industrial, a rua Manoel Jorge de Oliveira Rocha, 40. D. Elza é desquitada e, para cuidar de seus filhos, faz transporte de hortaliças (um “trabalho de homem” como ela mesma diz).

Dona Elza, que paga o INPS (ou INAMPS) mensalmente, esteve na sexta feira, ao meio dia, no posto da Av. Campos Salles. Ela precisava entregar apenas uma radiografia de seu filho a um médico, que não estava (por acaso, é claro). Ela precisava esperar e, às 2 da tarde, como já passava da hora de ir trabalhar, D. Elza pediu à funcionária que entregasse ao médico a chapa, quando este chegasse.

A resposta foi agressiva e as duas discutiram. A funcionária deveria estar de mau humor, é evidente. Nada contra o INPS, é claro… A funcionária apenas acha que é normal levar chá de cadeira, segundo declarou a D. Elza. E a funcionária tomou a providência que achava cabível: chamou um guarda que estava de serviço no posto…

Aí o guarda teria dito, sempre segundo a Dona Elza, que “não tem pressa de entregar nada pra médico nenhum. Se alguém morre, é só enterrar!” D. Elza, coitada, chorou e procurou nosso JH, onde declarou que já emagreceu 11 quilos sem saber o motivo, e só não procurou o médico devido ao tratamento e normalmente é dispensado aos dependentes do INPS.

Mas é claro que isso foi apenas uma ocorrência eventual, tal como aquela que aconteceu comigo. Tudo vai muito bem no INPS, no INAMPS, no IAPAS e no SIMPAS, conforme carta que recebi do ministro Jair Soares. D. Elza só não sabe disso porque nunca recebeu carta de tão insigne pessoa. Tudo vai bem, senhora marquesa, digo D. Elza, tudo vai muito bem…

08/10/1980 – Viva o educador maldito

Paulo Freire, o “educador maldito”, foi um dos indivíduos mais injustiçados pelo regime militar implantado no Brasil em 1964. Responsável pelo programa de alfabetização nacional, no tempo do governo legítimo de João Goulart, Freire foi perseguido e banido do Brasil acusado de ser “comunista”.

Na realidade, Paulo Freire é um educador muito competente, que criou um sistema rápido e prático de alfabetização por imagens com textos curtos, que, se ele não tivesse sido banido, teria alfabetizado toda a população do nosso País, nos dias de hoje.

A injustiça foi parcialmente reparada pelo general Figueiredo, quando da concessão de anistia aos exilados políticos, em 1979. Depois de trabalhar no Chile, nos Estados Unidos e na Suíça, Freire esteve envolvido em importantes projetos educacionais na África, particularmente na Guiné Bissau. Agora, podendo voltar ao Brasil, quem diria… Veio parar em Campinas!

Está de parabéns a Unicamp – Universidade de Campinas, por contratar tão eminente educador escritor, autor de “A Pedagogia do Oprimido” e “Cartas da Guiné Bissau”, apesar de setores reacionários tentarem ter obstado essa contratação, inutilmente. Está de parabéns Campinas, por contar com Paulo Freire, o “educador maldito”.

Nosso país precisa de homens dessa cepa, homens bem intencionados, honestos e idealistas, para erradicar o terrível mal que é o analfabetismo. Já é hora de deixarmos os radicalismo de lado, as ideias pré concebidas e as perseguições políticas, para pensarmos na construção de um Brasil grande, com o auxílio de grandes homens aqui nascidos Pelas bênçãos de Deus.

Paulo Freire estará hoje, às 17 horas, na livraria Ler Bem – Rua General Osório, 1157, falando sobre educação. O povo de Campinas deve comparecer em massa para ver de perto esse homem que já virou lenda, cujo único crime, agora anistiado, foi amar os homens e mulheres simples, as crianças do povo e os oprimidos em geral.

Salve Paulo Freire, que nos dá a honra de contarmos com sua presença em Campinas. Proponho que nossa cidade o chame de “educador bendito“. Bem vindo!

09/10/1980 – “Alemão” é negro?

O secretário de Segurança Pública, desembargador Octávio Gonzaga Júnior, confirmou no último dia 2 que o Serviço Reservado da Polícia Militar tem um policial conhecido pelo apelido de “Alemão”, mas adiantou que não vai investigar se ele participou do atentado o jurista Dalmo de Abreu Dallari, “porque esse agente é uma pessoa de cor escura, e a denúncia que o envolve foi feita anonimamente”.

Como se sabe, a denúncia, feita por um certo “Azambuja”, foi recebida por carta pelo Deputado Sérgio dos Santos (PT), que a leu na tribuna da Assembléia Legislativa de São Paulo. O secretário Gonzaga Júnior disse que, em sua opinião, “o destino natural de cartas anônimas deveria ser a lata do lixo…”

Concordamos com o nobre desembargador nesse ponto, e também com a sua opinião de que “essa carta apócrifa poderia ter partido de grupos de agitadores políticos que não estão na ativa Polícia Militar”. Até aí, é perfeitamente possível. Pode haver pessoa (ou pessoas) com interesses escusos, visando denegrir a nossa valorosa corporação.

No entanto, não concordamos com um ponto: quando o senhor desembargador citou “uma pessoa de cor escura”, estaria se referindo a um negro? Prefiro este termo, que indica uma raça, do que termos como “gente de cor”, “patrício”, “mulato” e outros… Seria então o agente “Alemão” um negro?!

Com todo o respeito que tenho pela raça negra e pelo desembargador-secretário, não posso deixar de estranhar essa afirmativa. É a primeira vez, em 40 anos de janela, que ouço falar em um negro com esse apelido… “Alemão”, via de regra, indica um indivíduo claro, louro, de olhos azuis, alto e forte, como soem ser os alemães em geral.

Não teria o digno secretário de Segurança cometido um pequeno equívoco? Como é que pode? Já pensaram: um agente do Serviço Reservado da PM passando pela rua, um negro (provavelmente alto e forte) e alguém chegar para ele gritar: – Ô Alemão como é que é? Tudo joia?

Iam pensar que era gozação, né?

10/10/1980 – Um herói está nascendo

Confesso que nem sempre admirei o prefeito Francisco Amaral. Um homem que chegou ao poder com o apoio do povo teria por obrigação, a meu ver, apoiar este povo em todas as circunstâncias. E, muitas vezes, achei que o Chico vacilava…

Começou por não realizar muitas obras que se esperavam dele, mas ainda havia uma justificativa: Chico tinha uma bomba em suas mãos, uma prefeitura desfalcada, cheia de dívidas e de problemas, fruto de uma péssima e ultra-demagógica administração anterior, do Sr. L. Gonçalves.

Mas, Chico continuou por pedir sucessivos afastamentos do cargo, alegando problemas de saúde; foi se afastando também do MDB, partido que o elegeu, bem como das lideranças políticas oposicionistas de nossa cidade. E assim, Chico foi se desgastando frente à opinião pública.

Parecia faltar-lhe pulso, poder decisório, uma série de coisas que se espera de um homem público, de um administrador. De súbito, Francisco Amaral mostrou-se totalmente diferente da imagem que já se tinha dele, ao decretar o direito de uso, por 10 anos, dos terrenos da municipalidade por parte dos favelados de Campinas.

E, enfrentando todas as ameaças de “impeachment” feitas por um vereador de seu próprio partido, o PP, Chico decidiu-se agora a doar terrenos os desprotegidos da sorte, em caráter definitivo!

Eis aí uma brilhante decisão, que só pode partir de um homem de grande visão, com um coração maior do que o peito. Francisco Amaral, nesse instante, justifica o voto de milhares de Campineiros que o fizeram prefeito. E prova ser uma das poucas exceções neste País, onde um modelo concentrador de renda, instituído nos últimos 16 anos, colocou nas mãos de uns poucos, todo o dinheiro e todos os bens, em detrimento de milhões de abandonados.

Redime-se o Chico de quaisquer erros passados, ao tomar a defesa dos esquecidos, dos humildes, dos desamparados da sorte. Eis que nasce um herói nesta Campinas de tantas glórias: Francisco Amaral, o defensor dos fracos e oprimidos, pobres e favelados.

11/10/1980 – Maluf e as verbas

Greve entre os médicos residentes e alunos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unicamp! Quem sai perdendo, naturalmente, é o povo de Campinas, que não terá atendimento através da Santa Casa, bem como todo o povo da região. E a culpa, segundo os estudantes, é do Sr. P. Maluf, que cortou verbas necessárias à faculdade.

Em passeata realizada pelo centro da cidade, no último dia 8, os estudantes em greve distribuíram uma carta aberta à população, cuja íntegra é a seguinte: “Nós, médicos residentes e alunos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unicamp (Santa Casa e hospital de Barão Geraldo), estamos em greve.

Somos responsáveis por todo o atendimento médico de uma boa parte da população, que não vai ser feito (a não ser os casos de emergência), até que nossos problemas se resolvam. Dessa forma, a população de Campinas e região, que não tem INPS, não será mais atendida durante esse período.

O motivo de tudo isso está na política administrativa do Estado de São Paulo e, infelizmente, apoiada pela reitoria da UNICAMP. Foi negado a universidade o dinheiro necessário para pagamento dos médicos residentes que dão atendimento nos hospitais. Mais uma vez, a universidade sofre com o duro corte de verbas que está sendo imposto pelo Governador Maluf e, dessa vez, sem que nossa reitoria se posicione contra ou a favor.

Para garantir o direito à saúde de nosso povo é o nosso direito à residência, estamos paralisados, contando com o apoio de toda a população”.

A greve dos residentes e alunos é mais do que justa, mas prejudica o povo em geral. É muito triste ver o nosso País caminhar para esse estado de coisas, com verbas de apenas 4% do orçamento da União destinadas à educação e com cortes de verba no âmbito estadual, verbas essas certamente destinadas à mudança da Capital e outros projetos “prioritários”.

Entre outros refrões, ouvi um grupo de estudantes gritar, em pleno Largo do Rosário, no último dia 8: – Puf, puf, puf!! Assim não dá, seu Maluf!” – Além do já tradicional: – “1, 2, 3, Maluf no xadrez”.

12/10/1980 – Anedotas do Salim

Dizem que o Salim, numa dessas incursões pelo interior feitas pela famosa “Caravana da Alegria”, chegou a uma cidadezinha e, todo cheio de pose, se pôs a discursar, negando acusações que estavam sendo feitas contra ele na Capital, de desvios de verbas, malversação dos dinheiros públicos, etc.

Subindo ao palanque, ao lado do prefeito, de toda a sua comitiva e de seus muitos guarda costas, mandou esta: – Eu sou pela honestidade! Eu sou a própria honestidade em pessoa! – e o povo quieto, só escutando. Aí, o Salim se entusiasmou e lascou mais esta: – É tudo intriga! Eu sou um homem honestíssimo! – E o povo, quieto. Aí ele achou que já era dono da situação e, batendo no peito, bem acima do bolso esquerdo do paletó, bradou: – Neste bolso nunca entrou dinheiro que não fosse ganho honestamente!

Foi então que, lá no fundo, do meio da multidão, um caipira magrinho e com cara de fome gritou: – Aí em doutor, de paletó novo!

Outra da “Caravana da Alegria”: dizem que o Salim chegou, com sua enorme comitiva e seus muitos guarda costas, em outra cidadezinha do interior, cansado paca, mas tendo de fazer mais discursos. Era a quinta ou sexta cidade que ele visitava naquele dia e o Salim, entre um bocejo e outro, lascou:

– Povo de Tucururí – Epa! – gritou um assessor. E, aproximando-se do Salim, segredou: – não é Tucururí, excelência…

E o Salim, mais do que depressa: – Povo de Taquarará e o assessor, já meio nervoso, sempre cochichando: – não é Taquarará excelência.

Pigarreando, já meio sem graça, franzindo a testa, ele pensou um pouco e mandou lá: Povo de… de Tocororó! – Apavorado, o assessor cochicha de novo: – Também não é Tocororó, excelência!

E o Salim, já p(*)to da vida: – E como é que eu vou saber a diferença? Em todo lugar que eu vou, o povo gritou mesmo refrão: – Um, dois, três, Salim no xadrez!

Dizem que, na “Caravana da Alegria”, se gritar pega ladrão não fica um meu irmão…

13/10/1980 – Dicionário do futebol

Careca – campo sem grama; jogo sem entusiasmo. Na prática, o povo está careca de saber que, no jogo do governo, ele não tem vez.
Carimbar – Atingir com a bola, violentamente. (A faixa): derrotar equipe que acaba de sagrar campeã. A equipe do M(*)luf é campeã indiscutível de ruindade, e essa faixa ninguém carimba!
Carnaval – (Fazer um): dominar amplamente o jogo. O pMDB, nas eleições de 1982. vai fazer um carnaval
Carniceiro – Jogador violento e brutal. Na Freguesia do Ó, os carniceiros transformaram os populares em “fregueses do Ai!”
Carnificina – Jogo violento, pancadaria. (Ver o conceito acima).
Caroço – A bola; também contusão, hematoma, calombo. (Também o que sobra para o povo, em decorrência dos dois conceitos acima).
Carrapato – Defensor que marca o adversário de perto, não se afastando dele um só instante. O povo está atento ao que o M(*)luf faz, feito carrapato, só para ver qual vai ser a próxima sacanagem…
Carrinho – Forma de desarmar o adversário, na qual o jogador se atira ao solo e desliza parcialmente deitado. Na prática, forma de correr dos carniceiros da Freguesia do Ó, e única maneira de escapar inteiro.
Cartão – Pedaço retangular de cartolina colorida, que o juiz exibir para os jogadores, para indicar um tipo de punição. (Amarelo): advertência; (Vermelho): expulsão de Campo. Do jeito que as coisas vão mal, logo vai ter ministro da área econômica levando cartão vermelho.
Cartar – Jactar-se, vangloriar-se sem motivo. Pois é, os ministros referidos estão cartando muito, mas estão perdendo o cartaz.
Carregador de piano – Jogador que assume toda responsabilidade da partida nos ombros. O povo é um autêntico carregador de piano, f… e mal pago.
Cartola – Denominação irônica aplicada dirigentes de clubes ou entidades. Na prática, político do Governo que vai pras “Oropas”, na maior mordomia.
Cartucho – Investida, ataque, oportunidade. (Os últimos): as derradeiras chances. Na luta contra a inflação, o Governo está queimando os últimos…

14/10/1980 – Cantinho de poesia

Continuando a cultuar as musas do Parnaso, vamos apresentar uma paródia de “A Serra do Rola Moça”, do imortal Mário de Andrade (1893 – 1945), AUTOR DE “Macunaíma” e de muitos livros de poesia.

A paródia se chama…

O Preço da Gasolina

O preço da gasolina /Não era tão alto, não…
Ela vinha do outro lado, /Do outro lado do mar. /E os homens andavam de carro, /Em vez de bicicleta e cavalo.
Antes que chegasse a guerra, /Ela nunca iria faltar, /Dizendo adeus para todos… /Ela chegava certinho, /E os homens andavam de carro, /Em vez de bicicleta e cavalo.
Motoristas andavam felizes, /Na altura, tudo era paz… Pelas estradas do mundo, /Carros na frente e atrás. /E riam, como eles riam! /Riam até sem razão. O preço da gasolina /Não era tão alto, não.
Os estrondos rubos da guerra /Rapidamente surgiram, /E apressados nos seguiram, /Nos carros e nos caminhões, /Avisando da noite que vinha.
Porém, os governantes continuavam, /Cada qual no seu cavalo, /E riam, como eles riam! /E os risos também rolavam /Pelas estradas de cascalhos. /E os preços, devagarinho, De repente se soltavam, caindo no despenhadeiro.
Ah, fortuna inviolável! /Ninguém tomou providências: /O custo de vida deu um salto, /Precipitado no abismo… /Nenhuma explicação se escutou. /Fez-se um silêncio de morte, /Na altura, mais nada era paz… /O jeito é andar de cavalo, /Pois, no vão do despenhadeiro, /O custo de vida despencou.
E o preço da gasolina /De repente se elevou.

15/10/1980 – Cantigas de roda

Em homenagem à recém-finda “Semana da Criança”, apresentamos velhas cantigas de roda, com novas letras, é claro:

M(*)luf brigou com o povo, /No alto da Freguesia, /O povo saiu ferido, /M(*)luf ainda se ria…
O povo vive doente, M(*)luf vive a folgar; /Mas, quando tiver eleição, /M(*)luf é quem vai chorar!

Cai, cai, gordão, / Cai, cai, gordão, /Por causa da inflação…
– Caio não, caio não, caio não, /Tou com tudo em minha mão!

Bicho inflação, /Sai de cima do meu ordenado,
Diga pro D(*)lfim /Deixar meu bolso sossegado.

Tutu que eu ganhar, /Você quer papar…
Mas hei de ver o dia /Em que você vai se estrepar!

Que é da minha comida? /O que, o que, o que?
Que é da minha comida? /O que se vai fazer?
Tirando um ministro, /O que, o que, o que?
Tirando um ministro, /O que vai acontecer?
Tirando dois ministros, /O que, o que, o que?
Tirando dois ministros, /É que eu quero ver…
Tirando três ministros, /O que, o que, o que?
Tirando três ministros, /O povo vai comer…

Dizei senhor presidente, /Se a vida vai “melhorá”
Só para o filho do conde, /Ou pra nação em “gerá”?

A abertura que tu me deste /Era pouca e se acabou,
A inflação, que tu detinhas, /Já faz tempo que estourou!

Se o mandato, se o mandato fosse meu, /Não deixava, não deixava prorrogar, /Pois o povo está cansado de mamatas, /E nas urnas o seu voto quer botar.

Palma, palma, palma, /Pé, pé, pé,
Roda, roda, rosa, /E a eleição, /Como é que é?!

16/10/1980 – Pode mandar brasa!

O pMDB realizou, em todo o país, a eleição de comissões executivas e diretórios, aproveitando o ensejo para tornar público o seu programa básico. Em resumo, o programa é o seguinte: 1 -“O compromisso fundamental do pMDB é com a democracia”. 2 – “O pMDB será a expressão política da maioria da população brasileira”. 3 – “O pMDB defenderá, intransigentemente, o interesse nacional”. 4 – “As camadas populares devem participar ativamente da vida partidária”. 5 – “O pMDB, dentro dos limites de sua linha programática, assegurará a seus filiados liberdade de atuação no âmbito de suas atividades profissionais e de sua inserção dos movimentos de massa”. 6 – “Como partido democrático, o pMDB reconhece a legitimidade de eventuais divergências entre seus membros e da existência de correntes de opinião”. 7 – “O pMDB considera que o trabalho é o fundamento da riqueza coletiva”. 8 – “Para o Partido tanto as empresas de propriedade estatal, quanto as de propriedade privada deverão pautar suas decisões de produção e gestão segundo o interesse público”. 9 – “O pMDB considera que a democratização do sistema de produção requer a democratização interna das grandes empresas, públicas ou privadas, com a participação dos trabalhadores e dos acionistas e cotistas minoritários, em seus processos decisórios”. 10 – “O pMDB moverá implacável combate contra a corrupção”. 11 – “O pMDB é um partido genuinamente brasileiro e popular. Fundado nesses princípios, o pMDB apresenta as diretrizes para a construção de uma democracia que compatibilize desenvolvimento, liberdade, igualdade e justiça social”.

Além disso, em seu programa, o Partido defende os direitos dos trabalhadores, dos sindicatos, da mulher, do negro, do índio, dos jovens, dos menores, dos analfabetos e de todos os setores marginalizados pela atual conjuntura social. Prega melhor distribuição de renda, reforma tributária, solução para as dívidas interna e externa, reforma do sistema bancário, solução para a questão energética, para o capital estrangeiro, para as pequenas e médias empresas, para a estrutura agrária e desigualdades regionais.

Gostei do programa. É isso daí pessoal: pode mandar brasa!

(Nota da filha: pois é, PMDB… Quem te viu, quem te vê… Esse partido foi a pior decepção de qualquer cidadão democrata brasileiro nos últimos 30 anos. Ainda bem que meu pai faleceu antes de ver no que essa gente se tornou. E eu sincera e humildemente peço desculpas aos leitores deste blog por toda a “rasgação de seda” de meu pai para essa gente, mas, naqueles tempos, quem poderia adivinhar?)

17/10/1980 – O sequestro tudo bem

O Brasil precisa entender uma coisa: há sequestros e sequestros…  Explicando melhor: sequestro – sm.Jur. – é (de acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira) – “1 – Apreensão judicial de bem litigioso, para assegurar a entrega, oportunamente, à pessoa a quem se reconheça que ele deve tocar. 2 –  o crime de reter ilegalmente alguém, privando-o da liberdade”.

Assim, sequestros legais e ilegais. Um amigo meu, admirador do governo, estava me explicando isso, há dias, a respeito do desvio pra Brasília de um avião da Varig, em voo internacional que deveria ser direto dos Estados Unidos para o Rio de Janeiro.

Esse desvio aconteceu porque o ministro Ernane Galvêas estava a bordo do avião, e ele não podia perder a partida para o Chile, em outro voo, especial.

Vejam bem a argumentação do meu amigo: esse desvio, que está sendo considerado como “sequestro” por setores políticos nacionais, foi perfeitamente legal, pois o ministro Galvêas jamais poderia perder o voo para o Chile, onde, em companhia do presidente-general Figueiredo e outros ministros, iria fazer uma visita de Cortesia ao país amigo, e ao “muy amigo” general Pinochet.

Notem que o ministro não usou armas de fogo, armas brancas ou granadas, como antes faziam os terroristas, para desviar o voo. Uso apenas o seu prestígio, seu cargo, sua autoridade, para desviar o avião para Brasília; assim, os demais passageiros, que sofreram um atraso de cerca de 3 horas na sua chegada ao Rio, deveriam ter maior compreensão, maior visão política, menos pressa e mais amor ao Brasil. Patriotismo, minha gente!

É evidente que os familiares dos passageiros, que estavam no Aeroporto Internacional do Galeão, ficaram muito preocupados com a demora, chegando a pensar na ocorrência de um acidente fatal… Mas, eles também (segundo o meu amigo) deveriam entender a premência da viagem a Brasília, da visita ao país amigo e ao “muy amigo” general Pinochet.

Assim, vejam bem: há sequestros e sequestros. Sequestro ilegal, mesmo, só aquele feito pelos terroristas de esquerda pela força das armas. Para o ministro, tudo; para os terroristas, a Lei!

P.S. – O desvio de rota também nos custou apenas 2000 litros de combustível.

18/10/1980 – Maluf depõe contra

O governador P. Maluf prestou depoimento contra o vereador Sampaio Dória, do PP, em processo que move contra o mesmo, na 19ª Vara Criminal de São Paulo. Em depoimento ao juiz Jarbas Mazzoni, afirmou que se sentiu profundamente ofendido com as expressões “delinquente do Palácio” e “crápula”, que teriam sido usadas pelo vereador, referindo-se a ele.

O governador informou que essas expressões constam de notas taquigráficas de discurso do vereador, a respeito de violências praticadas na Freguesia do Ó, em São Paulo. Por gozar de foro especial, o sr. P. Maluf foi ouvido no próprio Palácio dos Bandeirantes.

Durante seu depoimento, os advogados de defesa, sr. José Carlos Dias e sr. Zé Roberto Leal, perguntaram sobre vários aspectos do caso. O governador negou conhecer o major Carlos Carvalho, o “Taturana”, ou outro membro do SR (Serviço Reservado da PM), mas observou que as violências aconteceram por causa de “faixas ofensivas ao governo e palavras de baixo calão”.

Entretanto, acrescentou que “não pode citar nomes de admiradores” que participaram das violências contra o povo ao defendê-lo, “por estar despachando em local afastado do conflito”.

É por isso que admiro tanto o sr. P. Maluf: ele deveria ganhar o prêmio de “homem de visão” do ano! Notem que o homem é tão iluminado, que chega a ser clarividente. Vejam bem: ele estava despachando em local afastado do conflito, mas sabe que esse aconteceu em virtude da existência de faixas ofensivas ao governo, bem como de termos de baixo calão gritados pelo povo!

Por outro lado, ele desconhece o “Taturana”, ou qualquer outro membro do SR da PM, Mas sabe que os indivíduos que agrediram o povo são seus “admiradores”! E que só fizeram isso no intuito de “defendê-lo”!

Como vemos, a bola de cristal do sr. P. Maluf não está nem um pouco embaçada, ao contrário da do sr Golbery. O sr. P. Maluf é um preclaro iluminado, um vidente, um homem que enxerga mais longe que os homens comuns, aquele que tudo sabe, tudo vê, tudo conhece, mesmo sem estar presente aos acontecimentos, despachando. Prêmio para ele!

19/10/1980 – Muito obrigado, Maluf! (não precisava tanto)

“A verba que o governo do estado pretende destinar à Unicamp, no próximo ano, para a conclusão de suas obras (incluindo Hospital das Clínicas), dará apenas para comprar 5 sacos de cimento”. A informação foi prestada anteontem (16/10) pelo presidente da Comissão de orçamento da Universidade Estadual de Campinas, Eduardo Chaves.

Segundo ele, serão destinados à Unicamp apenas Cr$ 1.000,00, simbolicamente, a título de conclusão de obras. O orçamento total da Universidade prevê gastos da ordem de Cr$ 3,6 bilhões. Isso significa que caiu em 100%, de 79 para 80.

Olha aí, minha gente, deu no jornal (e não foi a garota sapeca em que todos vocês estão pensando, como diz o Roberto Godoy)…  O sr. P. Maluf pretende dar à Unicamp a incrível verba de Cr$ 1.000,00! Mas é muita generosidade da parte dele! Para maior clareza, vou repetir a importância por extenso: um mil cruzeiros.

Como o povo de Campinas deve saber, a Unicamp é um dos maiores centros de estudos da América Latina, empregando 1.300 professores e 2.500 funcionários, contando com educadores como Paulo Freire e cientistas como César Lattes. Para manter seu ritmo normal de trabalho, a Unicamp precisaria de Cr$ 6,4 bilhões no próximo ano. Mas, ao que tudo indica, o ensino gratuito não é precisamente a meta do Governo do sr. P. Maluf…

É por essas e por outras que os estudantes universitários em cantando paródias de músicas para o governador, do tipo desta que vamos transcrever agora:

“O ensino pago não dá para encarar
E um rio de lágrimas o povo vai chorar,
Que nasce da vontade que você tem de malufar,
Que nasce da vontade que você tem de malufar!”

Sinceramente, “malufar” é um neologismo que foge à minha compreensão, mas creio que, com isso, os estudantes desejam agradecer a generosidade do Governador. Obrigado, Maluf!

20/10/1980 – Dicionário de Futebol

Casa: O campo, a localidade ou o país de um time; (da viúva): o gol; (do chapéu): confins do mundo; (do ladrão): Palácio do salim.
Casar: Combinar, apostar. Estou casando uma nota preta no time do pMDB.
Castigo: Derrota clamorosa, assim do tipo que o PDS vai levar em 1982.
Catar: perseguir o adversário vioolentamente; defender a bola (o goleiro); (cavaco): cair de quatro, ficar na posição “em que Napoleão perdeu a guerra”. Quem vai ficar catando cavaco é a liderança do PDS…
Catenácio: Cadeado, ferrolho, retranca. Na prática, Lei de Segurança Nacional, catenácio que só é acionado contra líderes da oposição.
Catimba: Uso de recursos desleais para tetardar ou tumultuar uma partida. O PDS usou de catimba para adiar as eleições, mas vai se dar mal…
Catimbeiro: Aquele que usa da catimba, assim tipo A(*)i Ac(*)el.
Cavadinha: Jogada da extrema para o interior da área. Na prática, pedido de emprego nos altos escalões do Governo. Cavadinha de ouro!
Cavalo: Jogador violento, duro. Também “admirador” do Salim na Freguesia do Ó.
Cego: Mau jogador; juiz incompetente. O Governo, diante da miséria do povo, dá uma de cego. Mas, em terra de cego, quem tem um olho é caolho.
Ceguinha: A perna que o jogador não sabe osar para chutar a bola. O mesmo que “perna boba”, que não sabe onde vai. Um “admirador” do Salim disse que um popular agrediu sua perna com a barriga. Êta perninha boba…
Centerarfe: Centro-médio. Do inglês “center half””. Centerarfe e centrefór costumam ser, também, termos usados por políticos semianalfabetos deste interior de Deus, geralmente do PDS.
Centro: Meio do campo; ato de centrar a bola; local onde baixam espíritos. Tem muita gente torcendo pro Salim cair fora e baixar noutro centro
Cera: Expediente lícito ou ilícito para ganhar tempo. Não adianta fazer cera,  time do PDS, que o resultado do jogo vai ser adverso mesmo.
Cerca: Limites do campo; (ficar na): ficar na reserva. Quem está no time do governo, hoje, pode ficar na cerca daqui dois anos.
Cerca-Lourenço: Jogo sem objetividade, assim tipo planejamento do D(*)lfim.

21/10/1980 – Anedotas do Salim

Contam que o Salim morreu e foi bater na porta do céu, pedindo a São Pedro para entrar. São Pedro mandou o Salim esperar um pouco e foi consultar os arquivos sobre ele. Consultou, consultou, voltou e disse ao Salim: – Olha aqui, distinto, não vai dar pé, não. Consultamos a sua ficha e verificamos que você só sacaneou o povo, a vida inteira.

Mas o Salim era muito persistente e ficou aborrecendo o santo, afirmando que, certa vez, em 1940, tinha dado uma esmola de 500 mil réis a um mendigo. Tinha praticado uma boa ação e, portanto, merecia uma chance de entrar no reino dos céus.

São Pedro voltou a consultar os arquivos e descobriu que era verdade! Estranhamente, o Salim, quando menino, tinha mesmo dado uma esmola! E agora? Era necessário consultar o Senhor a respeito…

São Pedro pediu uma audiência com o Senhor e expôs o caso. Muito calmo e paciente (como sempre), o Senhor perguntou: – Qual foi a boa ação que o Salim praticou, afinal?

E São Pedro respondeu: – Ah, Senhor… Em 1940 ele deu uma esmola de 500 mil réis para um mendigo. E, por isto, insiste em entrar no céu!

O Senhor deu uma pensadinha, cofiou as longas barbas, apalpou seu próprio peito, achou uma moeda e, iluminado, retrucou: – Toma. Devolve a esmola dele com juros e correção e manda esse desgraçado para o inferno!

Esta outra é da “Caravana da Alegria”. Com mais de 500 acompanhantes, o Salim chegou numa cidadezinha do interior, subiu ao palanque ao lado do prefeito local e começou a discursar:

Povo de Xurucucu da Serra! Em meu governo, atendendo à política do nosso amado Presidente, estamos dando ênfase à agricultura! Vamos todos plantar para que, no próximo ano, todos daqui tenham uma mesa farta! Eu quero ver fartura nesta cidade, muita fartura!

E aí o prefeito, que era do partido do governo, quis ajudar o Salim e emendou: – Num pricisa, dotô! Fartura nóis já tem… Farta feijão, farta arroz, farta tudo!

22/10/1980 – O Salim no Palácio

Deve ter sido alguma coisa que eu não comi… A noite passada eu sonhei que o Maluf era presidente! Ou terá sido por causa do infeliz pronunciamento do Abi Ackel no último sábado? Sei lá, só sei que foi um sonho medonho, daqueles em que a gente rola na cama, se mija todo, feito o sonho daquela música da Elba Ramalho…

Maluf era o presidente; e, logo na posse, ele declarava: – “Juro fazer deste país uma democracia!” – E, para tanto, como primeiro ato, assinava um decreto transferindo a capital de Brasília para Malfópolis!

Sob vivas e aclamações do único partido existente legalmente, o PDS (Partido do Salim), Maluf anunciava alguns nomes do seu ministério: Delfim Neto no Planejamento, Abi-Ackel na Justiça, Ernane Galvêas na Fazenda, César Cals nas Minas e Energia, etc., numa renovação total dos quadros.

Sua medida seguinte foi conter a inflação por decreto, limitando-a em 798% ao ano; bem como tabelar o preço do litro de gasolina, prometendo que não passaria de Cr$ 5.897,00 em 1986.

Pensando no grave problema do ensino gratuito, Maluf decretava uma verba extra para a Unicamp, no valor de Cr$ 1.000,00 (um mil cruzeiros), verba esta considerada indispensável para a sobrevivência dessa universidade. Outrossim, também por decreto, extinguia o Instituto Gallup de Opinião Pública por divulgar dados errôneos sobre a opinião do povo a respeito dele.

Prometia anistia para todos, menos para os adversários políticos, bem como propunha realizar a “nova abertura” e a reforma partidária, criando em vez de um partido único, o PDS-1 e o PDS-2, o primeiro a favor do Governo e o outro nem contra nem a favor, muito pelo contrário.

Decretava que o povo brasileiro era o mais feliz do mundo e que a seleção, mesmo eliminada em 1984, era tetracampeã do mundial de futebol; criava um novo dístico patriótico, muito original: “Brasil, ame-o ou deixe-o e depois tinha de emitir 130 milhões de passaportes…

E mais não sei contar porque, nessas alturas, cai da cama todo molhado com 42 graus de febre e gritando: – “Maluf, eu juro, não sonho mais!”

23/10/1980 – Abaixo o estatuto

Nos dias 7, 8 e 10 de agosto último, quando da aprovação do “Estatuto dos Estrangeiros”, escrevi três colunas com os títulos de: “Somos todos estrangeiros”, “O abominável estatuto” e “O estatuto cheira mal”. Nessa ocasião eu afirmava que o tal estatuto era uma forma de calar dos religiosos do Brasil, em sua maioria estrangeiros, particularmente os sacerdotes da Igreja Católica.

Depois de falar do problema dos refugiados políticos, eu dizia, textualmente, no dia 10: – “Além desses infelizes refugiados políticos, ainda temos muitos padres e bispos estrangeiros no Brasil que tem trabalhado em favor do povo sofrido de nosso País. Se esses religiosos não se calarem, serão todos expulsos, dando fim ao seu longo e árduo trabalho em favor das camadas populares de nossa população, justamente os mais carentes e vítimas das maiores injustiças e arbitrariedades”.

Como todos podem ver, minha bola de cristal não está embaçada, como a do Gal. Golbery; o que eu previa se concretizou, no caso do padre Vito Miracapillo, que se recusou a rezar uma missa de “ação de graças” por ocasião do Dia da Independência, por considerar “não existir a efetiva independência do povo”. A expulsão foi decretada pelo Presidente da República e suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, a quem coube agora a decisão definitiva sobre o caso.

Mas a quem interessava essa expulsão? O ministro Abi Ackel, da Justiça, encaminhou ao chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, no dia 21, general Danilo Venturini, e ao Conselho de Segurança Nacional, a denúncia de que a concretização da expulsão do padre Vito Miracapillo marcará o início de uma onda de violência na Zona da Mata de Pernambuco, patrocinada pela direita radical. Como se nota, o caso do padre de Ribeirão (PE), ainda vai dar muito pano para manga… Como eu dizia, no dia 10/8, “É mister de que o próprio Governo revogue a lei recentemente aprovada por decurso de prazo… General Figueiredo, revogue o “Estatuto dos Estrangeiros” ou estaremos dispostos à vergonha perante todas as nações civilizadas do mundo”.

24/10/1980 – Ainda a expulsão do padre

O episódio da expulsão do padre Vito Miracapillo, pároco de Ribeirão (PE), que se recusou a rezar a missa de “ação de graças” no Dia da Independência, por considerar “não existie efetiva independência do povo”, expulsão essa agora sustada palo Supremo Tribunal Federal, até que seja julgado o pedido de “habeas corpus”, confirmando a liminar concedida pelo ministro Djacir falcão só vem a demonstrar que o “Estatuto dos Estrangeiros”, recentemente aprovado, é uma faca de dois gumes.

A verdade é que a expulsão (ou a tentativa de) do padre foi devida à sua atuação frente à sua paróquia, situada na Zona da Mata do Estado de Pernambuco, e não à sua negativa de rezar uma missa. O padre Vito vinha se mostrando um ingente defensor do povo oprimido, dos lavradores sem terras, dos espoliados do Nordeste. E ninguém é obrigado a rezar missas, no Brasil…

O deputado Marcos Cunha (pMDB-PE), entregou uma série de documentos ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, demonstrando que existe um plano de mobilização da extrema direita nessa região da Zona da Mata, liderado por usineiros e grandes proprietários de terras, acrescentando que já existem armas e munição para venda na região.

O ministro encaminhou os documentos diretamente ao Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Danilo Venturini, e ao Conselho de Segurança Nacional, dizendo: – “Nunca chegaram a mim provas tão articuladas como estas, sobre o que está acontecendo na Zona da Mata, em Pernambuco”. Outrossim, fatos graves atestam a existência de um grupo de extrema direita na região, como o as invasão da igreja de Ribeirão, na missa de desagravo ao padre Vito, que teria sido comandada pelo presidente da Associação de Fornecedores de Cana de Pernambuco, segundo o deputado Marcos Cunha, sendo que esse presidente é o sr. Antonio Celso Cavalcanti, primo do ex-governador Moura Cavalcanti. Também participaram da invasão o empresário Pedro Ernesto e o funcionário da Secretaria da Agricultura, Claudio Pedrosa.

Urge ao ministro da Justiça, além de lançar candidatos à Presidência em São Paulo, coibir esses atentados da extrema direita no Nordeste.

25/01/80 – Vlado, muito obrigado!

Há cinco anos, no dia 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog, nosso amigo e colega “Vlado”, era encontrado morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, após uma sessão de “interrogatórios”. O laudo médico, assinado pelo legista Harry Shibata, dava como “causa mortis” o suicídio por asfixia mecânica, ou estrangulamento.

Agora, no último dia 22, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo cassou o registro profissional desse médico (ex-médico, se a decisão for confirmada pelo Conselho Federal de Medicina), cujo trabalho, como legista do IML, ao assinar autópsias, nos casos de “suicídio”, sem nem mesmo ver o corpo da vítima, foi considerado aético pelo CRM.

Há exatamente dois anos, a União foi responsabilizada pela morte de “Vlado”, numa sentença histórica assinada pelo juiz Márcio José de Moraes. Ainda que não tenha sido possível provar inteiramente que Herzog foi assassinado, ficou provada a culpa da União na morte de um detido que estava, teoricamente, sob a guarda dos serviços de segurança dessa mesma União.

A morte de “Vlado”, que já virou até livro e peça teatral, ainda vai dar muito o que falar, pois novas provas poderão surgir, no seu devido tempo, para confirmar aquilo em que acreditamos: que Vladimir Herzog não se suicidou na prisão, mesmo porque não havia como fazê-lo.

O que ocorreu com Vladimir poderia ter ocorrido com qualquer um de nós, perticularmente com os que pertencem à nobre classe dos jornalistas profissionais, sempre combatidos por suas ideias liberais e, na maioria das vezes, pelos seus ideais democráticos. A morte de Vlado foi um momento marcante da nossa História, que muito contribuiu para o fim das torturas nas prisões políticas, para o término do AI-5, do arbítrio, para a “abertura” e outras pequenas melhoras que estamos agora presenciando.

Nada mais podendo fazer para homenagear Vladimir Herzog, por ocasião do quinto aniversário de sua morte, só posso agradecer a essa heróico jornalisata a dádiva de sua vida, para que todos nós pudessemos viver melhor. Muito obrigado, “Vlado”! Shalom!

26/10/1980 – Já está pra lá de bagdá

Essa guerra já está pra lá de Bagdá! Depois de um mês e lá vai pedrada de hostilidades, a guerra Irã x Iraque chegou a um impasse. A princípio, parecia que o Iraque iria obter uma vitória rápida, já que o exército do Irã, perto do Iraque, era de araque…

Mas, não. O Iraque mudou sua ofensiva para a região fronteiriça de Shatt-Al-Arab, lutando para tomar cidades já sitiadas como Abadã e Khorramshar, lutando nas ruas, tomando casa por casa, como se fosse primordial tomar a região do canal. Essa briga por Shatt-Al-Arab já chateou todo mundo.

A disputa Irã x Iraque parece não levar a nada, só servindo para destruir poços de petróleo, refinarias e oleodutos. Quero ver quando acabar o ouro negro. No mínimo, as coisas vão ficar pretas…

O caso dos reféns norte americanos, cujo sequestro já dura um ano, não teve ainda uma solução, apesar da guerra. Ele já começa a faltar o óleo em todo o mundo. Nos EEUU, pode faltar até o óleo para o Carter.

Os soviéticos limitaram-se a observar o conflito, atrás das fronteiras do Afeganistão. Ainda bem, porque se a União Soviética intervisse na guerra, aí sim é que a coisa iria ficar ruça.

Os tanques dos iranianos e dos iraquianos vão acabar parando, no meio do deserto, por falta de combustível. Do jeito que estão queimando refinarias, ninguém mais vai poder encher o tanque.

O Aiatolá Khomeini, que depôs o Xá Rezha Pahlevi, foi quem, por sua intransigência, provocou o Iraque a ponto de levá-lo à guerra. E agora, vendo que não tem exército para enfrentar o país rival, só sabe ir à mesquita rezar. Reza, Khomeini, reza…

Ninguém é favorável a guerras, mas o mundo inteiro esperava que, com o conflito, o Aiatolá fosse deposto, já que, pelos seus atos depois que tomou o poder, provou ser uma ameaça mundial. Todavia, faltou habilidade aos iraquianos para chegar a Teerã, e dizem que, agora, eles não Teerã, digo, não terão mais chances de chegar lá.

Afinal, quando é que o Aiatolá vai se atolar?

27/10/1980 – Dicionário de futebol

Cercar – Impedir atuação dos adversários, fechar todos os espaços do campo. (frango) – sofrer (o goleiro) um gol fácil de ser defendido. No episódio do lançamento da candidatura do M(*)luf à Presidência, um ministro aí cercou o maior frango…
Chamar – (dentro -: desafiar, provocar. (na chincha) -: revidar à provocação. O PDS chamou dentro os partidos da oposição, mas vai levar uma chamada na chincha em 1982.
Chambão – Modo violento de deslocar o adversário, usando o tronco ou os ombros. Quem vaia o M(*)luf se arrisca a levar o maior chambão,
Chamuscar – Tocar de leve, mas com força, raspar a bola na trave.O caso da cassação do registro profissional do Sh(*)bata chamuscou a trave…esperamos que o Conselho Federal de Medicina confirme a cassação, fazendo um gol.
Chanca – A chuteira. (Entrar de) -: rebater a bola de qualquer modo, inclusive acertando o adversário. A política do D(*)lfim costuma entrar de chanca na já tão sofrida economia popular…
Chapéu – Jogada em que a bola é lançada por sobre a cabeça do adversário. Já a decisão do ministro Djaci Falcão, concedendo liminar ao padre Vito Miracapillo, ameaçado de expulsão do País, foi de tirar o chapéu!
Charanga – Bandinha musical mais ou menos desorganizada, que apóia um time em suas partidas, assim tipo charanga do Seg(*)lio, que apóia o PDS. E como esse sanfoneiro toca mal, puxa vida!
Chargear – Deslocar o adversário na corrida, com uma pancada de ombro. Constitui infração se feita pelas costas com o braço. No caso das prorrogações de mandato, o PDS chargeou a democracia. Pra mim, foi pênalti!
Charlar – Falar de modo inconsequente, contar vantagem. O M(*)luf anda charlando muito… quero ver nas eleições de 1982. Ah, ah, ah!
Chave – Jogada ensaiada, assim tipo votação de emendas no congresso. O PDS já vem com a chave pronta, para trancar qualquer medida em favor do povo.

28/10/1980 – Meus elogios a Maluf

Tenho de fazer os mais sinceros encômios a Maluf, essa figura impoluta e de caráter sem Jaça que hoje ocupa o palácio dos Bandeirantes. O caso da lançamento da candidatura dele à presidência, pelo ministro Abi-Ackel, vai acabar sendo favorável ao povo brasileiro!

Senão, vejamos: o Governo Federal, até o momento, não se mostrou favorável às eleições diretas para Presidente da República, muito embora tenha aceito as mesmas para governadores estaduais, em 1982. Creio que era pensamento da cúpula do Planalto designar um sucessor (talvez civil) para o general Figueiredo, sucessor esse que seria escolhido indiretamente, pelo Congresso, que, graças à invenção dos “senadores biônicos” e outros pacotes, conta com maioria do PDS.

Entretanto, eis que surge Maluf, de São Paulo para o mundo, com o braço erguido pelo ministro da Justiça, sendo proclamado como candidato. Não sei se foi um ato de cortesia do ministro, ou se houve alguma segunda intenção por trás do lançamento de Maluf à presidência, mas sei que as repercussões foram as mais diversas, em todos os setores da sociedade.

O Palácio do Planalto, através de seu porta voz, o ministro da Comunicação Social, Said Farhat, não condenou a candidatura de Maluf, mas também não a referendou, alegando que ainda é cedo para se pensar em eleições. Mas uma onda de intranquilidade começou a percorrer Brasília…

O sucessor em que o governo pensava, civil ou militar, não sei, não era Maluf, sem nenhuma dúvida. E agora paira uma sombra sobre os planos do Planalto: em relação indireta, o governador de São Paulo é rei, sendo capaz de vencer a convenção do PDS, como já fez para conquistar o governo do estado mais rico da União.

Assim, só resta ao governo federal pensar em eleições diretas para a presidência da república, procurando lançar um candidato que, mesmo sendo do PDS, possa conquistar a simpatia do povo e, quem sabe, vencer as eleições. Quanto a Maluf, só se pode louvar a figura que hoje faz, perante o povo brasileiro, autêntico anticandidato. Meus sinceros encômios.

29/10/1980 – Cantinho de poesia

Tomarei a liberdade de parodiar um dos maiores poetas de todos os tempos: Marcos Vinícius de Melo Morais (1913/1980):

Soneto da Separação (Paródia de poesia com o mesmo título)

De repente meu carro foi prum canto,
Silencioso e quieto como a bruma,
Pois gasolina não tinha nenhuma,
Já que o preço da dita é um espanto.

De repente eu quero um carro a vento,
Ou movido a água, ou quem sabe a chama;
De nada adianta o meu ressentimento,
Pois do meu carro imóvel fez-se drama.

De repente, não mais que de repente,
Fez-se triste quem já foi volante,
Fez-se pedestre quem já rodou contente…

Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida caminhada errante,
De repente, não mais que de repente!

Inseto! (Paródia da poesia “Mosquito”)

O mundo é mesmo assim:/Tem Salim.
Por que Salim, por que/Eu e você?!
Você é um inseto!/O mais indiscreto
Da Criação…
Tocando um ano/O seu piano,
Sem compaixão!
Tudo de mau/Você faz aqui,
Cara de pau,/Que afana e ri!
Você gostaria/De passar o dia
Numa delegacia?
Gostaria?
Pois você merece ir pra delegacia!

30/10/1980 – O “robotizado” Maluf

Fiz uma descoberta sensacional: Maluf é um robô! Isso mesmo, gente boa, além de ser governador biônico, o homem é um autômato… pelo menos é o que pude deduzir ao ler a entrevista arrancada “a unha” pelo ultraeficiente repórter João Batista Olivi, quando da visita do governador indireto à cidade de Itapira, aqui pertinho de Campinas.

Olivi conseguiu uma carona, meio “na marra”, no carro geladinho 001, onde se instala o governante do maior estado da união (em riqueza), de Itapira a Campinas, tendo conseguido entrevistar Maluf durante parte do percurso. E quem não acreditar que o futuro candidato à presidência da República (pelo menos, se depender do ministro Abi-Ackel) é feito de fios e computadores, que leia (ou releia) este trecho da entrevista, que saiu no JH do dia 25 de outubro próximo passado:

Olivi: – “E o apoio que o senhor ganhou do ministro da Justiça? O Abi-Ackel não queimou o seu nome?”
Maluf: – “Tenho grande apreço pela Unicamp!”
Olivi: – “O senhor não entendeu, estou falando de Abi-Ackel, o ministro…”
Maluf: – “Tenho grande apreço pela Unicamp!”

Ou, mais adiante, este outro trecho:
Olivi: – “E qual é a sua meta?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “E a presidência?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “Todo mundo diz que o senhor é candidato…”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”
Olivi: – “Mas, dr. Paulo, por que é que não abre o jogo?”
Maluf: – “Quero ser um bom governador!”

E, em seguida, Maluf recostou a cabeça e dormiu até o fim da viagem, sem emitir um único ronco! Além de autômato, deve estar com defeito… provavelmente, foi criado pelo dr. Silvana, aquele das histórias do Cap. Marvel.

31/10/1980 – Vamos ter eleições

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Quem disse que este ano não iríamos ter eleições? Dia 4 de novembro nosso destino está em jogo, no pleito que vai ser realizado… Nos EEUU, é claro. Nossos patrões do norte vão ver quem ganha e quem perde.

Bem, quem perde somos nós, brasileiros e latino americanos em geral, qualquer que seja o resultado. Todavia, entre Ronald Reagan e James Earl Carter, só podemos torcer pela vitória deste último, uma vez que Reagan, ex-caubói de Hollywood, já se manifestou favorável às ditaduras e contrário à política de defesa dos direitos humanos.

No dia 20 de agosto, limpando a nossa bola de cristal (que não está embaçada como a do Gen. Golbery), já escrevíamos: “Ronald Reagan, candidato do Partido Republicano à presidência dos USA (e abUSA) foi, na juventude, “astro de cinema”, segundo as agências noticiosas. Segundo essas mesmas agências, cujo noticiário tem sido amplamente divulgado pela Rede Globo, Reagan já ganhou, posto que o outro candidato, James Earl Carter, anda desprestigiado. Mais uma mentira que tentam impingir ao povo brasileiro!”

Hoje, às vésperas das eleições o quadro já mudou e as tais agências noticiosas já admitem que Carter e Reagan estão “empatados”. Todavia, não cremos também nisso: Ronald Reagan já perdeu, de longe. Suas propostas de “endurecimento” da política externa norte americana, de apoio às “nações amigas” dominadas por ditaduras e de “combate ao comunismo” só podem calar entre os setores mais reacionários e extremistas a sociedade do “grande irmão” do norte. E só podem acreditar nelas os radicais de direita aqui do sul.

Foi crendo numa vitória de Reagan no que os extremistas brasileiros andaram pondo as manguinhas de fora, estourando bancas, espancando juristas e parlamentares democratas etc. Mas, como dissemos a 20 de agosto, “esse velho ‘cowboy’ vai cair do cavalo” e, com ele, as esperanças de fechamento das velhas raposas que aqui vegetam.

Mas, o mais triste mesmo, é que, mais uma vez, não poderemos votar nessas eleições tão importantes para o nosso futuro. Quando é que o povo brasileiro vai poder escolher seus governantes?

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Já leste o meu livro? Quem ainda não leu está convidado a conhecer minha biografia de papai, à sua espera nas melhores livrarias: Marsupial – Comix – Cultura 

A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon 

Visitem também o Sebo Saidenberg, na Amazon. Estou me desfazendo de alguns livros bastante interessantes.

Palavra e Traço – Setembro de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/09/1980 – Dicionário do futebol

BANDINHA – Pequena banda musical que anima a torcida. Em Campinas, bandinha é do Seg(*)lio, o destruidor de árvores.
BANDO – Time, equipe desorganizada, tipo equipe do Lau(*)o P(*)ricles.
BANHEIRA – Impedimento. O político supracitado vai ficar na banheira, nas próximas eleições municipais.
BANHO – Ganhar jogo por larga diferença. O mesmo que o pMDB vai fazer com o PDS quando houver eleições. Agora, quando haverá, só Deus sabe.
BARBA, CABELO E BIGODE – Time que ganha e faz o serviço completo, desmoralizando o adversário. O mesmo que o conceito supracitado.
BARBANTE – A rede. Também marca de time sem valor. O PDS é um time marca barbante
BARREIRA – Grupo de jogadores que se postam em linha entre o gol e a bola. Também grupo de partidos da oposição, reunidos, defendendo a democracia.
BASTIÃO – O goleiro, o setor da defesa, etc. Às vezes, o Bastião chama-se Ulysses, Orestes, Franco, Lula, etc.
BATE BOLA – Jogo informal. Também troca de insultos entre parlamentares do governo e da oposição, em sessões do Congresso.
BATEDOR – Jogador encarregado de bater faltas. Na prática, soldado da PM.
BATE PRONTO – Chute dado no momento em que a bola toca o chão. Também cassetete, soco inglês e outros instrumentos dos guarda costas de um certo governador, sempre pronto a mandar bater no povo.
BATER – Cobrar falta ou penalidade. Maiores detalhes, com as tropas de choque, esquemas de segurança paramilitares, etc.
BELINADA – Rebatida violenta, acertando a bola e o adversário. O mesmo que o governo costuma fazer com o povo.
BEXIGA – A bola de futebol. Também coisa que infla muito e estoura, tipo D(*)lfim ou coisa parecida.
BICANCA – Chute violento de bico. O mesmo que deram em uma velhinha, em Brasília, numa manifestação contra o custo de vida…

04/09/1980 – “Loucos & Fanáticos”

De repente, não mais que de repente, (como diria o poetinha do povo, Vinícius de Moraes), começaram a surgir loucos, fanáticos e débeis mentais no Brasil, atacando membros da oposição, jornaleiros da imprensa alternativa e até faixas do pMDB, se não bastassem as bombas que enviaram, pelo correio, à OAB e à Câmara do Rio, além da SUNAB (que não explodiu). A enviada à OAB foi mais trágica, pois causou a morte de D. Lyda Monteiro da Silva, enquanto que a da Câmara mutilou o secretário de um deputado do pMDB.

Mas, nada temos a temer… Segundo as autoridades, todos são apenas loucos, fanáticos e débeis mentais e seus atos nada têm a ver com política. Pelo menos é o que deduzimos, pois, cada vez que um elemento agressor é identificado, as autoridades logo o liberam, como foi o caso da agressão a um jornaleiro de Campinas, João de Deus. O Sr. Carlos Alberto, que agrediu o rapaz a murros e gritou: “Comunista tem que levar tiro!” é apenas um débil mental, segundo o delegado Messias Pimentel, do Deops. Já a Dona Cleide Nogueira Nery, pintora de porcelana, que atacou estudantes a golpes de canivete de pressão, além de jogar álcool e atear fogo às faixas do pMDB por eles transportadas, também deve ser uma espécie de louca, uma vez que a polícia campineira já a libertou e já se apressou a afirmar que “o caso nada tem a ver com política”.

A coitadinha da D. Cleide só fez isso porque gosta do general Figueiredo e era fã adoidada do general Médici (ela tem até um retrato dele em casa). E, vejam só, ela não gostou da faixa que dizia: “Figueiredo não quer deixar, mas o povo vai votar”. Eu ia passando pelo convívio da Catedral, dia 2, por volta de 19 horas e presenciei toda a cena. Pobrezinha da D. Cleide… apenas um caso para o Juqueri ou para o Pinel.

Agora, os elementos ditos da esquerda, presos em Minas, esses sim, são perigosos terroristas, que serão enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Os outros são apenas loucos, fanáticos e débeis mentais… Ainda bem, não é? Puxa, que alívio: não há terrorismo de direita no Brasil!

05/09/1980 – Não votem em mim

A 15 de novembro de 1980 não vai haver eleição.

Com tristeza, assiste o povo brasileiro a mais um achincalhe da nossa já tão estropiada Constituição: 220 deputados e 35 senadores do PDS (inclusive os biônicos) votaram na madrugada do dia 4, numa tumultuada sessão no Congresso Nacional, a prorrogação dos mandatos dos prefeitos e vereadores de todos os municípios.

Eu, como protesto contra essa proposição, a famigerada emenda Anísio de Souza (PDS), havia me lançado como anticandidato a prefeito de Campinas, nesta mesma coluna, há cerca de um mês, que teve o título de: “A 15 DE NOVEMBRO, VOTEM EM MIM”. Agora, tristemente, sou obrigado a escrever: a 15 de novembro NÃO votem em mim, pois não vai haver eleição…

Proponho, isso sim, ao D.D. prefeito Francisco Amaral, fazer um plebiscito em nossa cidade, ainda que simbólico, para saber se o povo apóia a prorrogação dos mandatos dele e dos vereadores municipais. O prefeito de Rezende, Noel de Carvalho (pMDB) já anunciou que pretende realizar um plebiscito em sua cidade, para que o povo diga se ele deve ou não aceitar mais dois anos de mandato.

Por outro lado, um prefeito do PDS (pasmem!), Raul David Linhares, da cidade de Campos, já afirmou que não aceitará a prorrogação de seu mandato e que irá renunciar  e passar o cargo ao seu vice, a 31 de janeiro de 1981.

Se eu fosse vereador, juro que não aceitaria a prorrogação e passaria o meu mandato a que dele quisesse dispor, suplente ou biônico (isso mesmo, qualquer hora vão inventar vereadores biônicos). Seria uma maneira de protestar contra uma decisão arbitrária do Governo, apoiada pela bancada majoritária do PDS na Câmara e no Senado, maioria essa somente conseguida através do malfadado, o nefando “PACOTE DE ABRIL”, criado pelo general Geisel, em abril de 1977.

É isso aí, povo de Campinas… A 15 de novembro não vai ter eleição. O jeito é votar no torcedor símbolo da Ponte ou do Guarani, pois outro tipo de voto vocês não vão poder botar na urna. Meus pêsames.

07/09/1980 – Ou ficar a Pátria livre…

Hoje é Dia da Pátria, dia da Independência, já que, há 158 anos, D. Pedro I proclamava a nossa libertação de Portugal. E é do próprio Imperador o nosso primeiro hino nacional, hoje conhecido como “Hino da Independência”. A música é de D. Pedro I e a letra é de Evaristo Ferreira da Veiga. Todavia, assistindo às comemorações da Semana da Pátria em escolas públicas de Campinas, verifiquei que o hino só é parcialmente ensinado ás crianças. Indagada a respeito da falta de uma parte da letra, uma diretora de colégio afirmou que “essa parte nada tem a ver com a nossa realidade atual”.

Pois eu acho que tem sim, e muito. E, para que todos os jovens nascidos de 1964 para cá possam conhecer a letra integral do Hino da independência, passo a produzi-lo, aqui e agora:

“Já podeis, da Pátria filhos,/Ver contente a mãe gentil;/Já raiou a liberdade/No horizonte do Brasil
Brava gente brasileira!/Longe vá temor servil:/Ou ficar a pátria livre/Ou morrer pelo Brasil!
Os grilhões que nos forjava/Da perfídia astuto ardil…/Houve mão mais poderosa:/Zombou deles o Brasil.
Brava gente brasileira!/Longe vá temor servil:/Ou ficar a pátria livre/Ou morrer pelo Brasil!
Não temais ímpias falanges,/Que apresentam face hostil;/Vossos peitos, vossos braços/São muralhas do Brasil.
Brava gente brasileira!/Longe vá temor servil:/Ou ficar a pátria livre/Ou morrer pelo Brasil!
Parabéns, ó brasileiro,/Já, com garbo varonil,/Do universo entre as nações/Resplandece a do Brasil.
Brava gente brasileira!/Longe vá temor servil:/Ou ficar a pátria livre/Ou morrer pelo Brasil!”

Sim, brasileiros, há partes muito importantes, omitidas: ” Não temais ímpias falanges,/Que apresentam face hostil“… Pode haver algo mais atual?

09/09/1980 – A Super emenda

Hoje será votada a emenda à Constituição que convoca a Assembleia Nacional Constituinte, a qual é de autoria do senador Orestes Quércia,do pMDB. Trata-se de uma super emenda, de suma importância para o avanço do processo de “abertura” política pregado pelo governo. No entender do senador Quércia, a Constituinte é a melhor solução “para os graves problemas econômicos, políticos e sociais que se acumulam no País”.

Realmente, o momento político é grave, os problemas econômicos são quase invioláveis e o problema social é um caso de polícia, com a miséria grassando desde os sertões até a periferia das grandes cidades e capitais. O governo, representado no Congresso Nacional pelo PDS, seu partido oficial, tem, por obrigação, de apoiar a emenda do senador Orestes Quércia, caso contrário ficará provado que, na verdade, não está interessado em abertura alguma,sendo esta tão apregoada “abertura” do general Figueiredo apenas uma fenda numa rocha, numa pedra que a “Redemptora” de 1º de abril de 1964 colocou no nosso caminho…

“No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”, já dizia o poeta. E urge retirá-la, para que o Brasil possa caminhar livremente, soberanamente, rumo ao seu grande destino entre as nações civilizadas do mundo. E eis aí uma boa oportunidade para remover essa imensa pedra.

“Esta não deve ser uma bandeira só da oposição, mas de tantos quantos pretendem ver o Brasil trilhar o caminho da paz, da justiça social e do desenvolvimento, metas que se viabilizarão com uma Assembleia Nacional Constituinte” – disse o senador paulista.

Se o partido do governo, uma vez mais, ausentar-se do Congresso para, através desse subterfúgio, evitar a aprovação da super emenda Quércia, ficará provado que PDS quer dizer, mesmo “Partido da Servidão”… E todos aqueles que se absterem de votar tão importante proposição, não mais serão dignos de serem reeleitos pelo povo brasileiro, quando houver eleição em 1982, ou 1984, ou só no ano 2000, quem sabe? Só Deus.

10/09/1980 – Anedotas do Salim

Dizem que o Salim foi de trem para uma cidadezinha do interior, com uma grande caravana que o povo apelidou de “Expresso da Alegria”. O prefeito da cidadezinha, que era do partido do Governo, sentiu-se muito honrado em receber a visita do Salim. Reuniu todo o povo na única praça da comunidade e começou a discursar: – É uma honra para nóis recebê uma visita tão honrosa, acompanhada de 400 pessoa! – Foi aí que um caipira, que picava fumo para fazer seu cigarrinho de palha, retrucou: – Exagerado…

O prefeito não gostou e continuou o discurso: – Como eu dizia, é muito bão pra nossa cidade recebê tão ilustre personalidadi, com seus 400 acompanhante! – E o caipira, lá do fundo: – Exagerado…

Aí o prefeito se encheu e redarguiu: Exagerado pru mode de que, voismecê pode me explicá? – E o caipira, continuando a picar fumo: – Pru mode de que Ali Babá só tinha 40!

Outra é assim: um cardeal estava passando mal e pensou que iria falecer. Mandou chamar, urgente, o Salim e mais um certo ministro da área econômica. Ambos os políticos saíram voando no primeiro avião, mas, ao chegarem à cidade do cardeal, já encontraram Sua Eminência totalmente restabelecido. Muito felizes, o Salim e o outro, o tal ministro, cumprimentaram o cardeal pelo seu pronto restabelecimento, mas desejaram saber por que ele os havia chamado. Teria sido para ter, em seus últimos momentos, duas personalidades do País junto dele?

– Não é bem isso, meus filhos – redarguiu o cardeal – É que eu queria morrer como Cristo! – Os dois não entenderam e perguntaram: – Como assim? – E o cardeal, serenamente: – Como Cristo morreu: com um ladrão de cada lado!

Dizem também que, se o Salim tivesse ido competir nas Olimpíadas de Moscou teria trazido uma medalha de ouro, com toda a certeza, para o Brasil: a de ASSALTO TRIPLO!

11/09/1980 – Odisséia de um doente

Inferno Nacional do Povão Sofredor

Necessitando de atestado médico, um jornalista doente esteve, há dias, no inferno. Isso mesmo, no Inferno Nacional do Povão Sofredor… Entidade governamental que, há pouco tempo, mudou de sigla (terá sido de vergonha?) e passou a se chamar INAMPS.

O jornalista, com febre alta, tonturas e dores no corpo, tentou conseguir, inicialmente, uma consulta com um clínico geral; mas logo descobriu que isso não é muito fácil de ser conseguido no INAMPS, embora ele veja todos os meses seu “holerite” de pagamento apresentando um desconto de Cr$ 4400,00 em favor desse instituto, ou seja, cerca de um salário mínimo!

Começa que tem uma fila dos diabos. Continua que os médicos chegam quando bem entendem (quando chegam), prossegue que todos os que estão na fila têm, supostamente, problemas relativamente sérios de saúde e lamentam-se o tempo todo, lembrando o “Quinto dos infernos” de Dante.

Quando foi, afinal, atendido por um funcionário que tinha de preencher uma baita duma ficha infernal, descobriu o infortunado jornalista que, embora sua carteira de trabalho estivesse relativamente atualizada (última anotação de janeiro de 1980), teria de apresentar o “holerite” para comprovar que continuava na firma! Além disso, o infeliz não possuía uma certa carteirinha do INAMPS, documento indispensável para o atendimento…

Encapetado, para não dizer p(*)to da vida, o jornalista teria ficado a ver navios, se não cruzasse com médico seu conhecido (aliás, estudante de medicina, talvez, pela pouca idade) e dele recebesse u conselho – Por que perder tempo na fila do INAMPS? Muito melhor ir a um hospital qualquer e simular uma emergência, pois é a única maneira de ser atendido.

Acontece que gripe não é caso de emergência, já que, embora faça o diabo com o corpo do doente, só mata quando vira pneumonia ou pleurite. E foi assim que o jornalista achou mais fácil voltar para a cama, perder alguns dias de trabalho, e se automedicar, depois de ficar cinco horas na fila do Inferno Nacional do Povão Sofredor. E o pior de tudo, é que o jornalista em questão sou eu.

12/09/1980 – A imprevidência social

O Inferno Nacional do Povão Sofredor – II

O Ministro Jair Soares, sempre sorridente, apareceu há pouco tempo num noticiário de TV, afirmando que o INAMPS (ex-INPS) iria executar todas as dívidas de firmas e de particulares que porventura (ou desventura)houvessem para com esse instituto governamental. Agora, publica o INAMPS um listão dos devedores, para que todos quantos essa lista virem, saberem quem deve ao instituto, quanto deve e assim por diante, como se dívida fosse título que se pudesse protestar e publicar nos jornais o nome dos devedores…

Agora, o INAMPS deve bilhões aos hospitais particulares de todo o País, muitas vezes não paga, procura contestar as contas apresentadas pelos mesmos, atrasa todo o processo de atendimento médico no Brasil… E fica tudo por isso mesmo. Por outro lado, o atendimento dispensado ao público que recolhe de 8% a 16% de seus salários, na fonte, mensalmente, em favor do INAMPS, é o pior possível.

Como eu já disse anteriormente, aquilo é uma sucursal do inferno, se é que o inferno existe no mundo astral. Se não existe, aquilo é o próprio inferno na terra. O infeliz doente que precisar de atendimento médico do INAMPS é um candidato sério a defunto fresco, em data muito próxima.

Cobrar, o INAMPS sabe; descontar na fonte, o que é um absurdo e deveria ser inconstitucional, é uma prática comum e obrigatória… Já corresponder às necessidades da população, isso é uma outra história. Nem se fala.

E nem se fala, também, no problema dos aposentados. Os pobres velhinhos e velhinhas, paralíticos, acidentados no trabalho e doentes mentais que se aposentam por tempo de serviço, por idade, ou por invalidez, são submetidos aos maiores vexames para receber suas magérrimas pensões, ficando horas e horas em filas, nas portas dos estabelecimentos bancários. E ainda há uma nova exigência, a da apresentação de carteira de identidade e assinatura, para receber os “benefícios” do INAMPS. Assim sendo, os próprios velhos, inválidos e doentes têm de ir às filas, em lugar de seus parentes ou amigos.

E fica uma pergunta que faço ao Sr. ministro Jair Soares: afinal, o senhor é ministro da Previdência, ou da imprevidência social?

13/09/1980 – Voz da extrema direita

Engana-se o general Golbery ao dizer que a apuração dos atentados da extrema direita é um caso para Hércules Poirot, o famoso detetive de ficção criado por Agatha Christie. Ainda no dia 11 deste mês, a extrema direita botou as manguinhas (ou mangonas?) de fora através de seu porta voz, o deputado Erasmo Noites.

Esse coronel-deputado que, segundo se diz, foi eleito com o voto dos bicheiros e da corrupção, afirmou que “a massa não pode ser tratada de outra maneira a não ser a água para esfriar a cabeça e a bomba de gás para chorar um pouco”.

Triste País este, onde um deputado do PDS pode dizer uma coisa dessas e permanecer impunemente no cargo! E tem mais: o deputado ainda afirmou que acreditava que a extrema esquerda está envolvida nos atentados a bomba recentemente ocorridos no País, embora esses atentados tenham sido feitos contra entidades da oposição com material plástico altamente sofisticado e manipulado por técnicos em explosivos que mais parecem ter saído dos porões da repressão…

Se não bastasse, o coronel-deputado ainda assumiu a responsabilidade pela invasão da PUC paulista em 1978, onde várias moças ficaram gravemente queimadas pelas mesmas bombas de gás que ele prega que se lancem contra o povo. Algumas dessas jovens ficaram marcadas para sempre pelas queimaduras e todas elas traumatizadas com a barbárie policial.

Em outra entrevista, concedida à revista “Veja”, Erasmo Noites afirmou conhecer pessoalmente os autores de vários atentados a bomba e ter dito a eles para “maneirarem” um pouco, para não dar na vista. E, concluindo a entrevista, afirmou que se a tese da Assembléia Nacional Constituinte proposta pelo senador Orestes Quércia (pMDB) fosse aceita, ele pegaria em armas, porque “isto aqui iria virar uma bagunça!”

Coronel, o povo não precisa de “bombas de gás para chorar um pouco”; basta ouvir o senhor falar, para irromper em sentidos prantos. BUÁÁÁÁÁ

14/09/1980 – Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Carneiro de Souza Bandeira foi um dos maiores poetas brasileiros. Nasceu no Recife, em 1886 e, menino ainda, foi para o Rio de Janeiro, onde faleceu há poucos anos. Muito doente, passou algum tempo na Suíça, tentando se recuperar de uma tuberculose. Foi, talvez, ao conhecer o regime político desse adiantado país da Europa, que Manoel Bandeira começou a imaginar um lugar ideal no mundo, onde tudo fosse bom, local esse que ele denominou “Pasárgada” (lê-se Passárgada); uma espécie de região utópica onde se pudesse fazer tudo o que se tivesse vontade.

Como a coisa por aqui está preta, com essa inflação galopante, com o adiamento das eleições, com essa dívida externa monstruosa, com essa fome e essa pobreza, às vezes me dá vontade de ir-me embora para Pasárgada. E foi assim que tomei a liberdade de parodiar essa poesia desse genial mestre das nossas letras: “VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA”.

Vou-me embora pra Pasárgada./ Lá não existe mais rei,/ Lá, votarei em quem quero,/ Na hora que escolherei./ Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou-me embora pra Pasárgada,/ Aqui, eu não sou feliz./ Lá a democracia é uma ventura,/ De tal modo consequente,/ Que João, cavaleiro andante,/ Não é rei nem presidente,/ Não tem nenhuma patente,/ Assim como eu nunca tive.
E como farei discursos!/ Andarei sem documentos,/ Xingarei, se estiver bravo,/ Subirei sobre um caixote,/ Pois lá se pode falar!/ E quando estiver cansado,/ Deito num velho sofá,/ Mando ligar a TV,/ Pra saber de todas as notícias,/ Que, em meu tempo de menino,/ O povo podia escutar…
Vou-me embora pra Pasárgada./ Em Pasárgada tem tudo,/ É outra civilização;/ Tem um processo seguro/ De se fazer eleição!/ Tem votação automática,/ Tem liberdade à vontade,/ Tem políticos honestos,/ Em quem se pode votar.
E quando eu estiver mais triste,/ Mas triste de não ter jeito,/ Quando, de noite, me der/ Vontade de protestar/ – Lá, não existe mais rei -/ Terei o espaço que quero,/ No jornal que escolherei./ Vou-me embora pra Pasárgada.

15/09/1980 – Dicionário do Futebol

BICÃO – Chute forte, de bico. Também político que vive querendo aparecer na TV e na imprensa, a todo custo, tipo M(*)luf.
BICHADO – Jogador que tem contusão crônica. Também partido caindo de podre, assim tipo PDS.
BICHEIRA – Doença crônica, de cura difícil, tipo ditadura militar. Mas, um dia, a gente descobre o remédio…
BICHO – Gratificação aos jogadores, em caso de vitória ou empate. Também terrorista de direita, que não pode ser gente, só pode ser bicho.
BICO – A ponta da chuteira. Igualmente, servicinho extra que certos ministros fazem, em viagens pelo exterior, com verbas de representação e mordomias.
BICUDA – Chute de bico. Ultimamente, a inflação está bicuda paca.
BIGORNA – Atacante rompedor, valente; aríete. O mesmo que pMDB.
BLITZ – Ataque em massa, cerrado; sucessão de ataques. O povo tem sofrido com uma terrível blitz de parte da extrema direita. E o governo não está nem aí…
BLOQUEAR – Impedir a movimentação. O que o PDS sempre faz, quando algum projeto é apresentado em benefício do povo.
BOBEIRA – Distração. Os terroristas de direita vão acabar marcando bobeira e aí, não vai dar outra: alguém terá de dar com os costados na prisão.
BOBO – Jogador que é colocado no meio de um círculo, tentando pegar a bola, enquanto os demais tentam impedir que ele consiga. O governo pensa que pode fazer o povo de bobo, mas vai perder a bola nessa brincadeira.
BOCA – Saída do túnel que leva dos vestiários ao campo. Também emprego nas altas esferas de Brasília. Dizem que tem cada boca rica por lá…
BODE – Jogador muito ruim, assim tipo o D(*)lfim.
BODE CEGO – Jogador que atua de cabeça baixa, sem habilidade, com poucos recursos técnicos, assim como o G(*)lvêas.
BOLA – Objeto esférico usado no jogo. O governo pensa que é o dono da bola, mas pode estar redondamente enganado.
BOLACHA – Chute violento. O mesmo que certas tropas paramilitares dão no povo, quando este protesta contra a carestia, principalmente em indefesas velhinhas.

16/09/1980 – Dando corda ao gramofone

Quando o carteiro chegou…

Dando corda ao gramofone, hoje, apresenta a música “A Carta”, antigo sucesso da grande cantora Izaurinha Garcia:

“Quando o carteiro chegou
E meu nome gritou,
Com uma carta na mão,
Levei um susto tão rude,
Nem sei como pude
Chegar ao portão…
Pelo volume esquisito,
E pelo subscrito,
Eu reconheci
A mesma caligrafia
Que ameaçou-me um dia:
“Darei cabo de ti”.
E assim, não tive coragem
De abrir a mensagem,
Fiquei na incerteza…
Eu meditava e dizia:
– Será uma bomba,
Será uma surpresa?
Tanto explosivo medonho,
E atentado tristonho
Uma carta nos traz…
E assim pensando, atirei
Essa carta bem longe,
E a explosão foi demais!
(Breque): BUUUUMMMMMMMMM!”

Gente, a coisa está tão preta, que tem pessoas jogando livros e até presentes volumosos longe, com medo de que seja uma carta bomba. Se eu receber alguma, juro que mando devolver ao remetente.

17/09/1980 – Poema de sete faces

“Quando eu nasci, um exu torto,
Desses que vivem na sombra,
Disse: Vai, Ivan, ser jornalista na vida.
As casas espiam os homens,
Que correm atrás do dinheiro.
O Brasil talvez fosse azul,
Se não houvesse tantas marmeladas.
A viatura passa cheia de bóias frias,
De caras brancas, pretas e amarelas,
Por que tanta miséria, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém é inútil,
Não me respondem nada.
O homem atrás dos óculos
É sério, simples e forte.
Quase não conversa,
Tem poucos, raros amigos,
O homem que está atrás dos óculos e do governo.
Meu Deus, por que nos abandonaste,
Se sabias que o povo não era Deus,
Se sabias que o povo era fraco?
Mundo, mundo, vasto mundo,
Se o Delfim se chamasse Raimundo,
Seria uma rima, não uma solução.
Mundo, mundo, vasto mundo,
Mais vasta é a nossa inflação.
Eu não devia te dizer,
Mas esta miséria,
Essa dívida externa,
Botam a gente p(*)to da vida como o diabo!”

Perdão, Carlos Drummond de Andrade…

20/09/1980 – Homenagem ao Tonico

Quero prestar minha homenagem ao “Tonico Músico”, jovem campineiro nascido em 1836, na antiga Rua das Flores, filho do “Maneco Músico” e de “Nhá” Fabiana Maria Cardoso. Ao jovem músico que era pouco conhecido, e cuja obra não foi devidamente avaliada pelos seus contemporâneos campineiros.

Homenagear o grande maestro Carlos Gomes, autor de “O Guarani”, “O Escravo” e outras grandes óperas, é muito fácil. Hoje, o maestro é a maior glória cultural de nossa cidade e seus restos mortais repousam sob um monumento mausoléu no qual o maestro é representado em toda a sua glória, de batuta em punho regendo uma orquestra celestial…

Quero homenagear o artista, o homem Antonio Carlos Gomes, cuja luta pelo reconhecimento do valor de sua arte foi muito grande. O jovem “Tonico”, filho de um modesto regente de banda de uma pequena cidade de província, como era Campinas há mais de cem anos, e que chegou muito cedo à corte do Imperador D. Pedro II. Sua Majestade visitou nossa cidade, pela primeira vez, em 1846, quando “Tonico” tinha apenas 10 anos, e já viu nele um grande e precoce talento musical. Com pouco mais de 20 anos, “Tonico” já estava no Rio, depois ganhou uma bolsa de estudos e foi para Milão, na Itália, estudar com o grande Verdi, tornando-se mundialmente famoso.

Mas o que eu quero, mesmo, é homenagear o jovem “Tonico”, que perdeu a mãe na madrugada de 26 de julho de 1844, quando “Nha” Fabiana foi barbaramente assassinada a tiros e facadas, e cujo assassino jamais foi localizado. O crime ficou famoso como “O drama do Roseiral” e deixou na orfandade materna dois irmãos, “Juca” e “Tonico”, este último com apenas oito anos de idade. Mas o jovem “Tonico” não se deixou abater nem pelo drama familiar e nem pela inveja de alguns de seus conterrâneos. Foi em frente, chegou, viu e venceu. Faleceu longe, em Belém do Pará, a 16 de setembro de 1896, de câncer, magoado ainda com sua terra natal… ou talvez, com inimigos que aqui deixou.

O que eu quero, realmente, é que os campineiros vejam Antonio Carlos Gomes como o nosso grande homem que foi, e não apenas como uma estátua.

21/09/1980 – Caçando rolinha com canhão

Eu gosto de revistas eróticas. Acho que são até saudáveis, já que ajudam a liberar a repressão existente na libido de algumas pessoas.

São revistas caras, costumam vir embaladas em envoltórios plásticos e, pela lei, só podem ser vendidas a maiores de idade. Não creio que possam causar dano algum à nossa juventude, já que, nos países mais civilizados do mundo, como a Dinamarca, Suécia, EUA, são vendidas nas bancas, livremente, não só as chamadas revistas eróticas, como também as denominadas “pornográficas”, que exibem cenas de sexo bem explicitas, e a juventude dessas nações vai muito bem, obrigado.

O que, realmente, está sendo um mal maior para a nossa infância e juventude, é a fome, a subnutrição, a falta de escolas, de creches, de assistência médica, de locais para recolhimento de menores delinquentes que os recuperem, em vez de transformá-los em bandidos. A exploração que o nosso povo vem sofrendo nos últimos 16 anos é que está destruindo a família, tornando os filhos das famílias pobres em ladrões, e as filhas prostitutas. Sem instrução, sem orientação alguma, o que mais resta a esses jovens?

Sugiro a Suas Excelências, os meritíssimos juízes de menores de todo o Brasil, que em vez de, amparados no novo Código de Menores, continuarem mandando apreender revistas eróticas, além de instaurar processos contra seus editores a (pasmem!) até contra os jornaleiros que as vendem, façam uma pesquisa sobre os verdadeiros males que afligem os nossos menores, e lutem por melhores condições de vida para a família brasileira, para o menor trabalhador, para o menor em idades escolar, etc.

Como disse José Hamilton Ribeiro, em sua coluna no dia 19 último, “os juízes de menores precisam pensar duas vezes, antes de gastar bala de canhão com rolinha”. É isso aí: não confundam espinafre de caçarolinha com espingarda de caçar rolinha.

22/09/1980 – Dicionário do futebol

BOLADA – Pancada com a bola, jogada muito bonita. Também grandes somas ganhas na bolsa, com vendas de milhões de ações, assim de repente.
BOLÃO – Futebol de categoria. O pMDB está batendo um bolão.
BOLEIRO – Jogador que aceita suborno. Tem cada boleiro se passando pro PDS!
BOLINHA – Futebol fraco, do tipo que está jogando o time do governo. Também excitante, tomado para aumentar o ritmo de jogo de um futebolista. O PDS não vai melhorar, nem enchendo-se de bolinha.
BOLO – Soma de dinheiro. Também uma certa coisa que o D(*)lfim disse que ia deixar crescer pra dividir, e acabou comendo sozinho. E como está gordinho!
BOMBA – Chute extremamente violento. Também explosivo muito comum hoje em dia, infelizmente, usado pela extrema direita contra os democratas brasileiros.
BONDE – Jogador ruim, lento e pesado, assim tipo C(*)sar C(*)ls.
BOTA – A chuteira. Também tacão muito usado no cone sul da América.
BOTINADA – Pontapé. Também uma coluna muito doida, do Walter do Valle e do Márcio Uchoa, que está dando ótimos chutes. Toca em frente, cambada!
BRECHA – Espaço eventualmente estreito, onde mal dá para se lançar a bola. O mesmo que a “abertura” do governo, que é apenas uma brecha.
BRINCAR – (nas onze) – Jogar em qualquer posição. Tem muito político, por aí, disposto a brincar nas onze para continuar no poder… em qualquer posição.
BUGRE – Designação do Guarani F. C. de Campinas, uma das maiores glórias do futebol brasileiro, campeão nacional de 1978. Bugre também é designação de político populista, bravo e combativo, que luta pelo povo como um guerreiro. São poucos os bugres por aí… o que temos muito é caciques, do PDS, é claro.
BUMBA MEU BOI – Chute de um defensor, que sobe muito mas tem pouca extensão, quase sempre acidental. O mesmo que “Viva São João”. Também o mesmo que os chutes que o D(*)lfim vive fazendo a respeito da inflação, sempre errados.
BURRA – Designação popular (e pejorativa) da Portuguesa de Desportos. Mas eu acho que burra, mesmo, é a bancada do PDS, que se torna cada vez mais impopular, chegando a tal ponto que não terá nenhum voto em 1982.

23/09/1980 – Tachito, o mulherengo

O assassinato de Anastácio (Tachito) Somoza Debayle, a tiros de metralhadora e de bazuca, por um grupo terrorista no Paraguai, nos traz uma série de indagações. Haveria um grupo pronto a eliminar os tiranos do mundo? Ou terá sido uma ação de vingança de parte de algum grupo inimigo pessoal de Somoza? O fato é que:

1) Os tiranos são feitos de carne e osso, iguaiszinhos aos milhões de operários, camponeses, mulheres, velhos e crianças que mandam matar, quando estão no poder.

2) De nada adiantam carros à prova de balas, mil guarda costas, etc. Quando estão suficientemente preparados, os grupos terroristas sabem agir com precisão e mortal eficiência.

3) Esse grupo terrorista não se parece com os grupos esquerdista que agiam por aqui, há poucos anos, armados apenas de ideologia e idealismo. É formado por elementos bem treinados e peritos em tiro até mesmo de bazuca, metralhadora e fuzil com mira telescópica.

4) Por mais que queiram se ocultar em “bunkers” (fortalezas), os tiranos acabam por ter de sair às ruas, vez por outra. No caso,  o Sr. Anastácio Somoza Debayle estava, ao que se diz, indo ao encontro de uma amante, mulher de Rara beleza que seria também amante de um parente do ditador do Paraguai, Alfredo Hitler, digo Stroessner. “Tachito” continuava o mesmo velho mulherengo de sempre, e isso causou o seu fim.

5) Se foi um tipo de justiçamento, esse atentado lembra muito um outro, que ocorreu há poucos anos, quando o almirante Carrero Blanco, chefe da Extrema direita espanhola e provável sucessor do generalíssimo Francisco Franco, teve seu carro explodido e atirado a grande altura, indo parar sobre a marquise de um prédio. No final da ditadura de Franco, o povo gritava: “Arriba, Franco! Mas alto que Carrero Blanco!”

25/09/1980 – Dando corda ao gramofone

Você pensa que salário é renda?

O senador Orestes Quércia ( PMDB) revelou, antes de embarcar para a República Democrática da China, que vai apresentar emenda constitucional pela qual o imposto de renda não mais incidiria sobre os salários, sendo cobrado apenas de rendas e proventos de outra natureza.

Está muito certo, é isso aí. Eu sou uma vítima do sistema arbitrário instituído pelo Governo, que cobra 20% dos meus “rendimentos”,  na fonte! Depois de uma data, vem a devolução parcial, com uma correção monetária de apenas 45%, o que vale dizer que o Governo me toma uma nota preta, todos os anos, sendo que vivo exclusivamente de meu trabalho, não tenho imóveis alugados nem outros tipos de rendimentos.

Em apoio à decisão do senador Orestes Quércia, fiz uma paródia da famosa marchinha de carnaval “Você Pensa que Cachaça é Água?”, que é assim:

“Você pensa que salário é renda?
Salário não é renda, não!
A renda é lucro de trambique,
Salário dá um trabalhão…
(breque) – Comigo não!
Assim vai me faltar tudo na vida,
Arroz, feião e pão;
Não vou ter grana pra comida,
E tudo o mais, que custa um dinheirão!
Me tomar grana na fonte,
Isso é coisa que se faça?
Pra gastar com mordomias?!
Esse IR é uma desgraça!

Manda brasa, Quércia! Em vez de cobrar IR na fonte, do trabalhador, o Governo deveria instituir um imposto sobre a remessa de lucros para o exterior de parte das multinacionais que exploram nosso povo sofrido. Mas isso ainda é utopia, que só poderá se concretizar no dia que tivermos um Governo democrático e nacionalista, eleito diretamente pelo povo.

26/09/1980 – No Maranhão tudo ‘bão’

No Maranhão é que é “bão”: povo ali não passa mal! Leiam só que maravilha aconteceu no último domingo, dia 21, no bairro de Sá Viana, nos subúrbios de São Luís, segundo as agências noticiosas:

“Mais de 500 Soldados da PM e agentes federais, fortemente armados, demoliram durante o dia 21 último 41 casas do bairro de Sá Viana, em São Luís, localizado em terras da Universidade Federal do Maranhão, deixando ao desabrigo 250 pessoas, entre elas várias crianças e senhoras gestantes, sendo que uma delas, traumatizada, perdeu o filho.”

Casa é modo de dizer, eram casebres, muitos deles de palha, que abrigavam favelados, além de marginais. O juiz Alberto Tavares Vieira foi quem tomou essa medida tão humanitária, retirando dali esses infelizes, pois eles estavam cometendo, sem saber, um crime: o de invadir propriedade privada! Verdade que a PM e os agentes federais exorbitaram um pouco no cumprimento zeloso de suas funções, pois os moradores afirmaram que os casebres foram derrubados a golpes de sabre e pontapés, além de serem lançadas várias bombas de gás lacrimogêneo sobre os favelados ou dentro dos casebres dos mais renitentes, que queriam continuar morando em terreno alheio.

Por fim, depois que todos os casebres já estavam no chão, tratores da UFMA completaram a operação, limpando o terreno. Manoel de Deus Ferreira, presidente da associação dos moradores de Sá Viana (agora ex-presidente?), ficou bastante nervoso, ao nosso ver sem motivo, só porque os policiais, durante a operação, impediram as pessoas de saírem da área. “Era hora do café e ninguém pode sair nem para comprar o pão. Tivemos de suportar em jejum demolição de nossas casas” – disse ele.

No local, também foram vistos alguns agitadores que, dizendo-se políticos da oposição, aproveitaram-se do momento para fazer alguns comícios e protestar contra “os desmandos dos homens que governam o Maranhão”. Esses indivíduos (provavelmente comunistas) não sabem que, segundo afirmou recentemente o deputado-coronel Erasmo noites, “o povo precisa de água fria para esfriar a cabeça e de bombas de gás para chorar um pouco”…

27/09/1980 – Aiatolá vai se atolar

O aiatolá Raoulah Khomeini depôs o governo do Xá do Irã em fevereiro do ano passado e substituiu o terrível regime ditatorial de Reza Pahlevi por outro regime ainda mais terrível, onde até pessoas acusadas de serem homossexuais e prostitutas foram condenadas à morte. Além disso, permitiu que estudantes iranianos invadissem a Embaixada dos USA em Teerã e capturassem os funcionários norte-americanos da mesma como reféns, acusando-os de espionagem.

Finalmente, Khomeini voltou-se contra seu tradicional rival, o Iraque, país dos antigos caldeus e babilônios, inimigos milenares dos persas, hoje iranianos. Depois de várias provocações de fronteira, envolvendo o problema do canal de Shat Al Arab, por onde passam 40% dos petroleiros que fornecem o óleo chamado de “ouro negro” para o ocidente, o aiatolá Khomeini conseguiu provocar uma guerra com o país vizinho… E se deu muito mal.

Escrevo estas linhas no 5º dia da Guerra, quando o Iraque, sem quase encontrar resistência nenhuma, avança sobre Teerã, capital do Irã, após tomar uma faixa que varia de 12 a 32 quilômetros ao longo da fronteira, defendendo o canal de Shat Al Arab e praticamente tomando o Cuzistão, local habitado por populações de origem árabe, agora já chamado de Arabistão.

Não vejo como Khomeini poderá impedir o avanço do Iraque, posto que o exército do Irã está quase desarticulado, os principais generais fugiram do país ou foram executados, os armamentos e aviões são de origem norte-americana e não possuem peças de reposição desde fevereiro de 1979. Assim ao atacar o Iraque por via aérea, para bombardear Bagdá e outros alvos (refinarias, etc.), muitos aviões iranianos caíram sozinhos, por apresentarem defeitos ou por imperícia dos pilotos.

28/09/1980 – Uma receita de bolo

Hoje falaremos de culinária. Entrando em amenidades, esta coluna vai dar uma receita de bolo aos leitores e leitoras habituais, que tanto têm nos prestigiado, através de cartas e telefonemas. Então vamos lá:

Bolo Econômico

Pega-se duas xícaras bem cheias de coragem, uma grande pitada de boa vontade, uma grande porção de vergonha na cara, duas colheres de chá de honestidade (se estiver difícil de encontrar, substituir por habilidade mesmo), um pouco de dó do povo, uma dose de esforço, meio quilo de boas intenções, patriotismo a gosto (também anda em falta no mercado), um copo de fé (bem cheio), uma pitada de esperança e uma boa porção de liberdade.

Para preparar este bolo econômico, é preciso trabalho, muito trabalho; além de saber lidar com a massa, é preciso impedir que pessoas estranhas ao serviço venham agitá-la. Em vez de bater, como é de hábito, é necessário cuidar da massa com carinho, preparando uma boa calda que dê ótima cobertura ao bolo, temperada com crença nos destinos do País. Não se pode deixar essa calda esfriar antes do bolo estar pronto.

A massa deve ser posta para descansar um pouco, sendo necessário cobrir com cuidado, para evitar moscas vindas de fora, formigas sorrateiras e insetos que possam estragar tudo, pondo o bolo econômico a perder. É preciso alimentar sempre a chama do amor ao próximo, senão o bolo não cresce.

Leva-se o bolo ao forno da democracia, que deve estar bem aquecido, apesar de algumas tentativas que têm sido feitas, por aí, para esfriá-lo. Deve-se esperar que a massa esteja corada e no ponto, para retirar o bolo do forno. O bolo econômico só pode crescer quando a massa estiver firme e coesa, fermentada pelo direito de voto.

Quando o bolo crescer, estará pronto para ser servido. Deve-se colocá-lo na panela do povo (que anda meio vazia, apesar de algumas promessas de que ela ficaria cheia) e depois cortar o bolo em fatias bem finas, para que dê para todos. Atenção: é preciso muito cuidado com um certo sujeito muito gordo, que está disposto a comer o bolo sozinho. Cuidado, povo brasileiro!

29/09/1980 – Dicionário do futebol

Dicionário do futebol – VIII

Cabeça de bagre –  Mau jogador, assim tipo M(*)rilo M(*)cedo, que não aprende as regras do jogo, ou acha que pode mudá-las quando quiser.
Cabeçada –  Testada; jogada errada ou irrefletida, assim como prorrogação de mandatos. Com o tempo,  o PDS verá a cabeçada que deu.
Cabeçudo –  Jogador burro,  assim como Ama(*)ry St(*)bile, que insiste em mandar a turma plantar e depois não garante os preços mínimos dos produtos.
Cacareco –  Jogador imprestável; time formado com jogadores muito ruins, assim tipo PDS, mesmo. Com o tempo, esse partido estará caindo de podre.
Caçar –  Perseguir o adversário com deslealdade. Há poucos anos, o verbo era cassar e não caçar
Cacetada – Chute muito forte. Pontapé violento dado no adversário, como aquele dado por um guarda-costas do prefeito de S. Paulo, que afirmou que o popular agrediu o pé dele com a barriga.
Cacete –  Chute violento. (baixar o): fazer o mesmo que andaram fazendo com o povo no bairro da Freguesia do Ó, quando da visita do Sr. M(*)luf.
Cachorrada – Marcação desprovida de técnica, baseada na perseguição a um craque por um grande número de jogadores. Na prática, o que andam fazendo com o povo brasileiro, há mais de 16 anos.
Cadeira – Assento. (cativa): posição assegurada num time. Atualmente, os ministros da área econômica estão tremendo, pois nenhum pode dizer que tem cadeira cativa, do jeito que as coisas estão pretas. O negócio tá ruço…
Cair – Desequilibrar-se. O que vai acontecer no ministério, logo-logo: ministros começarão a cair… (ver definição anterior).
Caixa – Peito, tórax. Mas caixa hoje em dia é um departamento de financiamento às firmas que estão indo à falência, né, seu M(*)luf?
Caixinha – Gratificação pequena, dada a jogadores de time de várzea. O mesmo que 13º salário de pobre; não dá nem pras castanhas…
Calça-frouxa – Jogador medroso, assim tipo Va(*)dir Arcov(*)rde, que tem medo até que sejam divulgados os números relativos à poliomielite no nosso País. Vai ser calça-frouxa assim lá na… Bom, deixa pra lá.

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Já leste o meu livro? Quem ainda não leu está convidado a conhecer minha biografia de papai, à sua espera nas melhores livrarias: Marsupial – Comix – Cultura 

A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon 

Visitem também o Sebo Saidenberg, na Amazon. Estou me desfazendo de alguns livros bastante interessantes.

Palavra e Traço – Agosto de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/08/1980 – Mudemos as provas olímpicas

As Olimpíadas de Moscou chegam ao seu final, com o Brasil obtendo poucas medalhas, ainda que tendo feito bonito ao conquistar o tão sonhado ouro, proeza que não era conseguida desde 1956. Todavia, como disse o “João do Pulo”, os russos fizeram as Olimpíadas para eles ganharem a maioria das medalhas. O negócio é reformular as provas olímpicas para 1984. Se isto for feito ao nosso modo, ganharemos todas as medalhas de ouro! Basta instituir as seguintes modalidades de competição desportiva:

  1. a) Em vez de prova de Hipismo, prova de Inflação: ganharemos disparado, porque teremos, até 1984, a maior inflação galopante do mundo!
  2. b) Em lugar de Natação, prova de Mamação: somos campeões mundiais de mamatas e negociatas. Nessa, o atleta olímpico mais indicado é o M(*)luf.
  3. c) Nada de Box, Judô ou Luta Romana; prova de Pancadaria Grossa: mais uma vez a medalha seria obtida fácil pelo M(*)luf, vulgo “Paulo Pauladas”.
  4. d) Em vez de Maratona, teríamos uma prova de Corrida à Bolsa: o famoso atleta G(*)lvêas faturaria fácil a medalha de ouro (muito ouro).
  5. e) Em lugar de provas de Corrida, com 100, 400, 1.000 metros rasos, faríamos uma prova de Fuga da Polícia: no ABC encontraríamos milhares de atletas acostumados a correr em alta velocidade, quando escutam gritar: – “Olha o D(*)ps!”
  6. f) Pra quê Esgrima? Vamos instituir a prova de Troca de Insultos: os nossos excelentíssimos deputados e vereadores ganhariam essa fácil, fácil!
  7. g) Nada de Levantamento de Peso, vamos fazer uma prova de Aumento de Preços: só com o preço da gasolina ganhamos qualquer medalha de ouro!
  8. h) Salto Tríplice? Salto à Distância? Salto em Altura? Qual nada! Vamos promover uma prova de Assalto: temos aí centenas de milhares de atletas que nos assaltam, desde a mão armada, até por decreto, de uma penada!
  9. i) E, finalmente, em vez de provas de Arremesso de Dardo, Disco ou Peso, faremos uma prova de Arremesso de Dívida Externa: medalha de ouro para nós, que o D(*)lfim já conseguiu arremessar nossa dívida pro espaço!

02/08/1980 – Dando corda ao gramofone

Cantinho do Sucesso

O povo, para se vingar das pauladas e das bombas de gás 1acrimogêneo que tem recebido de parte de um certo governador, mais conhecido como “Paulo Pauladas”, está cantando uma música que é uma paródia de genial de “OI PEGA EU, QUE EU SOU LADRÃO”:

O Paulão foi no meu bairro,
Quase morreu do coração! (BIS)
Já pensou se ele tem um enfarte, malandro,
E estica no meio do meu calçadão?
O meu povo não tem nada de luxo,
Que possa agradar ao Paulão…
Só uma faixa, com dizeres
E muita reivindicação.
Muita vaia e muito grito.
Pra receber o Paulão!
O Paulão ficou maluco
E saiu gritando, na multidão:
Oi, pega eu!
Pega eu, que eu sou o Paulão
Pega eu, pega eu, que eu sou o Paulão!
Lelé da cuca, ele está no palácio,
Fazendo a maior confusão,
Sentando em cima de redoma de vidro
E cantando este refrão:
Oi, pega eu!
Pega eu, que eu sou o Paulão
Pega eu, pega eu, que eu sou o Paulão!

Bonitinha, a paródia. Mas, que coisa estranha, por mais que eu dê tratos à bola, não consigo descobrir a quem ela se refere. Quem será esse tal de “Paulão”, mais conhecido como “Paulo Pauladas”? Que mistério…

03/08/1980- Por que as bombas

Bomba, bomba, bomba! Bombas contra bancas de humildes jornaleiros, só porque vendem jornais independentes (devidamente liberados pelo ministério da Justiça), bombas contra carros de políticos da oposição, bombas de gás contra o povo que pede justiça e paz…

De tanto ver explodir bombas, resolvi pegar no pé do Raimundo Correia e parodiar sua famosa poesia “As Pombas”, sob novo título: AS BOMBAS

Vai-se a primeira bomba atirada…
Vai-se outra… mais outra… enfim dezenas
De bombas são lançadas, apenas,
Surge na esquina o povo, em passeata…
Mais tarde, quando a rígida armada
Largando as faixas e usando as pernas,
Baixa o cacete sem dó e sem ter pena,
Foge o povo, em bando e em retirada…
E assim os camburões, onde amontoam
Os presos, um a um céleres voam,
Rumo às celas, porões e aos “currais”;
Fichadas as pessoas. eles as soltam,
Partem, mas, às passeatas elas voltam,
Pois a voz do Brasil não calam mais!

Sei que é triste parodiar uma poesia que fala de pombas, animais que representam a paz, falando em bombas, que são armas de guerra; mas, o que fazer? Estamos nos aproximando de 1984 quando, tal como no livro profético de George Orwell, que tem como título essa data, “o ódio será amor, a mentira será verdade, a guerra será a paz…”

Como eu gostaria de ver um mundo diferente, onde revoadas de pombas surgissem no céu, no lugar de revoadas de aviões de guerra… mas; o mundo em que Raimundo Correia viveu já não mais existe. Os sonhos de paz e de um mundo melhor, ao inverso das pombas “Que voltam aos pombais”, “aos corações não voltam mais”.

04/08/1980 – Dicionário do futebol

Peço licença aos colegas Walter do Valle e Márcio Uchoa, para falar de futebol. É que eu bolei um dicionário de gíria futebolística, que é assim:

ABAFAR: exercer pressão sobre o time adversário. O PDS é mestre na arte do “abafa”. Mas a oposição ainda vai virar o jogo…
ACARICIAR: movimentar a bola com jeito, esperando o tempo passar. É o mesmo que o Governo anda fazendo com a tal “abertura”…
ACERTAR: Chutar com acerto ou precisão. D*lfim não dá um chute certo.  Chutou que a inflação deste ano ia ficar em 45% e ela já passou disso longe!
AÇOUGUEIRO: Jogador violento e brutal. O mesmo que torturador do Deops e do Doi-Codi, antes da “abertura”.
ADEUS: passe mal-feito. Foi o que aconteceu, quando passaram o Ministério da Fazenda para o G*lveas.
AÉREO: jogada pelo alto. Andre*zza é mestre nessas “altas jogadas”.
AFINAR: fugir do jogo duro. É o que o M*luf anda fazendo, depois das últimas vaias, seguidas de violenta repressão.
AGARRAR: pegar bem a bola. Tem muito ministro que está agarrando a bola com tudo, mas ela teima em lhe escapar das mãos.
AGREDIR: chutar o adversário ou o juiz. Mais detalhes sobre agressão, falar com o João. O caso de Florianópolis ainda está mal explicado…
AGRIÃO: zona perigosa, onde a grama não vinga (nem o agrião, que é duro de matar com o pé). Atualmente, a questão das eleições municipais está na zona do agrião.
ÁGUA: Fazer água é ser ineficiente na defesa. Na prática, é um precioso líquido que costuma faltar na periferia, apesar das promessas dos políticos
AGUDO: chute de bico. O que o João faz, vez por outra. O Couto sempre grita: – “Chuta de bico, que o jogo é de taça!” – (Arroste).
AJEITAR: Colocar a bola com jeito. É o que o governo está tentando fazer, com relação ao adiamento das eleições.
ALÇAPÃO: Pequeno estádio, onde a turma faz pressão sobre o adversário. É o mesmo que o estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo…

06/08/1980 – Agosto, mês do desgosto

Tradicionalmente, agosto é o mês mais azarado do ano. Mês do desgosto, de cachorro louco e de grandes desgraças. Na crença popular, o maior azar do mundo é nascer numa sexta-feira, 13 de agosto. É um mês no qual quase ninguém se casa e, tradicionalmente também, ocorrem golpes no cenário político nacional.

Ninguém pode se esquecer que Getulio Vargas suicidou-se (?) num dia 24 de agosto, enquanto que Jânio Quadros renunciou a presidência da República num dia 25 do mesmo mês. Foi em agosto, também, que se iniciou o processo de revolta que levaria à revolução de 1930, apos o assassinato de João Pessoa.

É a época em que o Congresso Nacional Volta às atividades normais, após as férias de julho. É o período em que são feitos grandes pronunciamentos políticos e, terminado o recesso parlamentar, as brigas políticas se reacendem com toda a sua intensidade.

Para o governo atual, é um período extremamente difícil. A inflação, que deveria ficar em torno de 45%, de acordo com o mago dos números, o Prof. D(*)lfim, já passou dos 100%, este ano. Estamos importando feijão e outros alimentos de primeira necessidade, visto que a política da soja, tão alardeada um ano atrás, fracassou redondamente.

Em um importante Estado da União, um governador cujo nome não desejamos reproduzir, por razões de decoro, está montando uma verdadeira tropa paramilitar, visando acabar com a “abertura” e iniciar um processo de “fechadura”, que só interessa a ele, visto que, pelo voto do povo, o citado senhor jamais será eleito, nem mesmo para vereador de Caraminguá da Serra.

Nos USA, fala-se que Ronald Reagan, ex-ator canastrão de cinema e, atualmente, representando o papel pior de sua carreira, o de porta-voz da extrema-direita norte-americana, esta ganhando terreno e pode até ser eleito presidente, para a desgraça de todos. Cuidado, .povo brasileiro! Cuidado, liberais de todo o mundo; é agosto e as bruxas estão soltas…

07/08/1980 – Somos todos estrangeiros

Pelo “Estatuto dos Estrangeiros”, bolado pelo Governo, todo e qualquer elemento, que não seja natural da terra e se envolva em política, pode ser imediatamente expulso do País.

Pena que os índios, em 1500, não sabiam ler nem escrever, para fazer um estatuto desse tipo… assim, os portugueses, franceses, holandeses, espanhóis e ingleses, que disputavam nossas riquezas, no inicio da colonização, seriam todos expulsos do maravilhoso país de Pindorama (era assim que os silvícolas chamavam esta nação), que era um verdadeiro paraíso na Terra.

E vejam só como está agora a chamada “Ilha de Vera Cruz”, depois “Terra de Santa Cruz” e, finalmente, Brasil… dá pena ver um país, tão vasto e tão rico em recursos naturais, numa pindura de fazer gosto, devendo para Deus e o mundo, pedindo empréstimos de chapéu na mão, com uma imensa dívida externa e interna. Será que deveria se chamar “Pindurama”, agora?

Há poucos dias o general Figueiredo disse que “nada mais nos resta” senão trabalhar para pagar os juros das dívidas do País. A que ponto chegamos! E não faz um mês, ainda, que o papa João Paulo II, no Piauí, olhou para os céus e exclamou: – “Deus, o povo passa fome!”

E agora, está aí o tal “Estatuto dos Estrangeiros”, que visa expulsar todos os que não são brasileiros e que se envolvam em política. Como o “Estatuto” ainda não estava aprovado, o Papa pode vir ao Brasil. Se estivesse, Sua Santidade já seria considerada “persona non grata”, já que o Papa falou em problemas políticos, econômicos e sociais, o tempo todo.

E fica uma pergunta no ar: será que o tal “Estatuto” não visa, justamente, expulsar do Brasil os padres (na maioria estrangeiros) da Igreja Católica, que se envolvem em política ao defender o pobre povo brasileiro?

Quem souber a resposta que fale agora, ou se cale para sempre! O “Estatuto” acaba de ser aprovado por decurso de prazo, apesar das tentativas de modificação feitas pelos membros da oposição. Se o próprio Governo não modificar essa lei, mais uma vez ficaremos envergonhados perante o mundo! O Brasil se curvará ante as nações…

08/08/1980 – Abominável estatuto

Ontem eu escrevi, brincando, que se os índios tivessem feito um “Estatuto dos Estrangeiros” como o atual governo fez, talvez nossa terra ainda fosse o paraíso de “Pindorama”, como eles a chamavam. Mas, é claro que isso é uma piada, pois foram os imigrantes que ajudaram a fazer o nosso País progredir.

Não cabe aos estrangeiros a culpa pela terrível situação econômica em que o Brasil se encontra, e sim ao governo. Talvez grandes empresas multinacionais, que aqui se instalaram, com suas enormes remessas de lucros para o exterior, tenham ajudado a nos levar à bancarrota, mas jamais os imigrantes, aqueles que aqui vieram pra trabalhar e construir uma Nação.

Primeiro vieram os portugueses, depois os espanhóis, os ingleses, os italianos, os alemães. Mais recentemente, os japoneses, latino-americanos em geral, norte-americanos, franceses, suíços, israelitas, árabes, sírios, libaneses, armênios, poloneses, romenos, austríacos, e tantos outros.

E pensar que o abominável “Estatuto dos Estrangeiros”, aprovado por decurso de prazo e com a cumplicidade do PDS, partiu de um governo que, até poucos anos, tinha como chefes homens com os sobrenomes de Garrastazu Médici e Geisel! E que dizer dos sobrenomes dos atuais ministros e dirigentes das grandes empresas estatais?

Que acham desse “Estatuto” os senhores Abi-Ackel, Delfim, Galvêas,Ueki,Stabile, Penna, Cals, Portella, Andreazza, Venturini; Farhat? Ou mesmo os que têm sobrenome de origem portuguesa, como Arcoverde, Guerreiro, Correia de Mattos, Soares,

Macedo, Carvalho, Fonseca, Jardim de Mattos, Couto e Silva, Beltrão e Figueiredo?

Expulsar pessoas físicas é fácil, quero ver alguém mexer com ITT, Exxon, Volkswagen, Fiat, Telefunken, GE, GM, Ford, Toshiba, Texaco, Shell, Kodak, Kolynos, Gessy Lever, Gilette, City Bank, Sharp, Phillips, etc. É como eu disse: numa visão mais ampla, tirando os índios, somos todos estrangeiros! a) Ivan Saidenberg

09081980 – Dando corda ao gramofone

 

Mordomia aqui me tens de regresso

Depois que a imprensa voltou a denunciar as mordomias, as mansões, os cavalos de raça, os pássaros em viveiros esplêndidos e os carrões com chapa oficial, particular e até fria dos nossos homens em Brasília, o povo está cantando uma paródia da música “Boemia”, que é assim:

“Mordomia, aqui me tens de regresso,
E, suplicante, eu lhe peço,
A minha nova mansão…
Voltei pra rever as piscinas, que um dia
Eu deixei, a chorar de nostalgia,
Me acompanha todo um pelotão…
Mordomia, sabendo que andei distante,
Toda essa gente falante
Vai, agora, ironizar…
Ele voltou, o ministro voltou novamente,
Partiu daqui tão contente,
Por que razão vai voltar?
Acontece que a nomeação, que floriu meu caminho
De ventura, dinheiro e carrinho,
Me oferece um novo carrão…
Com chofer, com mordomo, que vive a sorrir,
Gasolina para eu ir e vir,
Com uísque e com um dinheirão…
Vou rever meu dinheiro, rolando em cascatas,
Vou cantar em novas serenatas
E abraçar meus amigos legais…
E agora, ainda me resta um consolo e alegria,
Vou gozar uma bela mordomia,
Pois é disso que eu gosto mais!

Atenção, gente de Brasília: o povo passa fome, mas ainda sabe rir.

10/08/1980 – O estatuto cheira mal

Como eu já disse, tirando os índios, somos todos estrangeiros, numa visão mais ampla. Eu mesmo sou meio estrangeiro, pois, embora descendente do cacique Tibiriçá, por parte de mãe, descendo de judeus por parte de pai.

Mas, o tal “Estatuto dos Estrangeiros” esta cheirando muito mal! A impressão que dá é que o governo deseja evitar novos sequestros, do tipo do que levou Lilian Celiberti e Universindo Diaz de volta ao Uruguai… Sim, o governo parece querer legalizar os sequestros, devolvendo os fugitivos do chamado “cone sul” da América a seus respectivos países. Já estou com pena dos uruguaios, chilenos, argentinos e outros, que, com visto de turistas, estão no Brasil irregularmente, escapando das polícias secretas e dos torturadores dos seus países de origem, todos sob o tacão de terríveis ditaduras militares.

Sorriem Pinochet, Videla e Aparício Mendez, mas choram milhares de refugados que, se o governo não mudar o “Estatuto dos Estrangeiros”, serão recambiados às suas infelizes pátrias e presos, e até mortos, passando a integrar a já imensa lista de “desaparecidos” existente no Chile, Argentina e Uruguai.

Urge tomarmos providências, para impedir tal desgraça. Além desses infelizes refugiados políticos, ainda temos muitos padres e bispos estrangeiros no Brasil, que têm trabalhado em favor do povo sofrido de nosso País. Se esses religiosos não se calarem, Serão todos expulsos, dando fim ao seu longo e árduo trabalho em favor de camadas pobres da nossa população, justamente as mais carentes e vítimas das maiores injustiças e arbitrariedades.

É mister de que o próprio governo revogue a lei recentemente aprovada por decurso de prazo e com a cumplicidade de membros do PDS (Partido Da Servidão?), que não compareceram ao Congresso Nacional para votar. General Figueiredo, revogue o “Estatuto dos Estrangeiros”, ou estaremos expostos à vergonha perante todas as nações civilizadas do mundo!

11/08/1980 – Dicionário do futebol

Hoje vamos dar continuidade ao nosso dicionário da gíria do futebol:

ALUGAR – Ceder, ocupar o passe por tempo indeterminado. O governo está nos alugando, com essa história de prorrogação de mandatos ou intervenção.
ALVO – Objetivo, meta. O alvo do M(*)luf é acabar com a “abertura” e promover a “fechadura”, golpeando a “democracia” do governo.
AMARELAR – Perder a coragem. É o que está acontecendo com muitos jornaleiros, que estão amarelando diante das ameaças de bombas dos terroristas.
AMARRAR – Fazer cera. Mais uma vez, o governo está amarrando a questão das eleições municipais de 1980.
AMOLECER – Fazer corpo mole. É o que os operários do ABC estão fazendo, já que foram proibidos de fazer greves. O lema deles é: devagar e sempre.
APAGAR – Os últimos instantes de uma partida são o “apagar das luzes”. Estão apagando a luz no fim do túnel, para azar do povo brasileiro.
APITO – (Ganhar no) – Vencer partida com ajuda do juiz. É o que o PDS costuma fazer, na votação de projetos no Congresso Nacional.
APRONTAR – Provocar confusão. É o que o governo fez, com a reforma partidária. Só que a confusão foi tanta, que muitos saíram do PDS e foram pro PP.
ARANHA – Jogador arredio. O mesmo que terrorista de direita, que estoura banca de jornal e depois some; a policia, pra variar, não tem pistas.
ARARUTA – Refrão cantado em conjunto, pelo povo, para vaiar o juiz. A última rima encerra uma injúria. – O mesmo que “um, dois, três, M(*)luf no xadrez!”
ARÍETE – Atacante impetuoso. O mesmo que membro do pMDB, que ataca o governo e denuncia as aleivosias e as mordomias dos altos escalões.
ARRANCADA – Ação ofensiva e súbita. O pMDB já deu sua arrancada e, em 1982, vai chover votos para esse partido, nas urnas, se houver eleições, é claro.
ARRANCA TOCO – Time de várzea. O mesmo que PDS – um esquadrão sem classe.
ARREPIAR – Entrar com violência sobre o adversário. Os terroristas de direita estão fazendo coisas de arrepiar, contra a imprensa alternativa.
ARTISTA – Jogador que faz jogadas bonitas, mas nem sempre necessárias. O mesmo que D(*)lfim N(*)tto.

12/08/1980 – Anúncios desclassificados

Vamos inaugurar em nossa coluna um serviço de utilidade pública para os nossos leitores. Trata-se do nosso serviço de ANÚNCIOS DESCLASSIFICADOS, vamos publicar hoje o primeiro, vindo por carta:

Terreninho na América do Sul

Vende-se, urgente, por motivo de dívidas insolúveis e insolventes, um terreninho na América do Sul, pela melhor oferta. O terreno mede, de sul a norte, cerca da mesma distância que mede de leste a oeste, em sua maior extensão. Todavia, é uma área um tanto irregular.

Trata-se de terra excelente para o plantio de qualquer tipo de cereais, verduras e arvores frutíferas. Conta com matas, rios, lagos e cachoeiras, muitas nascentes de água cristalina e, do lado leste, confronta com o mar, numa vasta região cheia de praias maravilhosas.

Conta também com áreas grandes para pasto e excelente para a criação de qualquer tipo de gado, seja bovino, ovino ou caprino. Acredita-se ser uma região rica em minerais, desde ferro ao manganês, havendo a possibilidade de se encontrar até petróleo, em certas áreas ainda não muito bem delimitadas. Já foi muito rica em ouro e pedras preciosas, mas não conta com reservas de vulto, atualmente, em virtude de ação predadora de elementos estranhos e inescrupulosos.

Os interessados deverão enviar suas ofertas para Brasília, em envelope lacrado e confidencial, no sistema de concorrência pública, aos cuidados do Dr. Netto. Garante-se sigilo absoluto.

PS-: Por um lapso de nossa parte deixamos de registrar, no anúncio acima, a área do terreninho, que é de 8.511.965 Km2. Desculpem.

Vende-se, troca-se, ou dá-se de graça o aparelho acima. Oferece-se um prêmio, também, para quem descobrir do que se trata e para que isso aí serve.

13/08/1980 – Anedotas do Salim

Dentro do anedotário político nacional, as anedotas do Salim têm particular destaque. Como uma piada velha para uns pode ser nova para outros, vamos contar algumas delas:

Dizem que o Salim morreu e foi bater na porta do céu, junto com mais um outro político de estaque (parece que eles viajavam no mesmo avião, que caiu, sei lá). São Pedro os atendeu muito bem, mas disse: – A moda aqui no céu, agora, é cavalo! Só entra quem tiver um cavalo bem bonito!

O outro político ficou muito sorridente e confiante, pois um de seus muitos cavalos também estava sendo transportado no tal avião que caiu. Ele chamou o espírito do cavalo, montou-o e, garbosamente, foi entrando no céu. Quando ele já estava junto à porta, ouviu um galope e, voltando-se, deparou com o Salim, que vinha montado num magnífico corcel ajaezado, todo branco.

O Salim passou pelo outro cavaleiro e entrou no céu, numa disparada só. São Pedro, ao ver a cena, ficou muito surpreso e disse: – Meu Deus, que cavalo bonito! Eu só vi um cavalo tão lindo assim uma vez… Onde é que foi, mesmo?

Nisso, veio São Jorge correndo, a pé, e gritando: – Meu cavalo! Pega! Pega ladrão!!!

Esta outra também é boazinha: O Salim estava viajando pelo interior, com um belíssimo automóvel com chofer, quando o carro quebrou. Enquanto o motorista reparava o veículo, o Salim viu uma casinha de caboclo, ali perto, e resolveu pedir um pouco de água, pois ele estava com sede e no bar de seu carrão só tinha uísque.

A dona da casa o atendeu e, ao saber de sua sede, gritou para um moleque: – Salim, vá buscar água para o doutor! – O Salim ficou muito surpreso e perguntou: – O nome desse menino, também é Salim, dona?

Ao que a mulher respondeu: – Não é não, seu doutor; o nome dele é Zé… Salim é o apelido, porque esse garoto é ladrão, que só vendo!

14/08/1980 – Os não identificados

Na calada da noite, elementos não identificados estão ameaçando jornaleiros e explodindo ou queimando bancas de jornais que vendem os chamados “semanários nanicos”, ou seja, os representantes da imprensa alternativa e independente.

A princípio, tudo parece ser apenas uma brincadeira de mau gosto, mas, por trás dessa aparência, paira uma terrível ameaça contra a imprensa livre. Parodiei uma música do compositor Sidney Miller (há pouco falecido), para protestar contra esse estado de coisas. A parodia é assim:

“Vai, vai, vai começar a brincadeira/ Tem, tem bomba estourando a noite inteira,/ Tem, tem, tem terrorista na cidade,/ Eles querem calar nossa Liberdade!

Faço versos aos jornaleiros,/ Que eles são gente fina,/ Ninguém vai calar a boca/ Da imprensa pequenina;/ Mas a polícia, até agora,/ Se agiu, foi na surdina;/ Quem tem medo pula fora,/ Quem não tinha já afina,/ E as bombas só terminam/ Quando a noite vai-se embora…

Vai, vai, vai continuar a brincadeira,/ Tem, tem bomba estourando a noite inteira,/ Tem, tem, tem terrorista na cidade,/ Eles querem calar nossa Liberdade!

Faço versos pro covarde,/ Que na vida já fez tudo/ E hoje virou terrorista,/ Desordeiro e vagabundo;/ E que pensa que com bombas,/ Causará terror profundo,/ Mas não sabe que o povo,/ Está unido e vai mais fundo,/ E que um dia a Liberdade,/ Reinará em todo o mundo…

Vai, vai, vai terminar a brincadeira,/ A imprensa está coesa e está inteira,/ Não será com dinamite e com maldade,/ Que irão calar a voz da Liberdade!”

É isso aí, desordeiros! Não há de ser destruindo algumas bancas de gente simples e trabalhadora que calarão a imprensa independente, livre e denunciante do arbítrio e dos desmandos dos que não desejam a democracia. Às ruas, estudantes, intelectuais e artistas! Vamos ajudar a vender, em praça pública, os jornais alternativos. Não nos calarão!

15/08/1980 – O Poder Econômico e o Povo

O povo brasileiro é, talvez, o mais irreverente e gozador do mundo, a ponto de gozar com a própria desgraça. Vejam só esta joia do anedotário político nacional:

O Juquinha nem bem estava no primeiro ano e já recebeu uma aula de “Moral e Civismo”, na qual a professora falou de Governo, poder econômico, povo e Nação. O Juquinha, coitado, não entendeu nada e resolveu pedir melhores explicações a seu pai, depois da escola.

O pai sorriu e deu a seguinte explicação: – É o seguinte, Juquinha: vamos tomar como exemplo a nossa casa, onde o poder econômico sou eu, porque trabalho fora e recebo dinheiro para pagar todas as despesas da casa. Já o Governo é a sua mamãe, pois ela cuida de tudo, paga as contas, o salário da empregada, faz a feira, etc. A empregada é o povo, já que é ela quem faz todo o trabalho da casa, limpando, lavando roupa, fazendo comida e assim por diante. Agora, você é a Nação, uma vez que todos nós juntos, poder econômico, Governo e povo trabalhamos para ver você crescer forte e bonito, saudável e instruído!

Maravilhosa explicação! O Juquinha entendeu quase tudo e foi dormir. Acontece que, alta madrugada, o menino borrou-se todo na cama e, muito agitado, foi pedir ajuda à sua mãe. Entretanto, a mãe estava ferrada no sono e o menino não quis despertá-la. Juquinha estranhou a ausência do pai na cama do casal, mas deduziu que ele tinha saído para o trabalho e resolveu pedir ajuda à empregada, que dormia no quarto dos fundos. Qual não foi a surpresa do menino, ao abrir a porta do quarto e deparar com seu pai na cama da empregada.

O pai, muito sem graça, tentou disfarçar, mas não dava. A empregada deu um grito e cobriu-se com o lençol, mas o Juquinha nem se abalou, e disse: – Agora eu já entendi tudo mesmo, pai… o negócio é o seguinte: enquanto o Governo dorme profundamente, o poder econômico ferra o povo e a Nação fica na m…

16/08/1980 – A composição do Juquinha

Meu filho, que tem dez anos e estuda em colégio público, veio me mostrar uma composição de um colega dele, o Juquinha, que é assim:

“O IMPOSTO DE RENDA:

O Imposto de Renda, é um negócio muito engraçado, porque o meu pai que vive de salário e não tem renda nenhuma paga e o patrão dele, que vive da renda do trabalho do meu pai não paga, porque ele faz uma coisa muito esquisita que chama balanço, só que não é pras crianças balançarem coisíssima nenhuma e diz que a firma dele deu prejuízo.

Eu li uma revista muito bonita chamada Vamos Construir Juntos, de onde eu recortei uma folha e lá diz que o governo somos nós, só que eu acho que esqueceram de botar o meu pai nesse governo aí. A minha mãe falou assim que é para o meu pai largar de ser pedreiro e entrar pra Pe-Mê, que ele vai ganhar mais, além de ter uma farda muito bonita e um revólver e um cassetete e um capacete. Ai meu pai disse que não queria, porque achava que ia ter de bater no povo, qualquer dia, só porque o povo não tem feijão e faz passeata. Aí minha mãe falou que, por falar nisso lá em casa também não tinha feijão e nem arroz e nem farinha e nem mistura e nem ovo, e que meu irmãozinho, que ainda é neném, não tinha leite pra por na mamadeira porque estão escondendo o leite.

É por isso que eu vou na escola para ver se ganho a merenda senão eu vou ter de vender “chicrete” no farol para poder comer um sanduíche de “mortandela” no bar do Seu Mané. Só que diz que andou faltando verba pra merenda porque o seu Malufi cortou.

Então a minha mãe disse vai trabalhar de engraxate, menino, que dá mais certo. Só que eu tenho medo de arrumar uma profissão porque na revista Vamos Construir Juntos diz que quem trabalha, tem que pagar Imposto de Renda.

Aí eu disse que eu ia virar ladrão quando eu “crecesse”, e meu pai me deu um pé de ouvido. Ele falou assim para eu continuar a estudar e ficar numa boa que nem o seu Malufi no futuro. Eu não vejo onde que está a diferença”.

17/08/1980 – O Fantasma da intervenção

Foi o “Nostradamus do/Planalto” quem disse: – “Se quem é da oposição,/ Obstinado, continuar na posição/ Que tomou, em recesso entrarão/ As câmaras das municipalidades,/ Os alcaides mores sairão/E os interventores, então,/ Tomar-se-ão duras realidades”.

Ibrahim, o Profeta, escreveu essa obra prima enquanto recebia “o santo”, nos idos de maio próximo passado. Embora em linguagem obscura e cifrada, conseguimos interpretar o texto acima da seguinte maneira: – “Se as oposições continuarem obstinadas na posição que tomaram, lamentavelmente, as câmaras municipais entrarão em recesso e os atuais prefeitos cederão lugar a interventores”.

Acontece que as oposições continuam obstinadas na posição que tomaram: a de defender a realização das eleições para prefeitos e para vereadores, em todos os municípios, conforme reza a nossa Carta Magna, a 15 de novembro de 1980. Nossa Constituição já foi por demais desrespeitada, nos idos negros do AI-5, e não pode ser rasgada como se fosse um papel sem valor. Assim, não creio que as oposições (pMDB, PP, PDT, PTB, PT) reunidas permitam que haja a prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores. Dessa forma, paira sobre nossas cabeças um terrível fantasma: o espectro da intervenção nos municípios!

Agora, o “Nostradamus do Planalto” se contradisse, desfazendo a sua própria profecia. Em novo pronunciamento, após receber algum outro santo, o iluminado Profeta afirmou que não mais ocorrerão as intervenções nos municípios, posto que, de acordo com suas novas profecias, as oposições já se renderam ao inevitável: a prorrogação dos mandatos dos prefeitos e vereadores.

Sei lá, profeta que profetiza e depois desprofetiza não é muito digno de crédito. Alerta, povo brasileiro! Alerta, partidos da oposição! “Nostradamus do Planalto” pode estar vislumbrando novas formas de golpear a nossa já tão golpeada Constituição. No velho Nostradamus eu confiava, pois era o tempo que um fio de barba valia como palavra. Este novo nem barba tem…

18/08/1980 – Dicionário do futebol

 

ASPIRANTE – Jogador que procura atingir a equipe principal. Também político em véspera de eleição. O M*luf aspira chegar à presidência pelas vias indiretas, mas não passa de um mero aspirante, é o que todos esperamos.
ASSALTO – Diz-se que foi cometido um “assalto” quando o juiz beneficia um dos times, em prejuízo do outro. Também é coisa muito corriqueira nas ruas das grandes cidades, e há assaltantes de terno e gravata que nos assaltam de uma penada, com decretos que achatam os salários dos trabalhadores.
ATACANTE – Jogador que atua na linha de frente. O mesmo que terrorista de direita, que destrói com bombas as bancas de jornais, jogando na linha de frente duma certa “Falange Pátria Nova”. Esperamos que esse tipo de atacante seja expulso de campo. Cartão vermelho para ele!
ATADURA – Faixa de pano que envolve ferimentos dos jogadores. Envolve também, via de regra, a cabeça dos operários, em tempos de greve.
ATESTADO LIBERATÓRIO – Cessão de direitos sobre um jogador que pertencia a determinado clube. Certos ministros, da área econômica do governo, vão receber “atestado liberatório”, já, já… E nós vamos morrer de rir.
ATRASAR – Tocar a bola no sentido contrário. O governo está tentando atrasar as eleições de novembro, mas vai acabando por marcar gol contra…
AUTORIDADE – Pessoa que tem poder de decisão num clube, ou tribunal desportivo etc. Quando se trata de apurar os atentados da direita contra a liberdade de imprensa, descobrimos que não há nenhuma autoridade competente.
AVANTE – O mesmo que atacante. Todavia, o povo anda gritando: – “Avante, avante! Não pode haver retrocesso no processo de abertura!”
AVENIDA – Zagueiro que marca de um modo ineficiente. O mesmo que ministro da área econômica, que deixa a inflação passar de 120% e não faz nada.
AZARÃO – Time cuja vitória é altamente improvável. O mesmo que PDS.
AZOUGUE – Jogador ágil, rápido, perigoso e imprevisível. Cuidado com o maior “azougue” dos últimos tempos: o M*luf é um terrível perigo. Cuidado!

19/08/1980 – Dando corda ao gramofone

Este “País Tropical”

Com muita saudade dos bons tempos, o povo está cantando uma paródia da música “País Tropical”, de Jorge Bem, que é assim:

PAÍS QUE VAI MAL

Moro num país que vai mal,
Peço, pelo amor de Deus,
Que acabe logo esta incerteza,
Mas que dureza!
Em fevereiro (em feverê)
Nem vou ter carnaval,
Perdi meu fusca e meu violão,
Botei no prego até minha nega,
Chamada Teresa…
“Seu” João, “Seu” João
Pode não ser um grande líder, (pois é)
Mas seus amigos, seus camaradinhas o respeitam; (pois é)
Apesar de toda a carestia,
Do poder do “Seu” Delfim
E das mordomias…
(E agora, everibode🙂
Mó, num pá que vá má,
Pé, pelo amô de Dê,
Que acá ló está incertê,
Ma que durê!
Em feverê (em feverê)
Nem vô tê carná
Per me fu e me viô,
Bo no pré até mi nê,
Chamá Terê

É, conseguiram acabar até com a esperança e a alegria do povão…

20/08/1980 – Ele vai cair do cavalo

Ronald Reagan, candidato do Partido Republicano à presidência dos USA (e abUSA) foi, na juventude, “astro de cinema” segundo as agências noticiosas. Segundo essas mesmas agências, cujo noticiário tem sido amplamente noticiado pela Rede Globo, Reagan já ganhou, posto que o outro candidato, James Earl Carter, o atual presidente, anda desprestigiado.

Mais uma mentira que tentam impingir ao povo brasileiro! As eleições nos USA (e como abUSA!) são importantes para nós, posto que somos, muito infelizmente, quarto de despejo do nosso grande “Tio do Norte”. Os reacionários, aqueles que não desejam o triunfo da democracia, os mesmos que atiram bombas nas bancas de jornal e que espancam juristas e parlamentares liberais, que explodem carros e dão tiros em janelas de deputados, estão é torcendo os fatos, posto que estão torcendo (no duro) pela vitória de Reagan.

Ronald Reagan não foi um grande astro e sim um canastrão insignificante, que ficou pouco conhecido, interpretando papéis secundários, onde era sempre policial ou “cowboy”. Hoje está interpretando o pior papel de sua fraca carreira: o de porta voz da extrema direita americana, dos neonazistas e da Klu-Klux-Klan, que odeiam os negros e os judeus, os comunistas e os democratas, os liberais e todos aqueles que desejam ver um mundo mais justo, mais pacífico, mais feliz…

Mas, James Earl Carter, o popular “Jimmy”, não está derrotado de antemão, como querem nos fazer acreditar. Pelo contrário, conta com o apoio de Edward (Ted) Kennedy e de todos os liberais do Partido Democrata, que são renhidos inimigos das ditaduras latino americanas, e incansáveis lutadores pelos direitos humanos!

Tremei, tiranos! Gemei, Pinochets, Videlas, Stroessners, Aparícios e Mazas da América Latina! Jimmy Carter vai se reeleger e vocês todos vão para o espaço, juntamente com o velho e canastrão “cowboy” Ronald Reagan, que já deveria ter pendurado as esporas há muito tempo. Em novembro, veremos a vitória da Democracia… esse velho “cowboy” vai cair do cavalo!

21/08/1980 – Um projeto carinhoso

O “Projeto Pixinguinha”, que nos tem sido trazido através de um convênio com a Secretaria Municipal de Cultura, é uma das melhores coisas que já foram vistas em Campinas, nos últimos anos.

Além de muito acessível (ingressos a Cr$ 100,00), o projeto nos brindou, recentemente, com grandes nomes da nossa música popular, como Moreira da Silva, Dicró, Mongol, Elizeth Cardoso, Carmem Costa, Wandelley Cardoso e muitos outros, no Centro de Convivência.

Agora nos trouxe Emilinha Borba, Eduardo Dusek e Tânia Alves, misturando samba, rumba e carnaval, novos valores com antigos, humor carioca com uma boa dose de “malandragem” no bom sentido, é claro.

Foi uma excelente oportunidade para o povo de Campinas (principalmente os jovens) conhecerem Emilinha, que já foi a “Rainha do Rádio” e a “Favorita da Marinha”, cantou para presidentes da república (no tempo em que eles eram eleitos pelo povo) e já fez milhares de “shows” pelo Brasil.

Dusek já é um “pô louca”um exemplo da criatividade da nova geração, o homem que fez o Maracanãzinho quase vir abaixo (de tanto rir) com sua música “Nostradamus”. Versátil e inteligente, tem muito a dizer aos jovens.

Tânia veio do teatro e do cinema (Cabaré Mineiro) e é uma revelação como “falsa rumbeira”, ou seja, como as antigas rumbeiras brasileiras que imitavam as cubanas e mexicanas nos anos 50. Não percam o próximo, com Nana Caymmi, João Bosco e Cláudio Nucci, que será o último do ano.

Enfim, eis aí o “Projeto Pixinguinha”, um projeto carinhoso.

22/08/1980 – Turma da Asa Negra

Ontem houve um grande ato público contra o terror da direita, e como Gonzaga e Gonzaguinha passaram por Campinas, fazendo um excelente “show” no ginásio do Guarani, em homenagem a todos os participantes do ato, resolvi fazer uma paródia da música que foi o maior sucesso da vida do “Rei do Baião”, Luís Gonzaga (pai), a famosíssima “Asa Branca”, que é assim:

ASA NEGRA

“Quando eu vi a banca ardendo,
Depois de uma explosão,
Eu perguntei a Deus do céu:
Quem fez tamanha destruição?
Que braseiro, que fornalha,
Não escapou nem a “VISÃO”…
Por falta d’água e de bombeiros
Queimaram até nossa “ILUSÃO”!
Essa turma é uma ASA NEGRA
Ameaçando esta Nação…
Querem calar a Imprensa Livre,
Nos reduzir à escravidão!
Está longe, muitas léguas,
A “abertura” do João…
Mas sei que a Imprensa irá pra luta,
Para acabar co’ a corrupção!
Quando o verde da esperança
Ressurgir no meu Torrão,
Eu te asseguro, não chores não, (viu?)
A voz da Imprensa não calarão!”

A turma da ASA NEGRA quer ver ressurgir o nazi-fascismo, que pretendia escravizar o mundo por mil anos, dentro da doutrina do louco ADOLF HITLER e do bufão BENITO MUSSOLINI. Mas estou certo de que a ASA BRANCA da democracia e da liberdade acabará por triunfar!

24/08/1980 – Getúlio e a carta

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenadas, novamente, se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto (…) Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida (…) Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão, aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”

Hoje, 26 anos atrás, Getúlio Vargas teria se suicidado no Palácio do Catete, no Rio, e deixado uma “Carta Testamento”, da qual extraí trechos, acima reproduzidos. A figura de Getúlio é controversa: tirano, para uns, herói para outros. O que importa é que ele disse que “o povo não mais será escravo de ninguém”… há 26 anos eu venho rezando para que isso aconteça um dia. Não sei quando, só espero que venha a acontecer – quem sabe?

25/08/1980 – Dicionário do futebol

BABA – Jogador afastado do time principal. O mesmo que Sim(*)sen.
BAGAÇO – Jogador que não é mais aproveitável. É a mesma coisa que Ri(*)chbieter.
BAGRINHO – Jogador de divisão inferior. É a mesma coisa que N(*)tal Gale.
BAIANA – Jogador que fica parado no campo com as mãos nas cadeiras. O mesmo que Cami(*)o Penna.
BAILE – Troca de passes no final do jogo, dado pelo time que está ganhando, para desmoralizar o adversário. O pMDB vai dar um baile no PDS, em 1982.
BALAÇO – Tiro forte e violento a gol. Também disparo feito contra operários piqueteiros, em dias de greve. Santo Dias da Silva levou um no peito…
BALANÇAR – Sacudir, criar perigo.// – o coreto: ameaçar ou desorganizar o esquema do time adversário. Vamos balançar o coreto do partido do governo.
BALÃO – A bola. Também chute alto, sem direção. Também coisa que sobe muito para depois cair. O mesmo que De(*)fim Neto.
BALÃOZINHO – Jogada que encobre o adversário pelo alto. Sinônimo de chapéu ou lençol. Essa jogada da “NOSSA CAIXA” deu um balãozinho no M(*)luf…
BALEADO – Jogador contundido, fora de forma, mas que continua participando do jogo. O mesmo que Er(*)esto Gei(*)el
BALÍPODO – O mesmo que ludopédio, ou futebol. Balípodo também parece termo usado por político que quer falar bonito e não sabe, tipo Seg(*)lio.
BANCADA – Arquibancada, ou a torcida. A bancada do PDS só torce contra o povo e costuma abandonar o local do jogo, para nos sacanear.
BANCO – Local de assento dos reservas. Também local, na Suíça, onde certos políticos do governo estariam colocando grande somas de dinheiro…
BANDA – Rasteira, pernada, chute com o lado do pé. O rei da rasteira é, mais uma vez o M(*)luf. Passou a perna no Natal e agora passa a mesma perna no povo.
BANDEIRA – Símbolo de um time ou agremiação.Mas já tem muito terrorista de direita dando bandeira… qualquer hora, eles vão se dar mal.
BANDEIRINHA – Auxiliar do juiz. Também símbolo de agremiação sem importância, tipo PDS.
BANDEJA – Entregar a bola com facilidade para o adversário. O governo anda entregando a Amazônia de bandeja, para as multinacionais.
BANDIDO – Jogador violento e desleal. Tem um certo governador jogando de bandido com o povo, mas se esquecendo que lugar de bandido é no xadrez.

26/08/1980 – 7, conta de mentiroso

Diz o folheto do 7º Salão de Humor de Piracicaba: “7 não é conta de mentiroso… e para provar que isso é uma enorme ‘mentira’, estamos trabalhando há vários meses no 7º Salão de Humor de Piracicaba, que está de cara nova. Queremos que você venha tirar a prova dos nove aqui, assistindo e participando de nossa programação”.

Como todos podem ver, a própria Coordenadoria de Ação Cultural, responsável pelo salão, se contradiz ao usar as duas primeiras frases, pois diz que “7 não é conta de mentiroso” e depois prova que isso é uma enorme mentira! Fui lá tirar a prova dos nove, assisti à inauguração do salão número 7 e lhe dei nota zero.

Para começar, este ano o salão foi bolado com um tema obrigatório: MULHER. Para continuar, baixei o pau nessa má ideia de limitar a criatividade dos cartunistas concorrentes, num artigo intitulado “Tá com medo, tabaréu?”, datado de 23/05/80, pois eu considerava, na ocasião, que a intenção dos responsáveis pela mostra de humor era desviar a atenção dos artistas para sexo, já que, infelizmente, na nossa sociedade machista, a MULHER, que deveria ser um assunto altamente político, é vista ainda como mero objeto sexual. E agora ficou provado que eu tinha razão: o 7º Salão de Piracicaba mais parece uma mostra de pornografia dinamarquesa…

Foram tantos os protestos que, na última hora, a diretoria do salão liberou o tema, mas, dos seis trabalhos premiados, apenas um não era sobre o tema MULHER. Um dos organizadores do salão (cujo nome não citarei, por questão de ética) me confidenciou que a comissão julgadora resolveu premiar um cartum de tema livre, só para não dar na vista.

Como premiado no salão do ano passado (júri popular) e piracicabano, só posso lamentar tudo isso. O Salão Internacional de Humor de Piracicaba está tal e qual a ilustração escolhida para ser seu símbolo, este ano: um palhaço de monociclo, andando numa corda bamba sem começo e nem fim, que ele próprio está traçando no ar…

27/08/1980 – Vamos reconstruir o teatro

Na minha infância tive a felicidade de conhecer o Teatro Municipal Carlos Gomes, maravilhosa casa de espetáculos, que era o reino das musas da arte cênica, da música sinfônica, da ópera e da opereta. Salão nobre para a entrega de diplomas, reuniões solenes da Prefeitura, etc., o Teatro Carlos Gomes era um dos maiores monumentos à cultura de Campinas.

Localizado bem no centro, logo atrás da Catedral Metropolitana, a belíssima casa de espetáculos era construída no melhor estilo dos teatros da Europa, pois tinha lustres de cristal, pisos de mármore, estátuas de rara beleza, querubins pintados a ouro, camarotes maravilhosos e um pano de boca onde se via o imortal Antônio Carlos Gomes compondo “O Guarani”, “O Escravo” e outras de suas grandes óperas…

Ele fazia frente para a Rua José Paulino e era ladeado pelas ruas 13 de maio e Costa Aguiar, ficando bem no centro do atual convívio. E estaria ali até hoje, se um certo prefeito pela “ARENA” (de triste memória cujo nome não citarei por questão de decoro), não tivesse resolvido derrubar o Teatro Carlos Gomes, baseado num estranho laudo técnico que afirmava haver cupins no madeirame do telhado.

Como Campinas já havia sofrido um lamentável acidente, na década de 50, quando desabou o telhado do Cine Rink, esse “inteligentíssimo” alcaide mor resolveu, em vez de trocar o madeirame, derrubar todo o prédio! De nada adiantaram os protestos do povo campineiro, das pessoas ligadas à cultura em geral, e à arte teatral em particular… As picaretas do “progresso” colocaram a obra de arte no chão, em pouco tempo, em 1966.

Agora eu proponho ao povo da minha terra: VAMOS RECONSTRUIR O TEATRO CARLOS GOMES! Sim, vamos reerguer o prédio tal e qual era, igualzinho nos mínimos detalhes, baseando-nos em fotos do V8, em plantas que estão nos museus, na miniatura do pano de boca que está no museu do Bosque dos Jequitibás, etc. Vamos lançar uma grande campanha em prol dessa reconstrução, mesmo que a prefeitura não tenha verbas suficientes para tanto; vamos pedir donativos às grandes empresas que operam em Campinas e mesmo ao bravo povo campineiro, para reerguer esse monumento à tradição da arte.

A Prefeitura poderia doar um terreno em local adequado, com fácil estacionamento, para reerguer o Teatro Carlos Gomes. Mãos à obra, campineiros!

28/08/1980 – Dando corda ao gramofone

Todos devem conhecer “TEREZINHA” de Chico Buarque de Holanda. Hoje, a paródia se chama “PREFEITURA” E É ASSIM:

“O primeiro me chegou como sendo um idealista,
Trouxe um monte de promessas, porém era um vigarista…
Fez um monte de tramóias; que esperteza que ele tinha!
Disse que, sendo princesa, me faria uma rainha…
Me deixou tão arrasada, até o último tostão,
Quase que não sobra nada… Seu Laurinho, essa não!
O segundo me chegou com apoio popular,
Trouxe um monte de projetos que não pode realizar…
Foi consertando o meu passado, remendando a minha vida,
Foi pedindo afastamento, dando a causa por perdida…
Me encontrou tão desfalcada, que lavou a sua mão,
Seu esforço deu em nada… Seu Chiquinho, foi em vão!
O terceiro vai chegar como quem chega do nada,
Talvez nem me traga nada, porém nada irá levar…
Nem sei como ele se chama, seja lá o que Deus quiser,
Mas eu já estou preparada para o que der e vier…
E um projeto sorrateiro deixa esta indagação:
Quando é que esse posseiro vai ganhar meu coração?

Acho que deu para todo mundo entender: a luta, desta vez, não é só para escolher um bom prefeito que corrija os desmandos do primeiro, ou solucione os problemas que o segundo não conseguiu solucionar… a luta é pela realização de eleições diretas a 15 de novembro de 1980, conforme reza a nossa sagrada Carta Magna. Campineiros, vamos lutar pelo cumprimento do calendário eleitoral! No dia 15 de novembro, se não houver eleição, vou colocar urnas nas praças públicas e fazer um plebiscito, pois o Governo precisa saber se o povo de nossa cidade concorda ou não com essa palhaçada de prorrogar mandatos de prefeitos e vereadores até 1982. Vamos votar, campineiros!

29/08/1980 – Exemplo do pastor luterano

“Primeiro, os nazistas vieram buscar os judeus, e como não sou judeu, não me preocupei. Depois, pegaram os anarquistas e, como não sou anarquista, também não protestei. Finalmente, chegou a vez dos comunistas: nunca fui comunista, não tinha porque defendê-los. Agora, eles estão chegando para me prender, e não sobrou ninguém para impedir”.

(De pastor luterano, durante a ocupação da Europa pelos nazistas).

Este foi o texto de abertura do manifesto divulgado no dia 21, em Campinas, por diversas entidades estudantis, sindicais e membros da oposição, unidos em torno do mesmo ideal: o do combate ao terrorismo de direita, que tem tantos danos provocado à “abertura” do General Figueiredo. No mesmo dia, foi realizado um ato público no Salão Vermelho da Prefeitura, com a presença do prefeito Francisco Amaral, do vice-prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, dos vereadores Rui Amaral (PDT) e Manoel Moreira (PT), além de líderes sindicais, de Raimundo Ferreira (representante dos jornais alternativos), do deputado Wanderlei Simionato (pMDB) e outras figuras muito expressivas da oposição.

Foi um ato de coragem contra o terrorismo, que culminou com os oradores presentes incitando o povo de Campinas a não aceitar, de braços cruzados, os atentados da direita, que espanca jornaleiros, queima bancas de jornal e comete vários outros atentados contra as liberdades democráticas, bem como contra a liberdade de Imprensa e de expressão.

Não vamos fazer como o pastor luterano, que esperou, de braços cruzados, que os nazi-fascistas tivessem força suficiente para, depois de prender os judeus, os anarquistas e os comunistas, se voltassem sobre os pastores luteranos, bem como contra todos os religiosos (ou não) que não pensavam da mesma maneira que eles.

Como diz o manifesto distribuído no Salão Vermelho, no dia 21, nós não podemos ficar quietos, julgando que os atentados não nos dizem respeito. “Vamos apagar logo este fogo, antes que ele queime todos nós!”

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Palavra e Traço – Julho de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

02/07/1980 – Não Põe Veto no Voto

Ninguém segura a juventude do Brasil! Vejam só o que os estudantes andam cantando pelas ruas, a despeito de todas as tentativas de repressão e intimidação:

Não põe veto no meu voto,
Não tente bancar o chefe,
Não dá ordem ao pessoal…
Não me venha com mentira,
Ninguém mais te admira,
Eleição não é um carnaval!

Não sou candidato a nada,
Meu negócio é batucada,
Mas, meu coração é do povo
De poder votar de novo,
Exigindo plataforma!

Por um voto,
Que balance o teu coreto,
Que eleja quem, de fato,
É político correto…

Por um voto,
Livre, simples e direto,
Democrático e secreto,
Que demonstre um sentimento…

Por um voto que seja um documento,
Que destrua e arrebente
Teu cordão de isolamento!
(breque)
Não põe no meu!

04/07/1980 – Meu voto para João Paulo II

Em sua coluna do dia 3 último, o prezado colega Roberto Godoy dignou-se a citar o meu nome, pela vez primeira, para informar a um leitor mal informado, que ligou para a casa dele e não se identificou, que quem escreveu a columa “Campinas-2” no dia 1° de julho fui eu e não ele, posto que o Godoy estava com pneumonia e tive a honra de substituí-lo.
Na mesma coluna do dia 3, o Roberto diz que ele está adorando a visita do Papa e que ele gosta muito de Joao Paulo II. Eu quero acrescentar que eu também estou e que sinto-me honrado, juntamente com todos os brasileiros, por receber tao insigne visitante.
O que eu critiquei no dia 1°, foram os “vendilhões do templo”, aqueles que se aproveitam da visita do Papa para faturar em cima, vendendo tudo que é bugiganga ao povo, abusando da fé pura dos católicos. Critico, também, a improvisação de nossas autoridades que, sem planejamento algum, estão gastando verbas enormes para embelezar os lugares por onde o representante de Cristo na terra irá passar ou já passou.
Eu desejaria, até, fazer um convite a Sua Santidade João Paulo II para vir residir no Brasil. Eu sei que isso é impossível, mas gostaria muito se pudesse ser uma realidade… como isto aqui iria endireitar, meu Deus! O governo iria fazer de tudo para que o Brasil se tornasse um pais limpo e saudavel, com um povo feliz, para que o Papa se sentisse bem entre nós.
Morando, por exemplo, em Aparecida do Norte, Sua Santidade poderia percorrer o Pais de norte a sul, e de leste a oeste. E como tudo ficaria bonito! Consertariam os buracos das ruas, colocariam água e luz em toda parte, esgotos; fariam estradas asfaltadas pelo sertão todo e até resolveriam, aposto, a questão da seca no nordeste, só para o Papa não ver nordestino morrendo de fome e sede! Ate os índios seriam salvos do extermínio total!
E quero esclarecer aos leitores que não sou católico, nem judeu (apesar do sobrenome), sou espiritualista, nao tenho nada contra religiao nenhuma e acho que todas levam a Deus. E viva o Papa João Paulo II!

05/07/1980 – Buuuuuuummmm!!!

O que é bom para a Alemanha é buuuuuuuummmrnmmmmmmmmmmmmm para o Brasil?

Os serviços de segurança do Ministério das Minas e Energia estão acusando, oficialmente, os comunistas e os sionistas pela campanha anti nuclear que está sendo feita no Brasil, face à teimosia daquele Ministério, entregue às mãos de César Cals (ou será Caos?), de levar à frente o programa nuclear brasileiro, não só concluindo as centrais atômicas de Angra I e II, como também instalando outras duas no litoral sul de São Paulo.
Acusar os comunistas não é novidade, neste País: eles são sempre acusados de tudo: de tentar a subversão da ordem pública, de tentar instituir a “ditadura do proletariado”, de criar “condições psicológicas adversas” ao regime atual, de serem os responsáveis pela inflação e até (pasmem!) pelo aumento de preço dos derivados do petróleo.
Agora, acusar os sionistas é novidade – sionista, pra quem não sabe, é um eufemismo usado para dizer “judeu”, palavra que este governo considera pejorativa para designar os israelitas, os israelenses e seus aliados – acusação esta feita, muito provavelmente, porque o governo precisa ficar “de bem” com os árabes, para conseguir o seu rico petroleozinho.
Eu mesmo já fui acusado de ser sionista, por causa de meu sobrenome (Saidenberg), de evidente origem judaica. Mas não venho em defesa dos judeus em causa própria, visto que, embora descendente do povo de Abraham, por parte de pai, jamais tive a honra de pisar numa sinagoga, não conheço nenhuma palavra de hebraico, nunca estive em Israel e não tenho qualquer contato com a comunidade israelita de Campinas (infelizmente, só me lembro de um amigo de infância que era israelita: Bernardo Kaplan, que faleceu há pouco).
Os judeus já foram acusados de tudo, inclusive de matar Jesus Cristo (que também era judeu, ora), quando este foi morto por ordem de Pôncio Pilatos, proconsul romano que então mandava na Judéia. Não creio que os judeus tenham qualquer interesse particular em, prejudicar o programa nuclear do governo. Quem tem esse interesse é todo o povo brasileiro, pois esse programa é uma pouca-vergonha, um pretexto pra mamatas e roubalheiras e, se der certo, vai suprir 3% das necessidades energéticas do Brasil.
Se não der certo – Bummmmmmmmmmmmmmmmm! ! ! ! ! l ! ! ! ! ! !

06/07/1980 – Eta esquadrão de ouro

A Seleção Brasileira só vem dando vexame. Sugiro uma total modificação no time, inclusive mudando até o técnico. Eis a Seleção ideal:
GOLEIRO (GORQUIPE): César: com suas imensas orelhas, tampa qualquer gol. ZAGUEIRO DIREITO (BEQUE): Ernane: não sei se ele defende bem a zaga, mas sabe se defender muito bem. No jogo contra o Valeriodoce, defendeu o dele.
ZAGUEIRO ESQUERDO (BEQUE TAMBÉM): Said: inventa cada uma pra defender o seu time, que nem Domingos da Guia faria melhor.
MÉDIO DIREITO (ARFE): Couto: sempre fez muita média com a direita.
CENTRO MÉDIO (CENTERARFE): Portela: outro mestre em fazer média.
MÉDIO ESQUERDO (OUTRO ARFE): Arcoverde: outro que vive tentando fazer média, mas tem se mostrado extremamente canhestro.
PONTA DIREITA (FORVARDE): Murillo: chuta com os dois pés e esmagou o Operário, em partida recente. O lugar dele é mesmo na extrema-direita.
MEIA DIREITA (OUTRO FORVARDE): Delfim: só dá chute, mas chuta pra valer. Recentemente andou dando uns chutes fora, mas ficou bem na posição.
CENTRO AVANTE (CENTERFOR): Camillo: às vezes, joga mal de dar pena, mas andou entrando em grandes jogadas por aí, juntamente com o Couto.
MEIA ESQUERDA (FORVARDE TAMBÉM): Medeiros: quase nada se sabe sobre o modo deste atacante jogar, mas fica bem colocado numa posição meio-sinistra.
PONTA ESQUERDA (MAIS FORVARDE): Paulo: extremamente canhestro, há quem diga que ele joga muito mal,, mas sei que faz grandes jogadas (para ele mesmo). É mestre em tomar a bola dos outros por trás, razão pela qual a torcida sempre grita: “olha o ladrão!” — Figura que fica bem na posição, pois é realmente um elemento sinistro.
ROUPEIRO: Ibrahim (TURCÃO) – um cara “legal”.
TÉCNICO: João: tipo durão, estende a mão direita aos seus comandados, mas assina a demissão deles com a esquerda. Se o time está perdendo, parte para a briga, razão pela qual foi apelidado de “João Valentão”. Jurou levar a Seleção à vitória, coisa que terá de conseguir, ou será afastado do cargo antes do tempo previsto, segundo se diz por aí.
Se esta Seleção não der certo, o pMDB tem outra prontinha, para 1984.

07/07/1980 – O Salim e o – Atchim!

A danada da gripe me pegou e me atirou na cama por uns dias. Isso não é novidade, pois são poucos os que conseguem resistir a ela, que já tem até o apelido de “Geni”. Todavia, ninguém se lembrou ainda de apelidar o vírus que provoca a gripe. Eu me lembrei e mandei-lhe o apelido de Salim. Fiz até uma paródia para ele, que aqui transcrevo:

De tudo que é nego torto,
Do mangue e do cais do porto,
Ele já veio embarcado.
E um vírus imigrante,
Já pegou gente importante,
E a muitos tem derrubado!

É um vírus pequenino,
Já atacou muito menino
E os moleques do internato.
Infestou pobres detentos,
Os pobres e os lazarentos,
Precisa ser afastado!

E também mata, amiúde,
As velhinhas sem saúde
E as crianças, de – Atchim!
Atacou com tal maldade,

Que o povo da cidade
Deu-lhe o nome de “Salim”!

– Bota fora esse Salim!
Faz vacina anti-Salim!
Ele pode nos matar
E ao povo dar o fim!
Ele ataca qualquer um!
Maldito Salim!

Obs: Novamente, não viso nenhum Salim em particular. Mas se a carapuça servir…

08/07/1980 – Excomunhão de Maluf

– “Excomunhão?! (É piada!)” – foi o que disse o governador biônico de São Paulo, Paulo Salim Maluf, ao saber do pedido que foi enviado peio frei Almiro, da Paróquia de Vila Brasilândia, em São Paulo, a Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo do nosso Estado.
Esse pedido de excomunhão foi enviado pelo frei Almiro, após uma consulta ao cardeal e depois de uma reunião que o frei teve com padres, freiras e leigos que trabalham na Região Oeste-1 da arquidiocese de São Paulo, e que foram agredidos em tumulto recente, durante a instalação de mais um “governo de integração”, de Paulo Maluf, ocorrido no bairro da Freguesia do Ó.
Nessa consulta, o frei Almiro indaga ao cardeal-arcebispo se o governador biônico, o prefeito da capital, Reynaldo de Barros e o secretário da Segurança Pública, desembargador Octávio Gonzaga Jr., não infringiram um artigo do Código Canônico e estão, portanto, sujeitos ai excomunhão. Caso o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns aceite o pedido, ele poderá encaminhá-lo diretamente ao Papa João Paulo II.
Maluf, como sempre, achou que isso é “uma piada”; tudo é piada para o sorridente morador provisório do Palácio dos Bandeirantes. Na minha opinião, o governo dele é também uma piada e ele próprio é uma anedota!
Só que Maluf é uma piada que, em vez de fazer rir, só consegue fazer chorar… Vejam só as declarações dele sobre o pedido de excomunhão:
– “Não vejo razão para a minha excomunhão. Sou católico, apostólico romano praticante. Sou sempre favorável às posições da Igreja e amigo dos padres, cardeais e de meus ex-professores religiosos. Entendo que quem propõe isso deveria ver sua própria consciência”.
Se Maluf é amigo dos padres, cardeais e da Igreja, eu não sei. Então quem é que está baixando o pau no lombo dos padres, invadindo igrejas, quebrando até altares e imagens, ao mesmo tempo em que agride violentamente o povo que, cansado de ouvir promessas do Maluf, vem às ruas para fazer reivindicações e, frustrado, vaiá-lo? Se não é a polícia do Sr. Maluf, então temos, em nosso Estado, tropas paramilitares, disfarçadas de policiais da PM, do Deops e do DOI-CODI, que não hesitam em jogar bombas de gás lacrimogêneo no povo, além de baixar o cassetete, dar golpes de caratê, jogar jatos de água com “Brucutus” e até usar “socos ingleses” para calar o povo…
Piada mesmo, seria, para mim, se o cardeal tivesse entregado o pedido ao Papa, quando da visita deste ao nosso País… E ele, S. S. João Paulo II o aceitasse. Aí, sim eu (e muita gente, aposto) iria morrer de rir! AH, AH. AH!

09/07/1980 – Abaixo o Capitão América-I

O Capitão América é agente da CIA e inimigo número um dos desenhistas e argumentistas de histórias em quadrinhos brasileiros. Ele não é o único, mas eu o escolhi como símbolo dos personagens estrangeiros que são impingidos às crianças, adolescentes e adultos do nosso País, que gostam de histórias em quadrinhos.
Esses personagens são sempre apresentados como heróis, sendo que o Capitão América, vestido com as cores da bandeira de seu país, USA (e abUSA), foi criado para simbolizar o espírito do povo americano. Aliás, para os estadunidenses, “América” é apenas a terra lá deles. O resto (nós) não passa de lixo. Chamam-nos de “latin-americans”, ou pior, de “chicanos”.
Criado durante a 2a Guerra Mundial, o Capitão América lutou contra o Capitão Nazi, personagem que simbolizava o nazismo de Adolf Hitler, e o derrotou. Até aí, muito louvável; porém, recentemente, o grande artista norte-americano Stan Lee fez o personagem renascer, desenhado por Gene Colan. Nesta nova fase, o Capitão América enfrenta inimigos que lembram os comunistas em geral, russos, cubanos, chineses, etc.
Respeito o ponto de vista do autor, bem como sua ideologia política, visto que, para os USA, tais personagens representam o inimigo, contra o qual desfecharão, inevitavelmente, uma 3ª Guerra Mundial, de resultados imprevisíveis, mas certamente catastróficos para todos nós, do 3º mundo, que nada temos a ver com a briga lá deles.
Mas eu escolhi o Capitão América para simbolizar o monopólio que os norte-americanos (em especial) e os estrangeiros (em geral) detém, no momento, das publicações em quadrinhos. De nacional, só temos os personagens de Maurício de Souza, de Ely Barbosa e de alguns abnegados tais como Júlio Shimamoto, Luiz Saidenberg (meu irmão), Renato Canini e mais uns poucos. E necessário, de algum modo, deter esse monopólio e proteger o artista nacional de histórias em quadrinhos, com uma lei de proporcionalidade, a exemplo do que já ocorre com o cinema nacional e com a música popular brasileira.
(CONTINUA AMANHÃ)

10/07/1980 – Abaixo o Capitão América!-II

Como vimos no capítulo anterior, o tenebroso Capitão América, agente da CIA e inimigo número um dos artistas brasileiros que tentam fazer histórias em quadrinhos, tudo tem feito, juntamente com os demais (e inúmeros) personagens estrangeiros, para esmagar a nossa indústria nacional, no ramo. Os desenhistas e argumentistas não têm mercado de trabalho, com raras exceções (Maurício de Souza, Ely Barbosa, Júlio Shimamoto, Luiz Saidenberg, Renato Canini e mais alguns que, por muito esforço, valor e suor, conseguem publicar, a preços aviltantes, suas histórias e seus personagens).
Desde 1961 que eu luto pela nacionalização das HQ (histórias em quadrinhos). Estive em Brasília, juntamente com Maurício e mais alguns artistas brasileiros, fazendo a entrega de um manifesto ao então presidente Jânio Quadros. Mas o “homem da vassoura” provou ser um doido varrido e varreu a si próprio do governo, criando uma enorme crise que ainda perdura. João Goulart, que o sucedeu (contra a vontade de algumas facções militares de extrema direita), era um nacionalista e não um filo-comunista, como andam mentindo para as crianças e adolescentes, nas escolas. Goulart aprovou uma lei, em 1963, nacionalizando as HQ aos poucos, começando com uma proporção de 20% de obrigatoriedade de histórias nacionais nas publicações de jornais e revistas. Essa proporção iria crescer de ano para ano e hoje, se não tivesse ocorrido o golpe de 1964, desfechado pela CIA e efetuado por militares brasileiros que foram iludidos por essa agência internacional de espionagem, que os convenceu de que Goulart era filo-comunista, hoje, repito, teríamos 100% de HQ nacionais nas bancas, com personagens brasileiros, criados e desenhados por artistas brasileiros. Os personagens estrangeiros só poderiam ser adquiridos em álbuns, por colecionadores de HQ.
Há poucos dias, encaminhei uma carta ao senador Orestes Quércia, do pMDB de Campinas, pedindo a ele que tente fazer valer essa lei, que não tem sido respeitada; ou que, em caso de impossibilidade, crie um projeto de uma nova lei. Ele, que já criou um projeto que ampara os artistas gráficos, é a nossa esperança! Em nome das crianças brasileiras, pedi-lhe que lute por nós! Viva a história em quadrinhos brasileira e abaixo o Capitão América!

12/07/1980 – Maluf, água e petróleo

“Na pior das hipóteses, daremos água ao município”, disse o secretario Osvaldo Palma, da Indústria e do Comércio do Estado, a 28 jornalistas levados a conhecer o poço-pesquisa da Paulipetro, em Taciba, município distante 530 quilômetros de São Paulo.
Eu sabia, eu sabia! A Paulipetro é uma jogada do Maluf para ajudar a acabar com o monopólio da Petrobrás, tão duramente conseguido pelo povo brasileiro nos tempos de Getúlio Vargas. Ninguém tem esperança nenhuma de achar petróleo no Estado de São Paulo, nem mesmo o secretário da Indústria e do Comércio!
Segundo Palma, a Paulipetro ainda não está procurando petróleo na Bacia do Paranapanema, onde fica Taciba; o que esta sendo feito é um levantamento do subsolo, com os três bilhões (EU DISSE Cr$ 3.000.000.000,00!) de cruzeiros colocados à disposição do programa, para serem gastos este ano, na perfuração de oito ou dez poços, que, no mínimo, darão uma excelente água de poço artesiano para os municípios. AH, AH, AH, AH!
Dinheiro para dar aumento ao funcionalismo, não tem. Dinheiro para pagar dignamente o professorado estadual, neca; grana para a alimentação das crianças no 1° grau, pouquíssima; dinheiro para financiar as refeições de Estudiantes universitários, o Seu Maluf não tem…
O Seu Palma ainda disse que a Paulipetro poderá “contar com o apoio de bancos internacionais”, explicando que serão abertos 35 poços em 1981. Em outras palavras, o homem disse que o Seu Maluf não titubeará em aumentar a já gigantesca e impagável dívida externa brasileira…
No final, o secretario negou que a promoção tivesse finalidade política a favor de Paulo Maluf, mas admitiu que o governador não faltará ao próximo encontro, que será realizado na segunda fase dos trabalhos, em Taciba. A população local já está ensaiando o famoso coro (“Um, dois, três… (*) no xadrez!”) e pede que não sejam enviados ovos nem tomates. Agora, respondam depressa: o Maluf já está pedindo água, ou a Paulipetro é um furo n’água?

13/07/1980 – Homenagem à minha mãe – I

Quando citei, na minha coluna do dia 24/06, que minha saudosa mãe, Dona Lucilla, foi jornalista e poetisa, muitos leitores telefonaram para minha casa, alguns dizendo que se lembravam dos escritos e versos dela, e outros pedindo informações mais detalhadas a respeito.
Ela escreveu durante 35 anos, inicialmente para o jornal “O Progresso”, de Brotas, sua cidade natal. Depois, casando-se com meu pai e mudando para Campinas, passou a colaborar com o “Correio Popular”. Quando da comemoração de um dos bicentenários de nossa cidade (O da vila de Campinas Velha, fundada em 1747), ela escreveu uma poesia sobre Campinas, que foi premiada em 1º lugar, num concurso promovido pela radio Educadora.
Agora, quando se comemora mais um aniversário da fundação da Campinas Nova (14/07/1774), acho oportuno reproduzir a poesia:

“No tanger da lira, linda cidade,
Princesa bela é que eu vou cantar,
Já foi cantada pelos grandes poetas,
Simbolizando, quero-a também saudar!

De longa data tem gravado o nome,
O de São Carlos era o seu chamar.
Depois, mais tarde, no correr das eras,
O de Campinas foi o que tomou lugar.

Campinas eu canto, no tanger da lira,
Meus acordes soam… um fulgor se faz!
Vejo Campinas num clarão de ouro,
Riqueza imensa, que não tem rival!

Eis-me avistando novas vias e praças,
Ricos contornos que já vão lhe dar:
Lá, bem no centro, na cidade velha,
Os arranha-céus que se vão no ar!”
(Continua amanhã)

14/07/1980 – Homenagem à minha mãe – II

(Continuação)
“Os bairros todos, cada qual mais lindo,
Grande progresso já se vê raiar;
Céleres surgindo, confundidos em cores,
Mais vivos os acordes fazem-me entoar!

Fazendo pausa no tanger da lira,
Vejo Campinas, muitos anos atrás,
Antes de vê-la, já garbosa e linda,
De minha avó, constante, era o seu falar.

Berço antigo de bandeirantes,
Aquela história do Camargo audaz…
Aquele lema, que por divisa tinham,
– Avante! Avante! Sempre a caminhar!

Já bem mais perto, outras histórias vivas,
Quem não ouviu, ainda não ouviu falar?
Ó grandes vultos! Ó Carlos Gomes!
Em estátuas belas, seus feitos fico a recordar!

É pois, Campinas, que teus filhos vivos,
Aqueles que, no sangue, trazem o padrão real,
São tão altivos e orgulhosos ficam,
Quando o teu nome ouvem falar!

Tangendo a lira, novos acordes voam,
São acordes vivos para te saudar!
Eu te saúdo bela cidade, ó pioneira,
Princesa D’Oeste, linda princesa que não tem rival!”
LUCILLA DE CAMARGO SIMÕES SAIDENBERG – 1947

Aí está pálido retrato de uma poetisa que começou a escrever por volta de 1920 e só parou com a morte de meu pai, em 1955. Parou de publicar suas poesias e crônicas, mas não de fazer versos, que fazia por puro amor à arte. Versejou até falecer, em 1964, vitimada por um derrame, ao tomar conhecimento do golpe militar que destruiu nossa democracia.

16/07/1980 – Viva o rato que ruge!- II

Como vimos no capitulo anterior, o Sr. Ivan Saidenberg, modesto redator desta coluna, durante a vigência do AI-5, colaborou com o jornal “O Pasquim”, que lhe deu a maior força, publicando seu “Picles”, sob o pseudônimo de “DODOIS”. Eis mais alguns:

“O PASQUIM” Nº 426 – 26/8 a 2/9/77:
Afinal, é pacote ou é embrulho de abril?
O petróleo é nosso, mas a borracha está na mão deles.
Se, cada vez que o Zébonifácio dissesse uma besteira, o povo ganhasse um cruzeiro, acabava a miséria.
Pagar pra sair não é nada… o duro é ter que voltar.
Pois é… foram dizer que ninguém segura a juventude do Brasil!
Um dia é da caça e outro é da cassação.
Os cães ladram e a vaca vai pro brejo.
Ninguém sabe investir tão bem quanto eles… sobre nós!

“O PASQUIM” Nº 446 – 13 a 19/1/78:
1970: 90 milhões em ação. 1977: 110 milhões sem ação.
Pagar pra sair não é nada… o duro é ter que voltar. (*)
Bacana a “Carta aos Brasileiros”… pena que 70% são analfabetos.
Mais vale uma democracia absoluta do que duas relativas.
Gritou: – “Abaixo a ditadura!” – ficou sem a dentadura.
Este Pais foi tão pra frente, que não consegue voltar atrás.
Torcer para a Seleção nunca foi solução.
Gritava – “Queremos pão” – Levou foi pau.

Eis uma pálida ideia do meu trabalho como “DODOIS”, nos anos negros do AI-5.
* Publicado duas vezes por engano.

17/07/1980 – Pegou a seca do norte

O Sócrates veio a Campinas e cantou “Peguei uma Ita no Norte”, acompanhado pela maravilhosa Orquestra Sinfônica Municipal, sob a regência do esplêndido maestro Benito Juarez. Vai daí, o “Cego Cantadô” ousou fazer uma parodia dessa música:

Pegou uma seca no norte,
Que num dá mais pra aguentá,
Adeus, meu boi, meu jeguinho,
Adeus, sertão do Ceará,

Ai, ai, ai, ai, adeus, sertão do Ceará… (BIS)

Andreazza fez um projeto,
Pra seca se acabá,
Mas o dinheiro secou,
E a seca vai continuá!

Ai, ai, ai, ai, e a seca vai continuá… (BIS)

João fez uma promessa,
De que eu podia plantá,
Mas não fizeram açude,
E tudo deu pra secá!

Ai, ai, ai, ai, e tudo deu pra secar… (BIS)

Juntei meus trecos, que eu tinha,
E o resto eu larguei por lá
Não veio a irrigação,
Promessa não vai molhá…
Ai, ai, ai, ai, promessa não vai molhá.
Tou há bem tempo pensando:
Pra seca se acabá, ”
Só tem um jeito, ó xente,
E a terra moralizá!

Ai, ai, ai, ai, é a terra mora1izá… (BIS)

18/07/1980 – “Uma República Umbandista”

O semanário “O Pasquim”, em seu nº 575 (4 a 10/7/80), à página nº 15, estampa uma matéria de Ivan Lessa que, sob o pseudônimo de “Edélsio Tavares”, Propõe uma “Republica Umbandista” no Brasil e lança-se como candidato a presidente da dita cuja.
Como espiritualista que sou, com todo o respeito que tenho por todas as religiões, inclusive pela Umbanda, discordo do tom jocoso com que o autor redigiu sua matéria, mas sou obrigado a concordar com ele em alguns pontos, além de confessar que achei muito engraçado o que ele escreveu. Vou reproduzir aqui alguns pontos do programa da dita republica, que achei mais interessantes; essa proposição é melhor do que tudo que esta ai (pior, não dá).
“O Brasil passará a ser uma republica umbandista e não federativa”.
“Dividida não em estados, mas em terreiros”.
“Parar com essa história de partido. E Nações: Queto, Angola, Omolocô, Jeje (no kin Vargas), Nagô, Cambinda e Guiné”.
“Ou então Umbanda e Quimbanda. Sou mais quimbanda. Seria, assim, a nossa Arena ou Terreiro. Quimbanda esta bem mais dentro do espírito alegre e anárquico da nossa gente”.
“Os analfabetos teriam suas cabeças feitas, ou seja, poder de voto. Em lugar de impostos, arriar obrigações”.
“Desfile de atabaques em todas as nossas grandes festas nacionais”.
“Oxósse para ministro da Reforma Agrária”.
“A preservação do meio ambiente será feita mediante defumação”.
“Despachos finalmente pra valer: tudo para os Exus”.
“Lula é um Espírito de Luz. Maluf é um Espírito sem Luz”.
“Pra cá de 200 milhas é Iemanjá, pra lá é pesqueiro norueguês”.
“Basta de corrupção! Negócio de Santo”.
“Frente ampla hoje! Trabalhar em todas as linhas”.
“Xangô (no kin Goulart) já raia no horizonte”.
“Oxalá tudo dê certo. Oxalá”.

22/07/1980 – Prêmio “cara-de-pau”

Já existem muitos prêmios por aí, como o “Esso”, “Troféu Imprensa”, “Andorinha”, “Homem de Visão”, “Personalidade do Ano” etc. Mas eu queria instituir um novo prêmio: O PRÊMIO “CARA-DE-PAU” DO ANO!
E, neste ano de 1980, este prêmio já tem um ganhador disparado, que vai deixar os outros “caras-de-pau” comendo poeira: Paulo Salim Maluf, ilustríssimo governador biônico de São Paulo.
Além de ter começado com uma serraria, que era do senhor seu pai, Salim F. Maluf, o nosso digníssimo governador biônico ainda é diretor presidente da Eucatex S/A, que, como todos sabem, faz compensados de madeira.
Se isso não bastasse, ouçam só a obra-prima de frase com que o nosso governador indireto nos brindou, a nós, os profissionais de imprensa, no dia 8 último:
– “Sou o governador que melhor se relaciona com a imprensa. Sou amigo dos jornalistas”.
Ó pérola rara da sabedoria oriental! Ó frase digna de um Omar Kahian, autor de “Rubbaiath”! Nem no livro “O Profeta”, de Gibran Kahlil Gibran, eu li uma frase tão cheia de conteúdo, tão perfeita, tão bem elaborada, refletindo claramente uma nítida visão individual que o Sr. Dr. Paulo Salim Maluf tem de si próprio.
Que pena que o digno governador indicado do Estado de São Paulo se esqueceu de avisar à sua polícia, às tropas de choque da PM, ao Deops, e a seus guarda-costas particulares, que ele é amigo da imprensa e dos jornalistas! Oh, que pena!
Pedimos, nós, os profissionais a imprensa, ao ilustre e mui digno governante imposto, que mande, imediatamente, avisar aos seus comandados da sua amizade por nós. Pedimos, também, que mande pagar as máquinas fotográficas que foram quebradas, os filmes que foram inutilizados, e indenizações aos repórteres, fotógrafos e jornalistas em geral, que foram duramente espancados durante os conflitos de rua, ocorridos tanto durante as greves do ABC, quanto das várias instalações do “governo de integração” de sua excelência Dr. Paulo Salim Maluf, nosso grande amigo! Prêmio para ele!

23/07/1980 – Lágrimas de um preto velho

Num cantinho de terreiro, sentado num banquinho, pitando o seu cachimbo, um triste preto velho chorava. De seus olhos molhados, esquisitas lágrimas decaíam-lhe pelas faces e, não sei por que, contei-as… Foram sete.
Na incontida vontade de saber, aproximei-me e o interroguei: – Fale, Pai João, diga ao teu filho por que externas, assim, tão visível dor? E ele, suavemente, respondeu: – “Estás vendo esta multidão, que entra e sai? As lágrimas contadas estão distribuídas a cada uma dessas pessoas…
A primeira eu dei a esses indiferentes, que estão no Governo e não ligam para o sofrimento do povo, que nem tem o que comer…
A segunda, a esses eternos duvidosos, que se fazem de amigos do povo, são eleitos pela oposição e se passam para o PDS…
A terceira, distribuí aos maus, àqueles que mandam jogar bombas de gás lacrimogêneo e distribuir cacetadas em quem só está pedindo justiça.
A quarta, aos frios e calculistas, que, usando essas máquinas modernas de fazer contas, manipulam os índices de inflação e, com isso, arrocham o minguado salário do trabalhador.
A quinta, chega suave, tem o riso e o elogio da flor dos lábios, mas, se olharem bem o semblante de quem sorri, verão escrito: Estendo a mão aos meus adversários mas, na outra mão verão um terrível chicote.
A sexta, eu dei aos fúteis, que chegam a altos postos e só pensam em se enriquecer, as custas de mordomias e negociatas, prejudicando o povo.
A sétima, filho, notas como foi grande e como deslizou pesada? Foi a ultima lágrima, aquela que vive nos olhos de todos os pobres; fiz doação dessa aos venais, que se vendem aos interesses das grandes empresas estrangeiras, endividando o País. Esquecem que existem tantos irmãos precisando de caridade, e tantas criancinhas precisando de amparo material e espiritual. Assim, meu filho, foi para todos esses que viste cair, uma a uma, as sete lágrimas de um preto velho…”
Deus lhe pague, Pai João.

24/07/1980 – Gordon no planeta Mongo

Vão fazer nova versão desse seriado, inspirado na genial história em quadrinhos de Alex Raymond: desta vez, Flash Gordon será interpretado pelo Lula, Dale Arden pela Ivette, Ming pelo João, Vultan (amigo de Ming) pelo Delfim, Thun, o rei dos “homens leões”, imbatíveis rivais de Ming, pelo Ulysses. O sinistro “papa” que é companheiro e cúmplice de Ming, será interpretado por Couto, uma figura igualmente sinistra, uma espécie de “eminência parda”.
Os presos do “cadeião” farão o papel dos escravos, tratados a porrada e a gás lacrimogêneo. Os “homens-pássaros”, servidores de Vultan (amigo de Ming) serão interpretados por Murillo, Waldir, Ernane, Ibrahim, Eduardo, César, Camilla, Mário,
Amaury, Ramiro, Jair, Said, Eliseu, Walter, Maximiano, Délio, Danilo, Haroldo e o extra-ordinário Hélio. Os “homens-pássaros” vivem no chão… O que voa é o dinheiro do povo.
O chefe de espionagem de Ming será o Medeiros, que ficará de olho em tudo o que está acontecendo. O príncipe Barin, pretendente ao trono, será interpretado por Paulo, que rouba todas as cenas onde aparece. Paulo fará o papel de um sujeito que vai dar uma de “amigo de Flash Gordon” mas, no final, dará uma rasteira no herói e tentará chegar ao trono pelas vias indiretas, sob intensas vaias da platéia.
Ao contrário da versão original, cheia de conotações políticas com a situação mundial antes da 2ª Grande Guerra, esse filme, nacional e inteiramente realizado no sertão árido da Paraíba, não terá nenhuma conotação política. Temo apenas que se transforme numa pornochanchada.
Ah, só um detalhe, que só vai entender quem assistiu à versão original do seriado: caso o Delfim não esteja disponível para fazer o papel de Vultan (o amigo do Ming), já que o homem é muito ocupado e o negócio dele é números, não haverá nenhum problema. O papel de Vultan poderá ser, com rara semelhança com o artista original, interpretado pelo Roberto Godoy.

25/07/1980 – Cantinho da poesia – I

CANTINHO DA POESIA: I – Hoje, parodiando Carlos Drummond de Andrade.

E agora, João?
A festa acabou,
A luz apagou,
A abertura esfriou.
E agora, João?
E agora, Delfim?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que apanha de todos,
Você, que trabalha,
Que grita, protesta?
E agora, povão?
Está sem dinheiro,
Está sem discurso,
Está sem trabalho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir não pode;
A noite esfriou
A abertura não veio,
A democracia não veio,
O riso não veio,
Não veio a utopia
E tudo acabou,
E tudo fugiu,
E tudo mofou.
E agora, João?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua promessa e sua jura,
Sua democracia.
Sua palavra de ouro,
Seu cavalo tordilho,
Sua incoerência,
Seu ódio – e agora?

(SEGUE)

26/07/1980 – Cantinho da Poesia – II

(continuação – desculpe, Carlos Drummond de Andrade)

Com tudo na mão,
Quer fazer a abertura.
Não existe porta.
Quer abrir na marra,
Mas o PDS fechou.
Quer ir para a frente,
Mas não dá mais!
João, e agora?
Se você gritasse.
Se você berrasse,
Se você tocasse,
Pra fora quem não convence,
Se você agisse,
Se você brigasse.
Se você não esmorecesse…
Mas você não esmorece,
Você é duro, João!
Sozinho no escuro,
Qual bicho do mato,
Sem democracia,
Sem constituinte,
Pra se amparar,
Sem seu cavalo baio
Que fuja a galope.
Você segue, João!
João, para onde?!

27/07/1980 – Cantinho do sucesso

Cantinho do sucesso – (Hoje, com um sucesso dedicado ao Prof. Antoninho)

“Explode, inflação”

Chega de tentar dissimular,
De disfargar e de esconder
O que não dá mais pra ocultar,
E vocé não pode mais calar!
Sei que o brilho desse olhar
Foi traidor! E já entregou
O que você não quis contar,
O que tentou manipular,
E fracassou…

Chega de temer, chorar, sofrer,
Fiugir, negar, tudo perder,
Nada encontrar,
Do que é preciso pra viver.
Eu quero mais é ver abrir,
E que a democracia entre assim,
Como se fosse o sol,
Desvirginando a madrugada.
Para você sentir a dor dessa manhã!

Nascendo, rompendo.
Rasgando, tomando
Seu corpo e então, você,
Chorando, sofrendo
Gemendo, gritando,
Feito um louco, alucinado,
E, sem esperança, vendo tudo se acabando,
Gritar: – Não dá mais pra segurar,
Explode, inflação!

28/07/1980 – A estátua ficou verde

Ao lavar a estátua do Cristo Redentor, no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro, para prepará-la para a visita de S.S. o Papa João Paulo II descobriu-se, para surpresa geral, que ela é verde.
Como nada consta sobre a cor verde original, só posso deduzir que o Cristo Redentor não era verde antes… Ficou verde! Terá sido por efeito de algum produto químico usado na lavagem da estátua? Dizem até que está virando “Hulk”, de raiva do Governo… Eu tenho muitas outras indagações a fazer a respeito (e com todo respeito ao Cristo, nosso Senhor e Salvador) da cor apresentada agora pela estátua. Quem souber a resposta a alguma das perguntas, poderá enviar cartas à redação.
Mas, vamos às perguntas, sem mais delongas. A estátua do Cristo Redentor ficou verde, por quê?
a) Por que o povo está verde de fome?
b) Por que ainda há muita gente verde de medo?
c) De tanto ver militares no poder, de 16 anos para cá?
d) Por causa da poluição ambiental do Rio de Janeiro?
e) De tanto ver nordestino faminto chegar ao Rio?
f) Dever tanta mortalidade infantil no nosso País?
g) Ao tomar conhecimento do preço da gasolina?
h) Ao saber dos índices de inflação, superiores a 100%?
i) Por que estão acabando com a Amazônia?
j) Por que o Delfim continua no ministério?
l) Ao tomar conhecimento do preço da cebola?
m) Por que nada foi feito para evitar a seca do nordeste?
n) Ao saber que temos a maior taxa de paralisia infantil?
o) Ao ser informado de que não haverá eleições, este ano?
p) Ao saber que quem manda aqui é o Golbery?
q) Ao contarem-lhe sobre as ações da Cia. Vale do Rio Doce?
r) Ao saber da instalação de mais duas usinas nucleares?
s) Ficou sabendo que temos a pior e mais cara gasolina do mundo?
t) Por que o ministro da Saúde é o Waldir Arcoverde?
u) Ao saber da nossa incrível dívida externa?
v) De pena do pobre povo brasileiro?
x) Soube da existência do “Esquadrão da Morte”?
z) Ou descobriu que o Maluf é governador de São Paulo?

29/07/1980 – Criminosa ameaça “falangista”

Mais de 70 atentados de extrema direita foram cometidos nos últimos meses em nosso País, sem que as autoridades tenham localizado nenhum dos seus autores! Recentemente, o eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari foi sequestrado, barbaramente espancado e esfaqueado, porque ia ler um manifesto da Comissão de Justiça e Paz ao papa.
Agora, a moda é tocar fogo nas bancas de jornais e revistas. Uma certa organização clandestina, que se autodenomina “FALANGE PÁTRIA NOVA”, evidentemente inspirada nas organizações falangistas de Franco, o fascista espanhol que aniquilou seu povo por mais de 40 anos, está ameaçando milhares de humildes jornaleiros e cumprindo algumas dessas ameaças.
Primeiro, explodiram uma banca em Belo Horizonte, depois várias no Rio e em São Paulo, Curitiba e outras cidades. O motivo? A tal “falange” quer impedir que os jornaleiros vendam os jornais alternativos (ou nanicos), da imprensa independente: “Hora do Povo”, “O Pasquim”, “A Voz da Unidade”, “Tribuna Operária”, “O Repórter” “Companheiro”. “Movimento” e “Convergência Socialista”.
Num cartum muito mal desenhado e escrito, mostram a morte ameaçando um pobre e roto jornaleiro, que empunha um jornal com a “Foice e o Marcelo”. Ao lado, bananas de dinamite prestes a explodir e uma tétrica advertência: – “Cuidado, teu pavio já está aceso…”
Não calarão a voz do povo! Ruge, rato, ruge!
Não sei qual é a tal “Pátria Nova” que essa falange quer fundar, mas deve ser qualquer coisa entre a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco ou o Chile de Pinochet. Não dá, o Brasil não pode ser um país de escravos!
Como colaborador que fui de “O Pasquim”, durante vários anos, posso garantir que não calarão, pelo menos, esse semanário, mais conhecido como “O Rato que Ruge”. Se necessário, ele (e os demais nanicos) serão vendidos nas ruas e praças, de porta em porta, ou por meio de assinaturas.

30/07/1980 – Dando corda ao gramofone

Ainda não faz um mês que S.S. João Paulo II, que a todos comoveu e deslumbrou, deixou nossa terra e voltou para Roma. Mas, como sua passagem pelo Brasil foi muito marcante e o povo não o esqueceu, dedico a ele esta paródia da música “A BANDA”, de Chico Buarque de Hollanda:
Estava à toa na vida/ Meu amor me chamou/ Pra ver o Papa passar/ Falando coisas de amor…/ A minha gente sofrida/ Despediu-se da dor/ Pra ver o Papa passar/ Falando coisas de amor
O “seu” M(*)luf que contava dinheiro, parou,/ O D(*)lfim N(*)tto, que contava mentiras, parou/, O C(*)sar C(*)os, que contava as usinas,/ Parou para ver, ouvir e dar passagem…/ E muita gente, que vivia escondida, surgiu,/ E o povo triste, que vivia calado, se abriu,/ E a cidade toda se animou,/ Pra ver o Papa passar/ Falando coisas de amor…
Estava à toa na vida/ Meu amor me chamou… (etc.)
A velha “Are(*)a” se esqueceu do cansaço, e pensou/ Que ainda era moça pra pintar no pedaço, e “pifou”/ Igual à feia, que saiu na janela,/ Pensando que o Papa acenava pra ela…/ O Fig(*)eiredo fez discurso bonito e sorriu,/ O P(*)S se fez de amigo do povo e sentiu/ Que a nossa gente não se enganou,/ Porque o Papa passou/ Falando coisas de amor…
Estava à toa na vida,/Meu amor me chamou… (etc.)
A caravana se espalhou na avenida e seguiu,/ O Papa deu uma benzida no povo e partiu,/ E a meninada toda se aquietou,/ Depois do Papa passar,/ Falando coisas de amor…/ E cada qual no seu canto,/ Em cada canto uma dor/ Depois que o Papa passou/ Falando coisas de amor.
Sim, S.S. João Paulo Il já não está mais no Brasil e todos nós voltamos à nossa tristeza; às nossas dívidas, à nossa fome, à nossa carestia, à nossa inflação implacável… Mas, que as palavras ditas pelo Santo Padre não se percam ao vento; vamos lutar por um Brasil melhor e mais justo,por um País grande, livre e democrático, onde todos possam ser felizes, tal e qual foram ao ver o Papa passar falando coisas de amor.

31/07/1980 – Novembro: votem em mim

Apesar de todos os esforços da oposição (pMDB, PT, PTB, PP, PDT), não serão realizadas as eleições municipais marcadas para 15 de novembro deste ano. O Governo pretende prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores até 1982.
E o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, em recente pronunciamento, declarou que “se as oposições não aceitarem a prorrogação de mandatos, será inevitável a decretação de intervenção nos municípios!” Em outras palavras, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come…
Em reação contra esse estado de coisas, resolvi lançar uma candidatura de protesto (ou uma anti candidatura, quem sabe?) para concorrer às eleições de 15 de novembro de 1980: VOTEM EM MIM!
Isso mesmo, por que não? Até 0 Lauro Péricles, que afundou com as finanças de Campinas, já se lançou candidato a prefeito, apesar de estar respondendo a seis processos por malversação dos dinheiros públicos e abuso de poder, quando da sua administração municipal (1973/76)!
No dia 15 de novembro, colocarei uma caixa de papelão em cada praça pública da cidade e pedirei ao povo que coloque ali seu voto para prefeito, escolhendo, livremente, um entre os vários possíveis candidatos (ou anti-candidatos), que possam surgir até lá.
E pedirei a todos que votem em mim, pois estou na plenitude de meus direitos políticos, tenho título de eleitor desde 1958, desejo me inscrever no pMDB e sempre defendi os direitos do povo e as reivindicações dos trabalhadores. Sempre combati os abusos de poder dos m(*)lufs da vida e jamais tive medo de ridicularizar aqueles que, usando indevidamente o nome do povo, se locupletam com as mamatas e as negociatas, aleivosias e mordomias.
A 15 de novembro de 1980, mesmo (e principalmente) não havendo eleições, votem em mim: Ivan Saidenberg, um homem de PALAVRA… E TRAÇO!

Palavra e Traço – Junho de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

02/06/1980 – O Cego Cantadô Volta a Cantar

Inimigos do povo, tremei! De viola em punho, o Cego Cantado, mais conhecido como “a voz que clama no sertão”, voltou a cantar assim:

Acreditei numa conversa mole, ah,
Pensei que o mundo ia se acabá…
Roldão Mangueira foi quem profetizô,
E o tar do mundo num se acabô.
Olhando o mundo, agora, face a face,
Oxente, eu preferia que se acabasse!
A gasolina foi pra 30 pau, ah,
E a inflação, de novo, vai estourá…
É o fim do mundo, o povo já falô,
E o tar do mundo não se acabô.
Se o César Cals pro futuro olhasse,
Oxente, preferiria que se acabasse!
O leite “C”já num existe mais, ah,
E o outro num dá mais para comprá…
É o fim do mundo, uma mãe gritô,
E o tar do mundo num se acabô.
Se o Camillo Pena pras criança olhasse,
Oxente, de pena, ia quere que acabasse!
A dívida externa já estoro, ah,
Essa daí num dá mais pra segurá…
É o fim do mundo, um dotô gritô,
E o tar do mundo num se acabô.
Se o Delfim Neto pro Brasí olhasse,
Oxente, rezaria pra que acabasse!
A tar democracia inda não veio, ah,
E neste ano ninguém mais vai votá…
É o fim do mundo, o eleitô falô,
E o tar do mundo num se acabô.
Se o Figueiredo do meu voto precisasse,
Oxente, seria o mesmo que o mundo acabasse!

03/06/1980 – Loteria Esportiva

A semana é das mais difíceis, mas assim mesmo vamos dar nossos palpites sobre os jogos a serem disputados, pedindo licença ao Walter do Valle:

JOGO 1 – DELFIM X INFLAÇÃO – Jogo duro, de difícil prognóstico. Delfim jura que vence a Inflação, mas pode ser arrasado por ela. Delfim joga na retranca, mas a Inflação vem com tudo e não está fácil de segurar. – TRIPLO

JOGO 2 – MURILLO X LULA – Já se enfrentaram em duas oportunidades. No primeiro jogo Lula ganhou fácil; no segundo, foi expulso de (S. Bernardo do) campo, após o juiz ter apitado um impedimento duvidoso. – COLUNA DOIS – ZEE-BRA!

JOGO 3 – MALUF X S. PAULO – Maluf está com a corda toda, atacando e furando as barreiras, não respeitando nem mesmo as regras do jogo. S. Paulo, todavia, não é de se deixar vencer facilmente e vai encarar Maluf até o fim. – COLUNA DOIS

JOGO 4 – ABERTURA X LINHA DURA – O técnico João Figueiredo prometeu levar a Abertura até a vitória final. Todavia, a turma da Linha Dura joga retrancada e vai tentar vencer no contra-ataque. – COLUNA UM

JOGO 5 – TUBARÃO X POVÃO – Povão vem sofrendo muito nas mãos do Tubarão, de dezesseis anos para cá. Apesar dos esforços, Povão não ganha uma. – COLUNA UM, FÁCIL

JOGO 6 – ELEIÇÂO X PRORROGAÇÃO – Essa disputa vem se estendendo demais. Eleição deveria vencer na cabeça, mas, por baixo do pano, há muitos interessados na vitória da Prorrogação. Um jogo sujo, com risco de intervenção. COLUNAS UM E DOIS – Pois empate é impossível.

JOGO 7 – POLÍCIA X LADRÃO – Polícia está bem armado, mas Ladrão costuma atacar de surpresa. Apesar de muitos esforços da Polícia, nos últimos tempos Ladrão tem vencido quase todas as partidas. – COLUNA DOIS – Pois Ladrão ganha até no apito.

JOGO 8 – CARRO X GASOLINA – Carro é muito veloz, mas Gasolina está a toda e não dá mais pra segurar. Carro vai acabar parado em campo. – COLUNA DOIS.

JOGO 9 – LEITE X CRIANÇA – Criança ainda tem muito a aprender e Leite é assessorado por técnicos internacionais. Coitada da Criança… – COLUNA UM.

JOGO 10 – CUSTO DE VIDA X SALÁRIO – Salário anda em baixa, esmagado, sem valor algum. Custo de Vida está com a bola toda. – COLUNA UM, FÁCIL.

JOGO 11 – ARCOVERDE X PÓLIO – Arcoverde perdeu, recentemente, seu maior auxiliar, Sabin, por puro desleixo. Pólio é sorrateira e vem crescendo, apesar das estatísticas falhas desde 1970. COLUNA DOIS – Infelizmente…

JOGO 12 – FEIJÃO X BOCA DO POVO –            Feijão anda sumido e parece que nem vai entrar em campo, tão cedo. Boca do Povo está sempre aberta, mas ali só entra mosca. – ESTE VAI PRA SORTEIO -TRIPLO

JOGO 13 – SITUAÇÃO X OPOSIÇÃO – Situação costuma ganhar no apito; quando a coisa aperta, apela para um pacote de reformas e muda as regras do jogo. Oposição, apesar de dividida, está cada vez mais forte, de vento em popa. É bem possível que este jogo seja adiado por dois anos, mas vai dar COLUNA DOIS! É ZEBRAAA!

04/06/1980 – O Cavaleiro do Céu – 1

O Cego Cantadô agora está dando uma de profeta e fazendo moda sobre o fim do mundo, depois que o Roldão Mangueira afirmou que um novo dilúvio ia destruir a humanidade… há poucos dias, eu escutei esta modinha:

Eu vi descê do céu um cavaleiro,
Montado num cavalo ajaezado,
Atrás dele vinha, bem ligeiro,
Um bando, do inferno despejado…
Oxente, eu pensei aqui pra mim,
É siná de que o mundo tá no fim!
Eu vi sofrê o povo brasileiro,
Cansado de sê tanto explorado,
Sobre ele vinha os estrangeiro,
Um bando de ladrão endinheirado…
Oxente, eu pensei aqui pra mim,
É siná de que o mundo tá no fim!
Eu vi um ladrão sorrindo, bem fagueiro,
Num trono muito arto assentado,
Junto dele, nadando no dinheiro,
Um bando de político safado…
Oxente, eu disse, oiando pro Salim,
E siná de que o mundo tá no fim!
Eu vi um ministro, todo galhofeiro.
Rindo muito dos assalariado,
Junto dele, um gordo prazenteiro,
E um bando de privilegiado…
Oxente, eu disse, oiando pro Delfim,
É siná de que o mundo tá no fim!
Se o fim do mundo é causo verdadeiro,
Tem político que já tá inté conformado,
Que se acabe em barranco, bem ligeiro,
Que é pra mode deles morrê encostado…
Oxente, eu falei aqui pra mim,
É siná de que tá mermo no fim!

OBS: Em terra de vidente, quem não tem olhos enxerga mais do que outros.

05/06/1980 – Cantinho do Sucesso

Hoje, com a música

Mais uma Vez

Quando eu votei pela primeira vez
Tudo era poesia…
A juventude andava em nossos corpos,
Tinha democracia.
E eu votei como um menino pode votar,
E me perdi em sonhos…
Quando a democracia foi embora, eu chorei
Como um menino sabe chorar
Quando eu votei pela segunda vez,
Já era um homem feito…
E no meu voto elegi alguém,
Com todos os defeitos.
E eu avistei,
Como um adulto sabe enxergar,
A dura realidade…
Quando o Al-5 chegou, eu chorei
Como um homem não deve chorar.
Quando a “Abertura”, revivendo as lembranças,
Me fez sentir um resto de esperança,
João passou pela rua,
E o passado voltou
A lembrar os meus votos…
Mais uma vez eu sonhei
E lembrei de uma urna,
Linda e aberta aos meus braços.
Quase que eu acreditei, veja você.
Mas… olhei pros jornais
E parei os meus passos.
E, de tanta tristeza, percebi
Que este ano ninguém vai votar..

07/06/1980 – Há 16 Anos

“Atenção jovens que estão completando 18 anos: se lhes disserem que isto é uma urna, não acreditem!”

O velho Casimiro de Abreu que me desculpe, mas resolvi parodiar descaradamente, a poesia dele:

Oh, que saudades que tenho
Do tempo em que se comia,
Em que havia democracia,
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naqueles tempos fagueiros,
Em que todos os brasileiros
Eram felizes demais!
Como eram belos os dias
Da minha adolescência:
Acreditava, com inocência,
Que meu País era o melhor;
O povo – um povo sereno,
O voto – um direito sagrado,
O político – um homem honrado,
O Brasil – um hino de amor!
Que sambas, que gols, que vida,
Que noites de melodia,
Que linda a democracia,
Como era belo votar!
Como eu achava belas
As urnas, de votos cheias,
Em vez dessa coisa feia
De mandatos a prorrogar!
Oh, dias da adolescência:
Oh, como havia decência!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Onde só vejo malícias,
E promessas fictícias
De que se vota amanhã!
Livre eleitor, nas campanhas,
Eu via, bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito
– Pés descalços, mesmo assim –
O povo aqui de Campinas
Às voltas com o voto livre,
Em vez de correr, ligeiro,
Para apupar o Salim!
Naqueles tempos ditosos
Em vez de chorar as pitangas,
O governo arregaçava as mangas
E a gente podia votar;
Sem Delfim, Ave-Maria,
Como o Brasil era lindo!
Eu escolhia, sorrindo,
Quem ia nos governar!
Oh, que saudades que tenho
Do tempo em que se comia,
Em que havia democracia,
Que os anos não trazem mais:
Que amor, que sonhos, que flores,
Naqueles tempos fagueiros.
Em que todos os brasileiros
Eram felizes demais!

17/06/1980 – Hora da saudade

“BLOCO NA RUA” (OU, VOTO NA URNA)

Há quem diga
Que vai ser uma briga…
Quem dormiu de touca,
Quem marcou bobeira.
Quem falou besteira
Vai se estrepar!
Há quem diga
Que não é de nada…
Quem é da oposição.
Ou contra o governo,
E que este ano
Não vai ter eleição!
Eu quero é botar
Meu voto na urna,
Votar, votar pra valer…
Eu quero é botar
Meu voto na urna.
Mostrar quem deve vencer!
Há quem diga
Que não é nada disso…
Que o homem tá um ouriço.
Que um pouco menos disso
E um pouco mais daquilo
Vai matar de medo
A oposição!
Há quem diga
Que o troço tá ruço…
Que, a cada discurso,
Vai sair cadeia;
Que a coisa tá feia,
E o pleito vai virar
Pura intervenção!
Eu quero é botar
Meu voto na urna.
Votar, votar pra valer…
Eu quero é botar
Meu voto na urna.
Mostrar, do povo, o poder!

18/06/1980 – O Barrigudinho

Alice atravessou o espelho de sua casa e foi parar na Casa do Espelho. Como foi que isso aconteceu, perguntem ao Lewis Carroll, se ele baixar em algum centro por aí. O fato é que, lá chegando, ela encontrou um ovo sentado num muro, fazendo cálculos.

O ovo era o ministro da Falta de Planejamento da Casa do Espelho e se chamava professor Antoninho, mas era mais conhecido como “O Barrigudinho”, graças a sua obesidade, resultado de muita comilança ás custas do povo.

Ao ver a menina, o Barrigudinho disse: “Estúpida criança da plebe, quanto é 365 mais 1?” Ao que Atice respondeu, prontamente: “366, é óbvio!” O Barrigudinho abriu um largo sorriso (cínico) e falou: “Errado, garotinha tola! 365 mais 1 é igual a 364!”

Aquilo era a maior tolice que a jovem Alice já escutara na vida (e olhem que ela estava acostumada a escutar baboseiras na TV, todo dia…). “Que espécie de cálculo é esse que o senhor está fazendo, seu ovo maluco?” – perguntou a menina, já queimada. Impávido, o Barrigudinho redarguiu: “Estou apenas calculando o Índice de inflação deste ano, na Casa do Espelho!”

– “Pelo que vejo, a inflação deve estar muito alta” – disse Alice – “pois 365% ao ano é inflação de derrubar qualquer um!” Mas o Barrigudinho soltou uma gargalhada e acrescentou: “Já percebi que você não entende nada de números e nem do que ocorre na Casa do Espelho! Aqui é tudo ao contrário, posto que o espelho reflete uma imagem invertida da realidade!”

Até que tinha lógica essa tolice, foi o que pensou a menina, uma vez que as tolices ditas pelos ministros (em geral) costumam soar como verdades, por algum tempo. Mas o Barrigudinho cortou o raciocínio da garota, dizendo: “Como pode perceber, obscura criança, nossa inflação atinge o índice de 1% ao dia… reduzindo-se essa cifra do total do dia anterior, chegaremos ao fim do ano com uma inflação de, precisamente, zero por cento!”

Alice já estava maravilhada com a sabedoria do ministro (o negócio dele era números), quando um grande estrondo sacudiu a Casa do Espelho… Era o povo, que estava promovendo uma passeata-monstro contra o custo de vida, e contra a falta de vergonha dos governantes daquele país!

Ao ver o povo, que surgia de todos os lados, com faixas e cartazes, e gritando palavras de ordem, exigindo democracia plena e total direito de escolha de seus governantes, o Barrigudinho levou um tremendo susto e… CATAPRUM! – caiu do muro! E foi assim que surgiu a famosa poesia popular, que diz:

“O Barrigudinho sentou-se no muro,
O Barrigudinho caiu no chão duro.
E nem todos os homens do rei, e talvez
Todos os seus cavalos, poderão
Colocá-lo ali outra vez!”

21/06/1980 – É a glória! É a glória!

Durante os últimos 23 anos tenho escrito histórias em quadrinhos para adultos e crianças, sendo que, nos últimos nove, trabalhei com exclusividade para os estúdios Disney no Brasil, na Editora Abril. Nesse período, criei mais de 2000 argumentos para histórias em quadrinhos, a maioria dos quais foram distribuídos para o mundo todo, exceto alguns países socialistas, e traduzidos para quase todas as línguas que existem.

Todavia, somente de seis meses para cá, colaborando com o Jornal de Hoje, é que tive a oportunidade de desenhar e redigir uma coluna assinando meu próprio nome, o que foi motivo, para mim, de imensa satisfação. Foi assim que, com o aparecimento da coluna “PALAVRA E TRAÇO”, passei a tomar um contato pessoal maior com o público leitor, especialmente com o maravilhoso público de Campinas, terra onde só não nasci por acaso e que me viu crescer; onde frequentei a primeira sala de aula (no G.E. Orozimbo Maia) e fiz o curso secundário (no CE. Culto à Ciência).

A partir de hoje, com imensa alegria, passo a ter minha coluna publicada na página dois do JH, a página nobre, ao lado de jornalistas de gabarito internacional como José Hamilton Ribeiro, Roberto Godoy e Zaiman de Brito Franco, o que, por si só, já é uma imensa honra. Entretanto, a data de hoje tem, para mim, mais um significado especial: foi exatamente há 8 anos, em junho de 1972, que criei para os estúdios Disney aquele que considero o meu personagem favorito: o Morcego Vermelho, que teve suas primeiras aventuras publicadas no ano seguinte, numa edição especial que bateu todos os recordes de vendagem até então, tendo sido lida por (segundo estimativas) mais de dois milhões de amantes das histórias em quadrinhos, tanto crianças como adultos e adolescentes.

Isso, só no Brasil. Posteriormente, com a distribuição para outros países do mundo, impossível seria dizer quantas crianças (de todas as idades) já riram das bobagens que escrevo. Assim, escolhi a figura original da capa da 1ª edição para ilustrar esta coluna de hoje. Sinto-me profundamente feliz. Como diria o Morcego Vermelho: – “É a glória! É a glória!”.

29/06/1980 – O Povão Misterioso

Quem não se lembra da música Pavão Mysteriozo, de Ednardo? Só que agora ela está sendo cantada de um modo um pouco diferente:

Povão misterioso
Triste e andrajoso,
Tudo é mistério Nesse teu penar…
Ai, se eu vivesse assim.
Aturando o Salim,
Muita b… eu tinha
Pra atirar!
Povão misterioso,
Antes que o poço seque,
Te livres do moleque
Que quer te estrepar…
Não deixes que o gordinho
Te leve no biquinho,
E as taxas de inflação
Queira alterar!
Povão misterioso
Que vives de teimoso,
No escuro dessa noite
Tens é de lutar…
Exige os teus direitos,
De votar na eleição,
Desmancha isso tudo
Que não é certo não!
Povão misterioso,
Não fiques temeroso,
Se um xeque raivoso
Tentar te intimidar…
Não temas ver tua terra
Esmagada nesta guerra,
Eles são muitos
Mas não podem te calar!

30/06/1980 – O Xá está na miséria!

Quem diria? O ex-xá do Irã, Rheza Pahlevi, que roubou bilhões de dólares do povo daquele país, e cuja extradição vem sido pedida (juntamente com o ouro e jóias roubadas) pelo Aiatolá Raoulah Komeini, esta na miséria.

Pelo menos, foi o que atestou o delegado de policia de Timon (MA), José Maria Barbosa de Andrade, que ficou famoso (ou famigerado?) quando obrigou o jornalista Carlos Dias, de Teresina (PI), a engolir sem água um exemplar de jornal, onde o delegado era duramente criticado pelo jornalista.

Carlos Dias, redator de “O Estado”, de Teresina, diante de tamanho desrespeito aos seus direitos humanos, à liberdade de imprensa e à lei em geral, devolveu na mesma moeda: solicitou um “atestado de pobreza” ao delegado timonense (ou timoneiro?), em nome do ex-xá do Irã, para provar que a nossa policia esta muito mal-servida de elementos capacitados e que o delegado era semi-analfabeta. Eis o teor do atestado:

“Atesto, para fins eleitorais, que o ex-chá do Ira, Reza Parleve, filho de Nordino Rá Parleve e de Naghir Parleve, residente nesta cidade, a Rua Odilio Costa, n° 154, é pessoa reconhecidamente pobre” (sic). Segue-se a assinatura do delegado José Maria Barbosa de Andrade, com timbre da policia de Timon e tudo o mais que a lei exige nesses casos.

O delegado timonense (ou timoneano?) não pode negar a assinatura no documento, e nem pediu a algum juiz que se lhe negasse a validade. Ele disse a repórteres, que o entrevistaram, que assim o fez “porque a lei me dá esse direito”. Ao ser informado, pelos repórteres, de que o suposto “miserável” se tratava de um homens mais ricos do mundo, exclamou: – “Eu pensei que fosse mais um miserável que precisasse de documento para se alistar, e como não quero brigar com políticos, nessa época de abertura, dei logo”.

Estão vendo só? Antes da “abertura”, político não valia nada. Agora, até delegado está com medo de político, dando logo tudo o que for pedido. Será que isso representa, de fato, um aumento de poder do Legislativo, antes disso ser aprovado no Senado e na Câmara? Estarão as prerrogativas parlamentares realmente sendo restabelecidas? O poder civil começa a ser respeitado, outra vez, até pela polícia? Essas respostas só virão no seu devido tempo…

Pois é, doutor delegado, aprenda que não se deve desrespeitar a lei e os direitos humanos, e nem abusar da autoridade. Acima de tudo, aprenda a respeitar os jornalistas. Como diria a Rainha de Copas, do “País das Maravilhas”: – Quem confere ferro, conferido será ferrado!

Palavra e Traço – Maio de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/05/1980 – Trabalhadores do Brasil!

Estava eu sentado à minha escrivaninha, pronto para rascunhar mais uma “Palavra e Traço”, quando meu braço tremeu, minha vista se turvou e comecei a redigir uma mensagem psicográfica, que ora transcrevo;

“Trabalhadores do Brasil!

Na oportunidade em que se comemora o Dia do Trabalho, dirijo-me à Nação para cumprimentar o operariado brasileiro, pela sua capacidade de luta e de organização, mesmo diante das funestas provações que lhes têm sido impostas nos últimos anos.

Direitos trabalhistas, leis de proteção ao trabalhador e a própria Consolidação das Leis do Trabalho, tão duramente conquistados através de muitos anos de luta, têm sido desrespeitados por aqueles a quem deveria caber o ônus de zelar por essas mesmas leis e direitos! A estabilidade por tempo de serviço, conquista maior do trabalhador brasileiro, já não mais existe.

O direito de greve, claramente expresso no conjunto de leis de proteção ao trabalhador, não mais é respeitado. A liberdade de reunião deixou de existir na plenitude, já que as praças públicas e os estádios de futebol foram vedados para a realização das assembléias trabalhistas. A ilegalidade das greves tem sido decretada, a todo custo, mesmo ao alto preço do achincalhe dos mais elementares conceitos de Justiça e do aviltamento do nome de juristas brasileiros!

Equivocaram-se aqueles que me atribuíram afirmações de que fui escravo do povo e que este povo não mais seria escravo de ninguém! O povo só pode ser livre na medida em que a sua capacidade de organização e de união se torne maior do que as forças contrárias, geradas pelo poder da concentração do capital, pelo anseio do lucro e pela cupidez daqueles que se locupletam com os desvios da Lei, gerados pelo abuso do poder!

Unidos no mesmo espírito de coesão, lograrão os trabalhadores brasileiros atingir seus objetivos, a despeito do uso da força, da intimidação e da prisão arbitrária. Não há de ser a intervenção nos sindicatos dos operários, nem as bombas e nem os cassetetes das forças da repressão, que irão deter a marcha do operariado brasileiro rumo aos horizontes do seu grande destino!

Trabalhadores do Brasil! Antevejo, com olhos marejados de lágrimas, o grande dia de glória em que a democracia plena será atingida e o povo brasileiro verá, altivamente, conquistadas as suas mais legítimas aspirações!

  1. A) Um espírito amigo”.

Um espírito amigo… Faz lembrar alguém, não faz?

03/05/1980 – Cantinho do Sucesso

Inflação, poluição, desmatamento, falta de moradia, fome, falta de assistência médica, de dinheiro para comprar remédios etc. São estes alguns dos pequenos probleminhas do povo brasileiro, pra não falar na dívida externa. Desconsolado, o povo, pra espantaras mágoas, canta assim:

MINHA RUA

Nesta rua, nesta rua tinha um bosque,
Onde agora só existe um espigão…
Desse jeito, desse jeito minha rua
Vai chamar, vai chamar desolação!
Se esta rua, se esta rua fosse minha,
Eu mandava, eu mandava replantar,
Com mudinhas, com mudinhas de jaqueira,
De mangueira e até de jequitibá!

Ou então, assim:

EU QUERIA

Eu tenho andado tão faminto, ultimamente,
E nem vejo em minha frente
Nada, nada pra comer…
Às vezes fico a caminhar pela cidade,
Relembrando, com saudade,
De uma bóia pra valer…
Eu queria ter na vida, simplesmente,
Um salário mais decente,
Pra comer e pra beber…
Uma casinha sem financiamento,
Correção e nem aumento,
Pra de noite adormecer!

05/05/1980 – Cantinho do Sucesso – II

Aumento do pedágio, gasolina a Cr$ 28,00, leite marronzinho e carinho, falta de vergonha na cara de uns e outros… Tudo isto faz com que o povo, sem outras opções, cante para desabafar, assim:

UM LENCINHO

Aquele aumentinho,
Que você negou,
E só um pedacinho
Do muito que malufou!
Um lencinho
Não dá pra enxugar
O rio de lágrimas,
Que o povo vai chorar,
Que nasce da vontade
Que você tem de malufar
Que nasce da vontade
Que você tem de malufar!

Ou até músicas juninas, antes do tempo:

SEU JOÃO

A inflação vai subindo,
Vai caindo o salário.
Meu nível de vida
Está muito precário…
Seu João, Seu João
Avise ao Delfim
Que assim não dá não!
Seu João, Seu João
Avise ao Delfim
Que assim não dá não!

06/05/1980 – O Povo é de Paz

O povo brasileiro é pacífico e ordeiro, como ficou provado no dia 1° de maio, o “Dia do Trabalhador” que, em nossa terra, chama-se “Dia do Trabalho”, o que é um absurdo, pois nesse dia ninguém trabalha.

No ABC, (após alguns incidentes onde a Polícia Militar baixou o cacete, arrancou faixas das mãos dos operários, atirou bombas de gás lacrimogêneo e agrediu um senador da República, Franco Montoro, a socos e pontapés, além de outras amenidades costumeiras) houve uma passeata-monstro, onde 120 mil pessoas, na mais absoluta ordem, protestaram contra as prisões ilegais dos líderes sindicais e apoiaram os metalúrgicos em greve.

E sabem por que a passeata foi feita em ordem e na mais perfeita paz? Porque o comando da PM resolveu, num rasgo de bom senso, retirar o policiamento e permitir a realização da manifestação pública, liberando inclusive o estádio da Vila Euclides para o uso da assembléia de trabalhadores em greve.

Assim, fica demonstrado que o povo é de paz.

Quem provoca os choques, ferimentos, agressões, etc., é a própria polícia, que deveria ter, como primeira obrigação, o dever de manter a ordem e paz. Basta se recordar outro incidente, ocorrido há poucos dias, em que outro senador da República, Orestes Quércia, do pMDB tal como Franco Montoro, e de Campinas, foi estupidamente agredido com uma bomba de gás lacrimogêneo, quando transportava, em carro oficial, o líder metalúrgico conhecido como “Alemão”. Uma vez mais, a agressão partiu da polícia, não se sabendo se de agentes do Deops ou do Doi-Codi.

Sob pressão popular, o comando policial cedeu no dia 1° de maio… Mais uma vitória do operariado brasileiro, que demonstrou ser ordeiro e pacífico.

O trabalhador só deseja melhores salários e condições mais dignas de vida (ou menos indignas).

E é isso aí, minha gente: como dizia o poeta, “a praça é do povo, a praça é do povo, a praça é do povo, como o céu é do condor”! Só que, no ABC, o céu é dos helicópteros do exército.

07/05/1980 – Modinha do Cego Cantadô

Rua de terra, vila do Nordeste, porta da igreja. Foi lá que ouvi um cego “cantadô” dedilhar a viola e cantar assim:

“Oxente, eu vou falá
Da greve do ABC.
O que tá cuntecendo lá,
Só quem é cego num vê.
No papé de trovadô,
Num posso sê a favô
E contra num posso sê.
Eu sei que aqui no Brasí
Tem ministro, sim sinhô.
Tem ministro do trabaio,
Num tem do trabaiadô.
E se acauso alguém se atrave
A arresorvê fazê greve,
Vai pro xadreiz, sim sinhô.
Sei que num é novidade
As puliça, com vontade,
Baixa o pau pra valê,
Batê nos trabaiadô…
Só que lá no ABC
Apanha inté deputado,
Apanha inté senadô.
Em veiz de aribu, no céu,
Tem uns treco com motô,
Recheado de sordado,
Coisa da gota serena!
O povo aqui do nordeste
Chama de coisa da peste
Esses aribu sem pena.
Tem uns líder sindicá,
Que tá tudo no xadreiz.
E o governado de lá
Já mandou prender mais seis…
Sô cego e num vejo a luiz,
Mas eu juro por Jesuis,
Que pobre lá num tem veiz.
É mió eu me calá,
Se eu continuá a canta,
Os homi pode pensa
Que eu quero subivertê.
No papé de trovadô,
Num posso sê a favô
E contra num posso sê.

08/05/1980 – E o Circo Chegou!

O Grande Circo Brasil chegou! Venham todos ver os palhaços, as bailarinas, os equilibristas, os mágicos, os animais amestrados! Não percam! Vejam as principais atrações:

Na corda bamba – Incrível número estrelado por César, o inimitável! O homem está na corda bamba há meses e não caiu até hoje! Nem mesmo o caso das mordomias e nem os constantes aumentos dos derivados de petróleo o derrubaram. Mas há quem ainda garanta que ele vai cair.

A gorda bailarina – Com cento e vinte quilos, essa artista incrível vai na valsa com a maior tranquilidade. Já bailou em Paris, onde recebeu (segundo se diz) polpudos cachês. Não deixem de ver Delfina – corram comprar seus ingressos, pois, do jeito que as coisas vão, ela vai dançar!

O incrível mágico – Mário, o magnífico, já tirou da cartola uma ponte imensa e uma estrada sem fim! Agora anda tirando casas pré-fabricadas para os flagelados das enchentes, ao preço de Cr$ 4 mil o metro quadrado, quando poderia tirar casas da metade do preço. Sua maior mágica, entretanto, é conseguir permanecer no posto, apesar disso.

O domador de feras – Número estrelado por Ernane, com muita ação (mas muita ação mesmo!). Esse domador extraordinário soltou as feras no vale e, quando o povo se apavorou, acalmou a todos gritando: Senta que o leão é manso!

O homem invisível – Só este circo tem este número! Couto, o homem invisível, está em toda parte e ninguém o vê. Por trás dos bastidores, ele rouba o espetáculo, há anos. Há quem afirme que o circo é dele, mas ninguém tem certeza. Couto, o invisível, atua nas sombras!

O mestre da equitação – João é um cavaleiro incrível, que consegue manter-se na sela, apesar de todos os contratempos pelos quais passa o Circo Brasil. Em seu número, cavalga com a mão estendida, enquanto que puxa as rédeas e o bridão com a outra. Todavia, há quem afirme que ele ainda vai cair do cavalo…

O rei dos palhaços – Rindo e fazendo rir, Paulo é, sem dúvida, o rei dos palhaços! Suas tiradas provocam as maiores gargalhadas, mas há quem diga que seus atos, fora do picadeiro, são de fazer chorar. Paulo também é mágico e promete tirar petróleo até de pedra! Seu maior número é dar pirueta e cair sentado sobre uma redoma de cristal. O povo não sabe se ri ou se chora, mas Paulo gargalha, pois alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo!

Sessões diárias, a preços altos, mas vale à pena ouvir o arauto do circo, Said. gritar: – Hoje tem marmelada? E o povo responder: – Tem, sim senhor! – Hoje tem goiabada? – Tem, sim senhor! – E o palhaço, o que é? E o povo, em peso: – É ladrão! É ladrão! É ladrão!!!

10/05/1980 – The Blind Singer Rides Again!

O cego “cantadô” ataca novamente! Ele veio pra “Sumpaulo” e anda cantando pelas quebradas de São Miguel Paulista, subúrbio onde predominam os nordestinos. Fui encontrá-lo na porta duma igreja, cantando assim:

“No dia que o sertão fô virá mar,
No dia que o mar virá sertão,
O povo nesta terra vai mandá,
Por enquanto só quem manda é os tubarão!
Eu sei que eu num posso enxerga,
Mas enxergo mió que os patrão…
E sei que esse dia vai chega,
E que vai terminá nossa aflição!
É mió se vivê pedindo esmola,
Do que sê trabaiadô no ABC.
É mió cantá moda de viola,
Do que nas indústria padecê!
Oxente, é honesto trabaiá,
Mas quem trabaia deve recebê…
O povo só merece melhorá,
Em veiz de cacetada pra valê!
Diz que é um direito fazê greve,
Pará, cruza os braço, sim sinhô
Mas se os pobre faiz isso, a coisa freve,
E é pau no lombo dos trabaiadô!
Eu queria vê a paz no meu país,
E a orde e o pogresso imperá,
Eu queria vê o povo sê feliz,
Mas sô cego e num posso enxergá…
Já dizia o veio Antonho Conseiero,
Que o povo tem direito ao seu quinhão,
Mas, enquanto só manda quem tem dinhero,
Esta terra num vai pra frente, não!
No dia que o sertão fô virá mar,
No dia que o mar virá sertão,
O povo nesta terra vai mandá.
Por enquanto só quem manda é os tubarão!

12/05/1980 – Cantinho do Sucesso

Nem o “rei” escapa! O povo, angustiado com a inflação, com as greves, com o custo de vida e com a falta de vergonha na cara de uns e outros pela aí, está cantando paródias das músicas do Bebeto:

Força Estranha
(ou, Pega que é Trombadinha!)

Eu vi o menino correndo,
Não tive tempo
De barrar o caminho daquele menino…
Eu pus minhas mãos no diacho,
Mas acho que não segurei,
Só sei que, ali na estrada,
Sem minha carteira fiquei!

Café da Manhã
(ou, Tamos em Greve!)

Amanhã de manhã,
Vai haver confusão no ABC,
Camburão no caminho e depois
Pelotão da PM…
Vou escapar
Da desordem da praça e esperar,
Lentamente, a coisa acalmar,
Pra sair amanhã…
Pensando bem,
Amanhã eu nem vou trabalhar…
E, além do mais,
Da polícia eu
Não quero apanhar!
Amanhã de manhã,
Eu não quero nenhum compromisso,
Meu salário tá baixo,
E por isso,
Vou cruzar os meus braços
Quando, mais tarde,
Derem aumento,
A gente se anima,
Dá um jeito e a
Greve termina,
Vou poder trabalhar!
(Na praça apinhada,
Os PMS dão
Muita cacetada,
Muito pescoção…
Bombas que estouram,
Tiras que trituram
O trabalhador,
Quando o seguram…)

13/05/1980 – Cantinho do sucesso – III

Mesmo chorando, com bombas de gás na cara, a poluição ambiental e a inflação galopante (pra não falar da falta de vergonha de alguns políticos no poder), o povo ainda acha tempo para cantar:

Está faltando

Está faltando uma coisa em mim,
E é dinheiro, amor
A culpa é do Delfim!
Novos aumentos já foram demais,
Por isso é que eu
Não tenho paz!

Buchinho vazio

Buchinho vazio,
Um frio que provoca arrepio,
Feijão nem pintou no pedaço,
E eu já tou indo pro espaço…
Meu feijão,
Quero comer-te,
Ao menos, ver-te…
Buchinho vazio,
Feijão, meu feijão que sumiu,
Eu peço pra Deus
Devolver-te!

Porque senão, ela estoura!

É preciso muita grana,
Para suportar essa inflação!
Tudo que eu ganho a danada quer levar,
Tudo que o Delfim tem de fazer é congelar,
Porque senão
Ela estoura,
E a grana vai-se embora, o,
A grana vai-se embora! (Bis)

14/05/1980 – Futebol, Ópio do Povo

“Minha maior preocupação é com o time do Fluminense, que não anda bem!” – Quem teria feito esta declaração? Algum torcedor, no Maracanã, ou algum dirigente de clube desportivo? Nada disso: ninguém mais e nem menos do que o general Figueiredo, Presidente de plantão da República Federativa do Brasil!

Temos uma dívida externa de quase 70 bilhões de dólares, impossível de ser paga, pois os juros, os novos empréstimos e o déficit na balança comercial só tendem a aumentar essa quantia inacreditável. Mas, o Presidente está preocupado com o Fluminense…

A fome ronda 40 milhões de brasileiros, que vivem em condições precaríssimas, desempregados ou subempregados, ganhando menos do que o necessário para comer o arroz com feijão. Mas, o Presidente está muito preocupado com a má fase de seu clube…

Greves espocam por todo o País, líderes sindicais são presos, professores fazem greve de fome no xadrez, policiais da PM, do Deops e do Doi-Codi baixam a lenha nos trabalhadores grevistas, no ABC. Mas, o Sr. Presidente está mesmo é preocupado com onze marmanjos de calção..

As favelas se multiplicam, não há moradia digna para todos; o custo de vida está insuportável, os aluguéis caríssimos, o povo não tem como alimentar seus filhos e cerca de 60 crianças morrem de fome, no Brasil, por hora! Mas, S. Exa. está mesmo é preocupado com um time de futebol.

A corrupção come solta, há denúncias quase diárias contra ministros, fala-se de mordomias e de falcatruas, negociatas e mamatas entre os homens que estão no poder. Mas, o general só pensa no Flu…

O esquadrão da morte mata diariamente, a sangue frio, dezenas de pessoas, supostamente envolvidas com roubos ou tráficos de entorpecentes. Isso é um grave desrespeito á lei e à ordem, mas o D.D. Presidente está é preocupado com a falta de gols de seu time…

Ao conversar com crianças ou com operários, a primeira coisa que o general João Baptista faz é perguntar qual o time de preferência dos entrevistados: Flamengo? Corinthians? Palmeiras? Náutico? Internacional?

Será que o nosso maior governante é mesmo tão interessado em futebol, ou alguém da Secom está querendo transformar o nosso principal esporte em ópio do povo?

15/05/1980 – Moda de Viola

Eta, ceguinho cabra duma peste! Quando o pessoal lá de cima pensa que ele já parou de cantar, depara com ele na porta duma igreja, de viola em punho e cantando assim:

“Moda de viola
De um cego infeliz, ai, ai!
Moda de viola
Vai falá agora
Dum pobre país, ai, ai!
Acabou-se a greve,
Mas a coisa freve, ai, ai!
Lula na prisão,
Enquanto nas rua
Tem muito ladrão, ai, ai!
Um ministro ri,
Mas o povo chora, ai, ai!
A humiação
Que impusero ao povo
Num fica ansim não, ai, ai!
Moda de viola
Fala do João, ai, ai!
Que só pensa em bola,
Enquanto que o povo
Tá pedindo esmola, ai, ai!
Moda de viola
Num canta, só chora, ai, ai!
Isso eu num nego,
Moda de viola
Num dá luiz a cego, ai, ai!
Moda de viola
De um cego infeliz, ai, ai!
Moda de viola
Vai calá agora,
Pobre do país, ai, ai!”

19/05/1980 – Cotação

 

Hoje quem vai fazer a cotação dos filmes da semana serei eu. Mas o colega Laerte Ziggiatti não precisa ficar preocupado, uma vez que os filmes em questão não estão passando em Campinas e sim em outras localidades.

Eis os principais filmes em exibição:

Convite a Depor – Nacional. Direção de R. Turma. Em exibição em São Paulo, Santo André, São Bernardo, São Caetano etc. Com a participação de operários, professores e outros infelizes. Um delegado emprega seu tempo convidando os demais participantes para depor na sua delegacia.

Uma desagradável surpresa.

 

Os Sete Porquinhos – Nacional. Sem direção, ao que tudo indica. Em exibição em Brasília, com a participação de Merlin Netto, Emane Gavião, Mário Andaasa, Waldir Arcovarde, Lambary C. Silva, Amaury Instável e Murilo Maiscedo, além de outros. Tragicomédia baseada em novela policial de Ágata Triste, focalizando a desintegração de um governo.

Muito artificial. Não justifica a permanência desses caras nos respectivos cargos

Inflação, A Verdadeira – Nacional. Direção de Merlin Netto, César Caos, Camelo Pena e outros. Com a participação de atravessadores, agiotas, especuladores e muitos tubarões. Um elenco multinacional! Antes já tivemos umas inflações falsas, além de índices manipulados para diminuí-las, desde 1973. Agora sim, temos uma inflação verdadeira, de arrebentar a caixa de qualquer um. Em exibição em todo o território nacional.

Banditismo gratuito. Pura roubalheira.

A Classe Operária Vai Pro Quinto dos Infernos – Nacional. Direção de Luís Inácio, com a participação de boa parte da classe operária. Em exibição em São Bernardo do Campo e em todo o ABC. Trata-se da triste história do operariado. Filme pesado e amargo, sem faltar alguns toques de humor negro, sobre os problemas vividos pelos operários de indústrias metalúrgicas, derivados do trabalho profundamente aviltante a que eles são submetidos, além de salários humilhantes.

Excelente para o povo, péssimo para o governo.

20/05/1980 – Merlim Netto

A terrível e poderosa bruxa INFLAÇÃO assolava o país. O velho mago Merlin Netto, o feiticeiro dos números, jurou que acabava com ela e partiu para a luta, munido de sua varinha mágica que, em 1973, transformara uma inflação de 25% em apenas 12% (segundo os cálculos dele, pois o negócio do Merlin Netto é números)…

A velha bruxa, que já andava solta há muito, não se atemorizou e o desafiou para um duelo de magia! Nesse estranho duelo, cada um poderia se transformar no que quisesse, para enfrentar o outro.

– Lembre-se das regras! – disse a bruxa – Minerais e vegetais não valem: só animais! E também não vale desaparecer!

Merlin Netto topou, pois não queria desaparecer de jeito nenhum, e sabia que a Inflação não iria desaparecer jamais. Na verdade, o que o Merlin Netto gostava, mesmo, era de aparecer!

Assim, começou o terrível duelo: a bruxa se transformou num cavalo e virou a inflação galopante. Merlin Netto virou onça e atacou pra valer! Mas a bruxa se inflou tanto, ficou tão imensa, que a onça, perto dela, parecia um gatinho gordo e inofensivo…

Aí surgiu Emane, amigo e assistente do mago dos números, um corujão esperto e metido a sábio, que entrou também no duelo. Ernane, o amigo da onça, atacou a bruxa, gritando: – VALE TUDO! E aí foi uma luta com muita, mas muita ação! Tanta ação, mas tanta

foi só pena voando pra todo lado… Para Ernane, a luta virou um vale de lágrimas.

Depenado e muito sem graça, o Ernane saiu-se mal no caso do vale tudo. Há quem diga que, depois, ele recebeu um polpudo cachê pela sua participação na luta, mas isso já é outra história… Vendo que ser onça não adiantava, Merlin Netto transformou-se num porco selvagem!

Mas a Inflação transformou-se num dragão verde e imenso, gritando: – Oba! Hoje vai ter porco com farofa! – E partiu para cima do porcão, que fugiu correndo e gritando que não queria virar presunto das “Casas da Banha”!

Um pobre operário que passava por ali, chamado Salário, tentou ajudar o mago dos números na luta contra a Inflação, mas esta estava tão grande e poderosa que gritou: – E eu lá vou ter medo de um Salário mínimo? – E devorou o operário, sem dó nem piedade!

Merlin Netto foi se refugiar no palácio do rei João, “o sem medo”, também conhecido como João Valentão. Quando o rei viu o feiticeiro dos números transformado em porco e verde de medo, quis saber por que ele tinha sido derrotado vergonhosamente pela Inflação.

Tremendo de medo de perder o seu posto de “ministro feiticeiro” do rei, o porcão, digo, o feiticeiro explicou: – A Inflação engoliu o Salário e ficou gorda e forte, Majestade! Nada po-posso f-fazer… é tudo culpa do Salário!

E o rei, bocejando enquanto assistia a um jogo do Fluminense na TV, aceitou a desculpa, dizendo: – Ah, bom! Então está tudo bem… Minha única preocupação é o danado do Flu!

21/05/1980 – O Nostradamus do Planalto

Há pouco tempo atrás, um fanático meio maluco, chamado Roldão Mangueira, afirmou que o mundo ia se acabar num novo dilúvio. Talvez impressionado pelo próprio nome, ele afirmou que Deus ia abrir as mangueiras do céu e levar o mundo de roldão…

As profecias desse fanático, chefe da seita “Barboletas Azuis”, só assustaram umas poucas pessoas, na maioria semi (ou totalmente) analfabetas, que se recolheram a um templo e ficaram rezando, acreditando nessa conversa mole e pensando que o mundo ia se acabar…

Mas, eis que surge outro profeta no pedaço: Ibrahim, o Nostradamus do planalto! E suas tétricas profecias estão assustando muito mais gente, visto que elas têm grande chance de se concretizarem.

Por alta noite, em visionária luz, o profeta se concentrou, recebeu o santo e mandou ver esta obra prima de profecia:

“Se quem é da oposição,
Obstinado, continuar na posição
Que tomou, em recesso entrarão
As câmaras das municipalidades, os alcaides mores sairão
E os interventores, então,
Tornar-se-ão duras realidades.”

Como os leitores podem notar, trata-se de profecia em verso, de significado obscuro e sujeito a diversas interpretações. Como sou dado a decifrar sonhos e profecias, lendo os versos do novo Nostradamus cheguei á seguinte conclusão: se as oposições continuarem obstinadas na posição que tomaram, lamentavelmente as Câmaras municipais entrarão em recesso e os atuais prefeitos cederão lugar a interventores.

É de arrepiar! É o fim do mundo! Já pensaram, mais de 4.000 interventores municipais sendo designados pelos governadores estaduais de uma penada? Prefiro ver Campinas destruída por um novo dilúvio, a ver o Sr. P. Maluf designar um amigo dele, tirado do bolso do colete, para reger os destinos da nossa amada cidade!

E como, recentemente, o Sr. P. Maluf recebeu, a portas fechadas o Sr. Lauro P. Gonçalves, ex-prefeito de Campinas, que já responde a nada menos de 6 processos por abuso de poder e malversação de dinheiro público, só se pode sentir um calafrio na espinha…

Entre as profecias do Roldão Mangueira e as do Ibrahim Nostradamus, sinceramente, prefiro que o mundo se acabe.

26/05/1980 – O ministro maravilhoso

Ah, o País das Maravilhas tem um ministro maravilhoso! Eram precisamente cinco da tarde (são sempre cinco da tarde no País das Maravilhas), quando o ministro da Falta de Planejamento, Merlin (Coelho Branco) Netto chegou para o chá, pois todo mundo sabe que cinco da tarde é hora de chá

Nem bem ele tinha começado a degustar uma garrafa de “Chateneuf de Quelquechose”, importado da França, além do tradicional “filet de escargot au bouilabasse” (idem), acompanhado de um “fromage de suisse flambée”, importado da Suíça, chegou um jornalista…

Jornalista, pra quem não sabe, é um daqueles chatos que só pergunta coisas que a gente não quer ou não gosta de responder (segundo definição do próprio Coelho Branco). Vai daí, o jornalista chegou e perguntou: – É verdade que a Rainha de Copas vai determinar um corte nas importações do reino, Sr. Ministro?

– Trata-se de uma informação que não tem fundamento! – declarou o Coelho Branco, enquanto tomava um gole de champanhe “Veuve Clicot”, safra 1952, recém-chegada de Paris, acompanhada de “pomes de terre” deliciosas, desembarcadas do mesmo avião em que veio o champanhe.

– Todas as restrições já foram feitas, inclusive no setor público! – complementou o coelho, enquanto devorava uma revista em quadrinhos com o “Incrível Hulk”, o “Surfista Prateado”, o “Capitão América” e outras superfluidades ostentatórias, recentemente chegadas dos Estados Unidos.

– Aceita um pedaço de bolo?

– indagou o Coelho Branco para o jornalista – Acabou de chegar da Itália, é todo recoberto de passas e tem recheio de tâmaras da Arábia Saudita!

– E, enquanto falava, repartia o bolo.

– B-bem, eu… – retrucou o jornalista – não sei se…

– Ótimo! – redarguiu o coelho. – Se você não quer, como eu! – E engoliu o Dolo todo, de uma garfada só. O garfo e a faca, aliás, eram de prata mexicana, e tinham acabado de chegar de navio, junto com os pratos de ouro, vindos do Peru.

– Então, não haverá corte?

Indagou novamente o jornalista, engolindo seco, já morrendo de fome (como a maioria da classe, aliás)…

– Um novo corte implica em admitir que, a esta altura, ainda estamos realizando importações supérfluas, o que ê um absurdo! – declarou o ministro, tomando um gole de “Chivas Regal 12 years old”, recém chegado da Escócia, enquanto ouvia, no FM vindo do Japão, a canção “The Beatles Are Still Alive”, ou qualquer coisa parecida, vinda da Inglaterra.

– Estamos importando o estritamente necessário! – Arrematou o ministro Merlin Netto, engolindo maravilhosos figos ao licor, chegados naquele momentinho da Síria. Que ministro maravilhoso, no País das Maravilhas!

28/05/1980 – Este é um país pobre

País das Maravilhas, cinco da tarde: a Rainha de Copas manda chamar seu ministro da Falta de Comunicação, para lhe dar importantes instruções. Correndo feito o Coelho Branco, esbaforido, o ministro atendeu prontamente ao chamado, antes que a rainha mandasse cortar a sua cabeça.

Saidessa Vida, o ministro em questão, chegou às cinco em ponto (pois é sempre cinco da tarde no País das Maravilhas) e disse: – Puf… puf… puf! – Pois era a única coisa que poderia dizer, depois de correr tanto.

– Puf puf puf pra você também – respondeu a Rainha de Copas – ainda bem que atendeu prontamente ao meu chamado! Vejo que preza manter sua cabeça sobre os ombros! – E deu um trago em seu “Parliament” importado dos EUA.

– Por que me chamaste. Majestade? – Indagou Saidessa Vida, limpando o suor com um lenço de seda finíssima, importado de Hong Kong.

Os jornais do reino andaram noticiando que mais de cem autoridades governamentais estão depositando dinheiro em bancos SUÍÇOS! – Explicou a Rainha, comendo um queijo dessa mesma nacionalidade.

– Jóia! – replicou o ministro – Pode me pôr nessa boca, Majestade!

– Estúpido! – berrou a Rainha, dando-lhe um catiripapo nas orelhas – Não é nada disso! Quero que você desminta essa notícia e ainda ameace os jornais com uma nova lei de responsabilidade.

– M-mas, Majestade – redarguiu o ministro – nós já temos uma lei de imprensa, uma lei de segurança nacional, uma lei de censura… pra que mais?

– Cretino! – urrou a Rainha, atirando-lhe um rico prato de ouro na cara – Fique sabendo que lei nunca é demais!

E continuou degustando o queijo suíço, enquanto bebia champanhe francesa.

– É isso daí! – complementou Lambary, o chefe da Casa Civil da Rainha, que curiosamente era um militar – Nem sempre os donos de jornais concordam com o que é publicado nos mesmos! – E tomou um gole de vinho Chatô de Nunseiquê, recentemente importado de Paris.

Enquanto isso, o ministro da Falta de Trabalho virava uma cartola cheia de vinho branco (alemão, é claro) na cabeça, ao passo que o ministro de Falta de Planejamento repartia o bolo (de cerejas e nozes) e depois o comia sozinho.

– M-mas afinal Majestade… – disse, trêmulo, o ministro da Falta de Comunicação – o que devo dizer ao povo?

– Ora – respondeu a Rainha de Copas, enquanto degustava deliciosos bombons recém-chegados da Inglaterra – diga ao povo que isso de ter contas em bancos estrangeiros é uma calúnia!

E, complementando, enquanto deglutia legítimos marrons glacês, a Rainha saiu-se com esta: Este é um país pobre!

– Arroste! – Arrotou o chefe da Casa Civil.

29/05/1980 – Cantinho do Sucesso

Quem não conhece “Geni e o Zepelim” do Chico Buarque de Hollanda? O povo vive cantando essa música, só que numa versão um pouco diferente:

“De tudo que é nego torto,
Do mangue e do cais do porto,
Ele já foi aliado;
É amigo dos tratantes,
Dos falsos, dos meliantes,
Dos que muito têm roubado…
É assim desde menino,
Já roubava em pequenino,
E escondia no mato.
Ele nunca foi detento,
Escapou, o lazarento,
Até mesmo do internato.
Hoje rouba, amiúde,
As velhinhas sem saúde
E as mestras sem porvir…
Ele é um poço de vaidade,
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir:
Joga pedra no Salim,
Joga b* no Salim,
Ele só sabe roubar,
Ele vai nos destruir,
Ele rouba qualquer um…
Maldito Salim!”

OS: Não viso a nenhum Salim em particular. Quem achar que a carapuça lhe serve…

31/05/1980 – O Chapeleiro Louco endoidou!

Eram exatamente cinco da tarde no relógio do Chapeleiro Louco(l), ministro da Falta de Trabalho do País das Maravilhas. Foi então que a Lebre Maluca, chefe da Casa Civil da Rainha de Copas se aprochegou(2) e disse:

– Os ferreiros reais estão em greve! Cansaram de malhar em ferro frio! O líder deles, o Polvo, já foi afastado, preso e enquadrado na LSPM(3)!

– Estou sabendo! – redarguiu o Chapeleiro – Aceita não tomar chá?

– Você não deveria dizer: “não aceita tomar chá”? – Indagou a Lebre.

– Acontece que isto não é chá, é uísque, – respondeu o Chapeleiro – e não estou tomando, porque o médico me mandou só beber antes das cinco, ou depois, o que não faz diferença alguma!(4).

– O Polvo já está solto! – gritou o Rato do Campo, ministro da Falta de Justiça, que dormitava(5) dentro do bule cheio de uísque… – Hic! – arrematou – E vai voltar à presidência do sindicato!

– Não, enquanto eu for ministro da Falta de Trabalho! – berrou o Chapeleiro – O Polvo está completamente impedido! Impedido!

– Mas como, se ele não é jogador de futebol? – Argumentou a Lebre Maluca, inutilmente, pois ninguém lhe deu atenção…

– Ele não poderá se candidatar nem mesmo para o próximo mandato! – Urrou o Chapeleiro – O Polvo não será mais nada na área sindical!

– Hic! Eu não sabia que você era profeta! – disse o Rato do Campo, pondo a cabeça para fora do bule, mais uma vez, ato de que se arrependeu em seguida, pois levou um catiripapo no quengo.

– Ele não poderá recorrer â Justiça para voltar à presidência do sindicato? – Indagou a Lebre Maluca, virando uma terrina cheia de geléia na cabeça.

– Ele pode fazer o que quiser, mas enquanto eu for ministro, ele não volta! – Vociferou o Chapeleiro Louco, derramando uma cartola cheia de champanhe na goela.(6)

– Ora, você está louco! – Sentenciou a Lebre Maluca, comendo pastéis de vento e bebendo água com sabão.

– Bah, somos todos loucos!(7) Hic! – Declarou o Rato do Campo, ousando sair do bule, uma vez mais.

– Cortem-lhe a cabeça! – Berrou a Rainha de Copas, que chegava à mesa do “chá doido” naquele momento…

Como ninguém sabia á qual cabeça ela se referia, todos os ministros saíram correndo, apavorados, pois muitas cabeças já haviam rolado naquele ministério. Comendo e bebendo sozinha tudo que havia na mesa, a Rainha de Copas sorriu e, de barriga cheia, sentenciou:

– Quem confere ferro, conferido será ferrado!(8)

 

(1) – E daí, se o relógio dele está sempre parado?

(2) -Ai!

(3) – Lei de Segurança do País das Maravilhas, é claro.

(4) – São sempre cinco da tarde no País das Maravilhas.

(5) – Dormitava, já não mais dorme, posto que acordou.

(6) – De quem?

(7) – Inclusive eu, que penso ter sido Lewis Carrol na outra encarnação.

(8) – Ou qualquer coisa semelhante, bolas. Afinal, ela bebeu tudo, não?

 

Palavra e Traço – O Jornalismo de Ivan Saidenberg – Abril de 1980

Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.

Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.

01/04/1980 – 1° de Abril

Na republiqueta latino americana de La Bananera tudo era paz… “El Presidente” dormitava placidamente numa rede, em sua residência de verão (é sempre verão em La Bananera), depois de cumpridas “las obrigaciones del dia”, ou seja, meia dúzia de discursos demagógicos nos sindicatos operários, uma manifestação em “plaza pública” pela legalização do “Partido Comunista Bananero” e “outras cositas más”…

Enquanto isso, as “plantaciones” de banana de “la hacienda del señor presidente” produziam milhões de cachos para “las exportaciones”, uma produção que supria todas as necessidades do país, visto que “la hacienda” ocupava todo o território nacional.

Foi então que se ouviu um estrondo! “El señor presidente” ergueu-se da rede, de um salto, exclamando: – “Carajo! Quien és el idiota que está a soltar hoguetes, en la hora de la siesta?!” – Mas não eram foguetes e sim disparos de canhão de tanques militares…

Tendo levado a sério os discursos “d’el señor presidente”, “algunos oficiales” de “La Guardia Nacional de La Bananera”, tomaram um porre e resolveram pregar-lhe um susto, dando uns tiros para o ar. Foi o suficiente para “el gran presidente” sair correndo de sua residência de verão (é sempre verão em La Bananera), gritando: – “Jo renuncio! Jo renuncio!”

“El señor presidente” saiu “volando” para o aeroporto, pegou o primeiro avião que encontrou e gritou: – “Toca pra Cuba!” – e o piloto, que nem conhecia “el señor presidente”, pensou que era um sequestro e tocou.

Foi então que “los oficiales” de “La Guardia Nacional” assumiram o poder em “La Bananera”, decretando “el estado de sítio”, o que não foi nenhuma mudança no esquema de vida de “los bananeros”, já que todos viviam en el “estado de hacienda”.

“Los oficiales” prometeram moralizar “la republiqueta”, acabar com a corrupção, banir para sempre “el comunismo internacional”, deter “la inflación galopante”, melhorar o nível de vida de “los labregos”, ou seja camponeses, e de “los trabajadores en general” (general, em espanhol, quer dizer geral, tá?)…

“Muchos y muchos” anos depois, “el señor presidente de planton”, um oficial que havia sucedido a outro oficial, que tinha sucedido a um outro oficial e assim por diante, tomou do microfone de “La Rádio Nacional Bananera”, no aniversário de “La Revolución” e declarou: – “Presados cidadanos de La República Federativa Bananera… jo quiero decir a todos que tiene ocorrido um pequenito engafio, en todos estes años… (aham!) – pigarrou e conclui – “Preciso decir a ustedes que todo non se passo de un grande 1° de Abril! Quiá, quiá, quiá. quiá!”

02/04/1980 – Vocês Sabin disso?

Albert Sabin, prêmio Nobel de medicina, descobridor da vacina contra a poliomielite (paralisia infantil) abandonou o trabalho que vinha fazendo, em cooperação com o governo brasileiro, de erradicação dessa terrível moléstia no nosso País.

E sabem por quê? Segundo carta que ele próprio enviou ao general Figueiredo, ele afirma que “problemas burocráticos, de diversas naturezas, impediram que esse trabalho fosse convenientemente desenvolvido. Devo ressaltar a V.Exa. que esta mesma burocracia determinou fracassos no combate à poliomielite, no passado e, no presente, tenho fortes razões para duvidar do sucesso das próximas iniciativas”.

Vocês sabem a que “burocracia” ele se refere? O negócio é o seguinte: o ministro da Saúde, Waldyr Arcoverde, está criando barreiras para a revelação do verdadeiro número de crianças atingidas pela moléstia em nossa terra. Por outro lado, é igualmente “tabu” a revelação do número de crianças (e adultos) atingidas pela doença quando ela estava no auge, durante o governo Médici, de triste memória.

Os deputados Israel Dias Novaes (PMDB-SP) e Carlos Santana (PP-BA) denunciaram na Câmara Federal a falência do Ministério da Saúde e a incompetência do ministro Waldyr Arcoverde na condução do assunto, que, segundo eles, só poderia mesmo levar Albert Sabin a desistir de colaborar com as autoridades brasileiras na erradicação da poliomielite.

Novaes observou que o episódio, envolvendo um técnico de renome mundial e o governo brasileiro, “nada mais é que o reflexo de uma época (no caso, o governo Médici) em que nem a Saúde escapou da mistificação, pra que não fosse revelado ao mundo a enormidade da impostura do milagre brasileiro”.

Santana, por sua vez, afirmou que “o Ministério da Saúde deveria fechar para balanço, pois hoje não passa de um apêndice da Previdência Social, com os melhores médicos e sanitaristas marginalizados, e sem que exista ao menos, uma política nacional de saúde e o correto emprego da medicina preventiva”.

Ele lamentou também que “quando Sabin tenta corrigir esta situação no setor da poliomielite, atuando em favor da infância brasileira, a insensibilidade de um ministro de Estado e de seus burocratas põe tudo a perder”.

03/04/1980 – PLANTE, QUE O JOÃO GARANTE!

Quando o João (como prefere ser chamado o general Figueiredo) assumiu as rédeas do País (desculpem o tordilho, digo, o trocadilho), ele prometeu dar ênfase à agricultura, para estimular o plantio de gêneros alimentícios.

“Plante, que o João garante!” – berrava o Dr. Sardinha, caricatura mal-feita do Dr. Delfim, interpretada por Jo Soares no “Planeta dos Homens”. Ninguém me tira da cabeça que quem faz os textos desse programa, pseudo-crítico e bajulatório, é o pessoal da SECOM…

E os coitados dos agricultores acreditaram na campanha e plantaram pra burro, dando especial ênfase ao cultivo de soja. Enfim, era a política implantada pelo Dr. Delfim, então ministro da Agricultura, pra “encher-a panela do povo”.

Agora, os agricultores da região centro-sul do País saem às ruas, com seus tratores, protestando contra os preços aviltantes oferecidos para seus produtos, resultado do plantio garantido do governo.

Já o povo, que desejava fazer a passeata da “panela vazia”, foi proibido de fazê-la pela polícia do Rio Grande do Sul. Neste País, produtor pode protestar e consumidor não pode…

O Dr. Delfim já não é mais ministro da Agricultura, agora ele tudo vê e tudo planeja. Já não pretende mais encher a panela do povo e só conseguiu encher o saco de todo mundo, com a maxi-desvalorização do Cruzeiro e outras medidinhas tais. E os agricultores, que acreditaram nele, estão também de saco cheio, enquanto que o povo, que está de panela vazia, não pode nem protestar.

Isso me faz lembrar uma velha marchinha de carnaval, dos tempos do Getúlio, que dizia assim:

“O Brasil tem muito doutor, muito funcionário, muita professora; se eu fosse o Getúlio, eu mandava metade dessa gente pra lavoura! Mandava muita loura ir plantar cenoura, e muito bonitão plantar feijão… E essa turma da mamata, eu mandava plantar batata!”

04/04/1980 – VALE TUDO!

Galveas, não o imperador do Acre e sim o ministro da Fazenda, cargo onde foi colocado pelo Sr. Delfim Neto, que tudo vê e tudo planeja, é o novo ministro “Skylab” do governo… Todos sabem que ele vai cair; só não se sabe quando.

O caso da venda das ações da Cia. Vale do Rio Doce, companhia estatal, despertou uma onda de revolta contra o ministro, em todo o País. Até a semana passada, 40 deputados estaduais, de todos os partidos (até do PDS, vulgo “Arenão”!) já tinham subscrito moção pedindo o afastamento de Emane Gáveas de seu cargo.

Francisco Dias, do PMDB, lembrou que o Sr. Galveas é um dos chamados “Delfin’s boys” e, recordando o chamado “Relatório Saraiva”, que acusou o ex-embaixador em Paris e diversos assessores seus de receberem subornos, afirmou: – “Não é só Galveas, mas também o senhor Delfim Neto não deveria estar mais no País. Há ainda o ministro das Minas e Energia, César Cals, alvo de várias acusações até hoje não esclarecidas”.

O caso da Vale, pra quem não sabe, é um escândalo no mercado de ações. O ministro Galveas determinou a venda súbita de um imenso bloco de papéis daquela empresa, provocando alarme e pânico entre os investidores e comprometendo a imagem desse tipo de investimento.

Geraldo Menezes, do PDS, disse que o governo deveria demitir logo o ministro Galveas, “que nos vendeu para uma corretora do Rio de Janeiro e não tem jeito de explicar. Foi uma negociata suja, pútrida, fétida, inexplicável. Sou do governo, mas não sou avalista de quem fere o Erário!”

Alberto Goldman (PMDB) liderou a moção contra o ministro, pedindo o seu imediato afastamento – “O Ministro da Fazenda – afirmou ele – cometeu crime de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, ao negligenciar o patrimônio da União, quando da desastrada, ilegal e criminosa venda de ações da Vale do Rio Doce”.

Pois é, ou o governo toma providências no caso da Vale, ou a briga vai se transformar num autêntico VALE TUDO!

07/04/1980 – César Caos no País das Maravilhas

Era uma vez um menino chamado César Caos que, certo dia, quando dormitava (gostaram?) placidamente na relva verdinha de um jardim público de Quixaramobin da Serra, acordou ouvindo uma vozinha que dizia: – Como é tarde! É tarde, é tarde, é tarde!

Menino, nem te conto! Era um coelho branco, gordinho, rechonchudo e vestido com uma roupa engraçada, que corria na direção do oco de uma árvore oca (é claro)… César Caos correu atrás do coelho branco e tentou apanhá-lo (para comer, naturalmente, pois em Quixaramobin da Serra os meninos vivem morrendo de fome) e, para sua surpresa, caiu num buraco escuro.

César Caos foi caindo bem devagarzinho (dizem que, em matéria de cair devagar, ele é mestre até hoje), até chegar a uma sala onde havia uma portinha, tão pequena que não dava para ele passar por ela. Com certeza o coelho branco fugiu por ali! – pensou ele. Foi quando viu uma mesinha, onde havia um vidro cheio de um líquido estranho, escrito “beba-me” e um prato com doces esquisitos escrito “coma-me”…

Como estava morrendo de fome, César Caos comeu um doce mais que depressa e, para seu espanto, diminuiu de tamanho! Agora dava para ele passar pela porta, mas só então ele percebeu que a chave estava sobre a mesinha. Aí ele escalou a mesa, trabalho que lhe deu uma sede danada. E então – Vupt! – mandou o conteúdo do vidro pra goela. Para novo espanto, cresceu muito! Pra compensar, ele comeu mais um doce e diminuiu, bebeu mais um gole de líquido e cresceu, uma bagunça! Só sei que no fim ele conseguiu passar pela porta e ficou do tamanho normal, só que com as orelhas enormes…

E foi então que ele se viu no “País das Maravilhas”, governado pela Rainha de Copas, uma mulher meio esquisita, muito nervosa, que vivia dando sopapos em estudantes, coisinhas assim. A Rainha de Copas gostou muito do César Caos e lhe deu, para morar, uma casa que mais parecia um palácio! Menino, só para empregados domésticos, havia uma verba anual de 1 milhão, 425 mil e lá vai pedrada de pilas! (ah, sim… “pila” é o dinheiro do País das Maravilhas) – Uma coisa horrorosa!

César Caos ficou muito feliz e foi morar na casa, vizinha à do coelho branco e de muitos outros bichos, inclusive a Lebre Maluca e o Chapeleiro Doido, todos ministros da Rainha de Copas. César Caos também desejou ser um ministro, no que foi prontamente atendido pela rainha…

O fim dá história eu não sei bem, só sei que eles todos ficavam sentados em volta de uma mesa, tomando chá e dizendo baboseiras sem fim. A maior de todas foi a Rainha de Copas quem disse, pois, em meio àquela mordomia e àquele luxo, ela declarou: Este é um país pobre! Paaalmas para a Rainha de Copas, que ela merece!

08/04/1980 – O Dia em que o Maluf Comprou o Papa

“Só se São Paulo virou o Estado do absurdo!” – Assim se manifestou o cardeal dom Ivo Lorscheiter, com irritação, ao saber da existência de um inacreditável contrato comercial, assinado sigilosamente há três semanas e só recentemente divulgado, que dá exclusividade de transmissão e cobertura jornalística da visita do papa João Paulo II a Aparecida do Norte.

Ao dizer que a CNBB não admitirá qualquer tipo de contrato de exclusividade com empresas de comunicações, para a cobertura da vinda do papa ao Brasil, dom Ivo (que é presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), acrescentou que será extremamente negativa a utilização da visita de João Paulo II para fins políticos.

Dom Ivo lembrou ainda que a Rede Capital, beneficiária do contrato de exclusividade concedido pelos padres de Aparecida do Norte, pertence a um amigo do governador Maluf. “Não queremos – disse dom Ivo – que esta visita seja aproveitada para fins políticos, e deixamos claro, para aqueles que pretendem tirar proveito da situação, que o nosso grupo de coroinhas já está completo!”

A Rede Capital pertence a um certo Sr. Edevaldo Alves da Silva, até há pouco tempo um ilustre desconhecido, que agora anda por Paris com a sua digníssima cara-metade. Em 1977, o Sr. Edevaldo comprou a Rádio Novo Mundo, uma emissora inexpressiva. Em menos de três anos, o Sr. Edevaldo já integrou à sua rede mais seis estações de rádio AM e duas FM, além de contar com licença para instalar emissoras em diversas capitais do País.

Edevaldo não está sozinho, pois é íntimo amigo do Sr. Maluf, que, por acaso, é governador indireto de São Paulo. Maluf é cliente dele, pois Edevaldo é também advogado nas horas vagas, tendo defendido o governador das acusações que pesavam contra ele no escândalo Maluf-Lutfalia. Muita gente boa, ligada ao setor de comunicações, tem a mais absoluta certeza de que a Rede Capital pertence, na realidade, a Maluf; sendo o Sr. Edevaldo um mero “testa-de-ferro”.

Se nada for feito de concreto para impedir essa pouca vergonha que é o contrato exclusivo entre os pobres de Aparecida e a Rede Capital, logo, logo o Sr. Maluf acabará comprando até o papa, que fará uma espantosa declaração, quando da sua visita, apoiando o PDS. Não se espantem, pois São Paulo já é o Estado do absurdo…

09/04/1980 – Uma Greve Surrealista

O ministro do Trabalho, Murilo Macedo, classificou a greve dos metalúrgicos, que paralisa milhares deles (300 mil só no Estado de São Paulo), de surrealista!

O Sr. Macedo declarou-se “perplexo” com as lideranças sindicais, por não terem chegado a um acordo, quando a diferença entre a proposta da Fiesp e a última reivindicação dos trabalhadores era pequena.

E ainda acrescentou: – “Essa greve não me parecia com finalidade reivindicatória. Se fosse, ontem mesmo (segunda-feira da semana passada), eles teriam chegado a um acordo, pois a diferença era de apenas 0.88%!”

E mais: – “Me parece uma aventura cara demais. Será necessário novo carne para pagar os dias parados, numa hora em que as diferenças são tão pequenas? Não faz o menor sentido”.

Para mim, faz muito sentido. Ainda há poucos dias, quando da greve dos portuários de Santos (ver “Tão Cedo, Macedo?” – 22/3/80), eu afirmava que o Decreto-Lei n° 1.632, de 4/11/78, que proíbe greves nos setores considerados de Segurança Nacional, ou que sejam de atividades essenciais, poderia ser ampliado de forma a atingir todas as atividades nacionais. Afinal, o que é que pode ser definido como “atividade essencial?” Ora, tudo! Qual é a atividade que não é essencial ao País?

A fala do “perplexo” Sr. Macedo, na minha modesta opinião, visa tão somente alegar que a greve dos metalúrgicos não é reivindicatória e sim de natureza política, para depois declará-la ilegal.

Uma vez declarada ilegal, a greve terá que terminar, nem que seja a custa de borrachadas, tiros e bombas de gás, de parte da Polícia Militar e de “demissões por justa causa” de parte dos empregadores, quase todos eles representantes de empresas multinacionais que assolam o país.

Sabe, Sr. Macedo, eu não acho que só essa greve é que é surrealista. Acho que temos também um ministro surrealista, num governo surrealista e num país surrealista. Como disse o imortal Charles De Gaulle, referindo-se ao Brasil: – N’est pas un paix serieux!

Sim, não somos um país sério… Somos um País surrealista!

11/04/1980 – Ex-índio, ex-vivo!

O novo presidente da FUNAI, coronel João Carlos Nobre da Veiga, “tem um curriculum pavoroso: dedicou grande parte de sua vida aos serviços de informação na área oficial, militar e das multinacionais”.

Essa afirmativa é do jornal mensal Porantim editado em Manaus (AM), que faz graves acusações à FUNAI e a seu novo dirigente, defendendo os índios brasileiros (ou o que resta deles). Ainda segundo o jornal, o coronel recebeu, de braços abertos, os cumprimentos de declarados inimigos dos povos indígenas, “aqueles que se apressam em fornecer certidões negativas, os que autorizam prospecções e exploração de minérios, os que permitem a construção de barragens – tudo em área indígena”.

O fato é que o Cel. Veiga deseja efetuar a integração definitiva dos índios brasileiros, obrigando-os até a usar carteira de identidade, o que os tornaria cidadãos comuns e faria com que perdessem a condição de índios. Acredito que o coronel seja bem intencionado, em verdade, querendo apenas integrar o indígena à nossa cultura e civilização, para melhor protegê-lo…

Mas, na minha opinião, isso é um erro. O índio, passando à categoria de cidadão comum, numa sociedade para a qual não está preparado, numa cultura que lhe é estranha, num sistema de capitalismo selvagem do tipo que, infelizmente, assola o nosso País, é um elemento fadado à extinção!

Como índio, ele hão pode ser preso nem processado, pois, pela lei atual, é considerado como um “menor de idade”. Como índio, ele deve ter direito de viver nas terras onde nasceu e se criou, nu, em contato íntimo com a natureza e com suas crenças, com seus deuses que se assemelham aos orixás africanos.

Aculturar o índio é um erro, tentar integrá-lo, à força, na nossa sociedade é um crime! Passando da condição de índio, guerreiro altivo, à condição de mísero caboclo devidamente identificado, o índio será um ex-índio… E, em pouco tempo, também, um ex-vivo.

12/04/1980 – Mulheres de Todo o Mundo, Uni-vos!

Muita gente não entendeu minha matéria do dia 31/03/80, sob o título “Aborto, sim ou não?”, onde eu não me definia nem contra nem a favor do aborto. Talvez porque, na ocasião, fiz apenas uma abordagem política sobre o assunto, considerando a polêmica a respeito do aborto como mera fórmula para distrair a opinião pública dos seus verdadeiros problemas.

Para quem quer saber, eu sou a favor do aborto, se bem que isto é apenas uma opinião pessoal. Como homem, jamais vou conceber e jamais terei a oportunidade de decidir entre o aborto e o nascimento duma criança.

Acredito, como democrata convicto, que toda mulher que desejar abortar, antes do 3º mês de gravidez, deverá ter o direito de fazê-lo. Com lei ou sem lei, o aborto existe e é praticado em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Sou um espiritualista, mas creio que, acima de divagações sobre os direitos de um hipotético ser humano, que ainda não nasceu, estão os direitos da mulher que já nasceu, cresceu e reproduziu. Ter ou não ter filhos deve ser uma decisão de cada mulher, dependendo das circunstâncias, do condicionamento social, das possibilidades econômicas de criar filhos e de inúmeros outros problemas, que podem envolver a família, a mãe-solteira, a mentalidade retrógrada de certos pais e mães, questões de saúde e tantas outras coisas, que não vem ao caso discutir.

Todavia, após esta definição, volto a ser a favor de outros direitos da mulher, que não devem ser relegados ao esquecimento pelo problema do aborto ser ou não legal em nosso País…

Refiro-me à condição da mulher brasileira, que dificilmente consegue empregos sem levar “cantadas”, que sofre todo tipo de discriminação no serviço, que é despedida ao engravidar ou ao se casar, que recebe salários inferiores ao do homem (que já costumam ser baixíssimos), que é despedida se não quiser ir para a cama com o chefe ou com o patrão e que, depois de marginalizada e vilipendiada, é chamada de puta pela sociedade.

A questão do aborto não é essencial. Essencial, sim, é todas as mulheres do mundo se unirem para lutar pelos seus direitos e conseguirem um lugar ao sol, no mesmo nível dos homens. Creches e escolas para seus filhos gerados são problemas maiores do que a legalização do aborto.

Mulheres de todo o mundo, uni-vos!

14/04/1980 – Filmes da Semana

Depois da Semana Santa, quando a programação dos cinemas costuma ser meio fraca, temos um excelente filme em cartaz, ao lado de outros muito ruins. Para alegria dos leitores cinemaníacos, anotamos os seguintes:

COMO ERA DOCE O MEU VALE – Com E. Galveas e grande elenco.

O filme tem muita ação (muita mesmo), mas o público sai do cinema decepcionado, sentindo que esvaziaram o seu bolso (ou sua bolsa). Cotação: baixíssima.

O MEDICO E O MONSTRO – Com A. Sabin (no papel de médico) e W. Arco-verde (no outro papel). O médico deseja curar milhões de crianças de uma terrível moléstia, mas o monstro não permite, atrapalhando o seu trabalho. Cotação: abaixo da crítica.

QUANDO AS MÁQUINAS PARAM – Com L. Inácio, o “Lula” e 300 mil coadjuvantes. As máquinas param no duro, apesar dos esforços de M. Macedo (que faz o papel de um ministro), de P. Maluf (que faz de governador) e de milhares de atores que fingem de policiais. Cotação: ótimo para o povo.

O CRUZEIRO FURADO – Bangue bangue nacional, cópia mal-feita do “Dólar Furado”. Com D. Neto no papel principal, lutando para que o Cruzeiro fique cada vez mais furado e desvalorizado. D. Neto é auxiliado por E. Galveas, que trabalha muito mal. Cotação: 0,45 centavos de dólar… E baixando.

ALICE NO PAÍS DAS MORDOMIAS – Com C. Cals no papel de Alice. As mordomias são tantas, que a Alice tem mais de cem empregados e gasta uma verba superior a Cr$ 1.425.427,00 só com o pagamento deles. Alice precisa de vinte serviçais só para lhe servir chá e mais de cinquenta só para lhe limpar as orelhas. Cotação: péssimo para o País.

O PREÇO DA AMBIÇÃO – Com P. Maluf no papel de um homem poderoso, que compra todo mundo. Ele sabe que cada um tem seu preço, mas desconhece o desfecho que terá sua ambição desmedida. O filme atinge o auge quando P. Maluf tenta comprar até o papa! Cotação: caríssima para o erário público.

A VOLTA DE DRACULA – Com L. Péricles no papel do vampiro que quer sair de seu sarcófago para voltar a sugar o sangue do povo, como fez há alguns anos atrás. Mas ele sugou tanto da outra vez, que parece que não vai conseguir sair da tumba. Cotação: esperamos que fique por lá.

15/04/1980 – Democracia à Paraguaia

Em recente visita ao Paraguai, país vizinho e amigo, o general Figueiredo entregou a seu colega, o general Stroessner, “presidente vitalício e perpétuo” daquela nação, vários objetos pertencentes ao marechal Solano Lopez e sua família, capturados quando da derrota deste, no final da trágica “Guerra do Paraguai”, no século passado. Emocionado, o general Stroessner chorou…

Curioso, as prisões paraguaias estão cheias de prisioneiros políticos, e o general não se emociona com isso; milhares de paraguaios estão “desaparecidos”, desde que Stroessner tomou o poder (e isso faz tempo paca), eufemismo que designa pessoas assassinadas por motivos políticos, quer seja sob torturas terríveis, quer por fuzilamento puro e simples… E o general Stroessner não chora por isso.

O Paraguai tem eleições de tempos em tempos e o general Stroessner, candidato único, é sempre eleito (ó surpresa!) e re eleito para dirigir os piais altos destinos da nação. É estranho que tenha se emocionado e chorado por receber uma espada e outros pertences, pois ele é tido como o mais duro e mais insensível ditador latino-americano, tão cruel como Videla, da Argentina, Pinnochet do Chile, Aparício Mendez, do Uruguai e outros coleguinhas que dirigem o “Cone Sul’ da América.

“Paz, trabajo, bienestar: STROESSNER”, apregoam dezenas de anúncios pisca-pisca, no centro de Assunção, capital daquele país. No poder desde 1954, o choroso ditador dirige uma nação muito pobre, onde a imensa maioria da população é de miseráveis e analfabetos absolutos. Os paraguaios não são mais de 3 milhões, mas há cerca de 1 milhão deles vivendo no exílio, principalmente na Argentina e no Brasil.

Nos cárceres políticos, não há nenhuma preocupação com formalidades; só na prisão de La Emboscada (nome bem sugestivo, não), havia 175 prisioneiros políticos, sendo que 98 deles não tinham, contra si, qualquer tipo de processo (dados de 1977). As funções de perseguição e prisão de dissidentes são cumpridas por uma complexa rede de informações, dividida em, pelo menos, quatro ramos. De cada três paraguaios, um é pyragiie (dedo-duro)…

O contrabando é uma atividade normal no país, além da produção e tráfico de entorpecentes. Os carros roubados no Brasil são levados para o Paraguai e lá vendidos a membros das forças armadas. Mas, o general Figueiredo, quando em visita ao Paraguai, afirmou que lá existe democracia plena! Isso dá até um arrepio na espinha… Será que ele não entende nada de democracia?!

16/04/1980 – As casinhas do Vovô

Neste País acontece cada uma… O deputado Domingos Leonelli (pMDB-BA) classificou, dia 10, em Salvador, de “escandaloso favorecimento” e de “fato que já configura uma negociata” a decisão do ministro do Interior, Mário Andreazza, de adquirir 800 casas pré fabricadas de uma empresa gaúcha. Isso tudo só porque a empresa em questão foi fundada peio avó do ministro e pertence à sua família até hoje… E a compra foi efetuada sem concorrência pública.

Exageros do parlamentar, visto que o ministro nega que a firma ainda pertença à sua família (e o ministro é um homem honrado!). O diretor-presidente da firma. Cia. Industrial Madeireira, Luiz Jair de Zorzi, confirmou a compra e a inexistência da concorrência, mas negou-se a admitir qualquer ligação entre a firma e o ministro. Ela foi apenas fundada pelo avô dele, é tudo mera coincidência, é claro…

Quanto à falta de concorrência publica, o Sr, Zorzi afirmou que “há um decreto que permite tal procedimento”. Estão vendo só? O ministro apoiou-se em um ponto de vista perfeitamente legal. O fato de ninguém saber que decreto é esse (nem o ministro), não tem nenhuma importância. Nada prova que o ilustre e digníssimo construtor da Transamazônica e da Ponte Rio-Niterói, tenha comprado as casinhas do vovô…

Aliás, por falar na ponte e na famosa estrada, dizem as más línguas que o ministro usou muitas vezes desse tal decreto, naquela ocasião, durante o governo Médici, comprando materiais produzidos não pelo vovô, mas sim pela vovó, pelo titio, pelo priminho, etc. Mas, e claro que isso não passa de maledicências. Essa turma tem uma língua preta só!

E verdade que a Assembléia Legislativa da Bahia condenou a aplicação de recursos, da ordem de Cr$ 80 milhões na aquisição das casas pré-fabricadas, sem aplicar um só tostão na região de Bom Jesus da Lapa, onde as casas serão construídas, para abrigar vitimas das recentes inundações… É verdade, também, que o ministro autorizou a compra, pagando o preço de Cr$ 4 mil o metro quadrado, quando o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Bahia já desenvolveu técnica de construção de casa popular ao custo de apenas Cr$ 2 mil o metro quadrado…

Que que é isso, gente! Pegando no pé do Andreazza só porque ele gastou o dobro do que deveria, comprando sem concorrência as casinhas que (dizem as más línguas) são do vovô! Bobagem… O ministro só quer abrigar as vítimas das enchentes! Ele provará que tudo não passa de um MAR DE LAMA!

18/04/1980 – As bodas de prata de Mustafá-Al-Salim

Era uma vez, no país das mil e uma noites, um riquíssimo Xeque chamado Mustafá-Al-Salim, que completou 20 anos de casado. Para comemorar, ele mandou fazer a maior festa já vista, convidando amigos e parentes, xeques e califas, rajás e marajás de todos os cantos do país.

Engraçado que ele mandou fazer convites aos milhões, usando a imprensa oficial do estado que ele chefiava. A festa magnífica, igualmente, foi feita com o dinheiro do erário público e no palácio de jade e cristal que também pertencia ao povo e não ao xeque. Mas, isso são apenas detalhes…

Ele aproveitou o ensejo para convidar a todos os presentes, para ingressarem no seu partido político, o Partido Do Salim. Como muitos estavam vacilando, o xeque Mustafa-Ai-Salim não teve dúvidas: presenteou aos indecisos com as mais raras opalas. com os rubis mais finos, com os diamantes mais brilhantes, com as esmeraldas mais ricas, como se atirasse pérolas aos porcos, tudo isso tirado também do erário publico, é evidente, mas não vem ao caso.

E assim, muitos dos que pertenciam a outros partidos se passaram para o Partido Do Salim, batendo palmas e gritando vivas ao magnífico xeque. Para mostrar o quanto era generoso, ele mandou, então, servir o banquete mais lauto que o pais já tinha visto, em suas mil e uma noites… Faisões e cabritos, frutas de todas as espécies, codornas à omental, tâmaras e pêssegos do deserto, peixes e camarões, comes e bebes dos mais requintados. As bebidas eram todas importadas, desde os mais finos Whiskys até as mais deliciosas champanhes… Tudo era pouco pura agradar aos marajás!

Quando alguém lembrou a Salim que Maomé dissera: – “Uma gota de vinho não beberás!”, o astucioso xeque não teve dúvidas… Jogou uma gota de vinho fora e bebeu o resto. Assim, resolveu dois problemas de uma só vez, o da gota de vinho e o do “gole pro santo”. Como se vê, Mustafa-Al-Salim não era um maometano dos mais ortodoxos.

Mas, parece que o espírito do Profeta não gostou da brincadeira. Quando ia se curvar para beijar a mão dum marajá, Mustafa-Al-Salim levou um tremendo escorregão e caiu sobre uma rica taça de cristal, cortando a bun… Digo, a região glútea.

O povo, que tinha ficado do lado de fora do palácio, morrendo de fome e se babando de ver a festança, não perdoou e caiu na gargalhada!

MORAL DA HISTÓRIA: quem se abaixa aos poderosos mostra a região glútea ao povo.

19/04/1980 – A Falência de uma Campanha

“Plante que João garante!” – gritava um personagem inspirado então no ministro da Agricultura, Delfim Neto, interpretado por Jô Soares na TV. E acrescentava: – “O milharal não está milharando? Vai ter que milharar! Eu não sou de capinar sentado!” – e outras coisinhas assim.

Um ano depois, já podemos avaliar os resultados da campanha do governo Figueiredo, também chamada de “ênfase à Agricultura”… A Apassem – Associação dos Produtores de Sementes e Mudas do Paraná, lançou um ultimato ao governo, no último dia 6: ou se estabelece um maior índice de financiamento de valor básico de custeio, ou os produtores irão paralisar a produção de sementes de trigo para a próxima safra, optando por girassol e soja. Exigem ainda, os produtores, que o Banco do Brasil retire as sementes estocadas das unidades de beneficiamento, para dar lugar à soja.

Já o empresário e diretor do Sindicato dos Produtores de Açúcar de Pernambuco, Gustavo Queirós, afirmou: – “Nós vamos dar um prazo para que o governo se conscientize de que não estamos brincando, que nossa situação é muito grave e que precisamos de uma solução definitiva para o problema da indústria açucareira”. Ele disse, ainda, que todos os usineiros estão unidos e cansados de tantas promessas, esperando que o Governo Federal resolva a questão até o dia 25. Eles pedem um aumento de 100% em seus produtos, a cana, o açúcar e o álcool, para poderem continuar produzindo.

No Rio Grande do Sul, a demissão dos ministros Delfim Neto (Planejamento) e Amaury Stabile (Agricultura) será solicitada pelos agricultores, “a bem da agropecuária brasileira”, conforme decisão tomada dia 6, na sede da Federação dos Trabalhadores na Agricultura. A partir de agora, anunciaram que lançarão uma campanha pela queda do atual modelo agrícola, que chamaram de “nocivo aos interesses nacionais”.

Já o deputado Joaquim Guerra – PDS (PE) – afirmou no mesmo dia, na tribuna da Câmara, que o ministro Delfim Neto, ao ser procurado pelo governador de Alagoas, acompanhado de vários deputados federais, pleiteando medidas em favor da indústria canavieira, respondeu: – “Não suporto pressões. Voltem e toquem fogo nos canaviais”…

Pois é, o milharal não está milharando, o trigal não está trigando, o canavial não está canaviando. É o fim do “milagre brasileiro”… o MILAGRAL não está MILAGRANDO!

21/04/1980 – Carta a Flávia Schilling

Ela é brasileira! Está de volta depois de 16 anos de exílio e 7 anos e meio de prisão nos cárceres uruguaios

Querida Flávia:

Espero que tenha feito boa viagem e que esteja gozando de boa saúde, junto dos seus entes queridos. Aqui na terra, como diria o poeta, “a gente vai levando…” Em primeiro lugar, eu queria lhe dar boas vindas, esperando, sinceramente, que sua estada aqui seja mais agradável que os anos que você passou no Uruguai.

Desculpe se o Brasil que você veio reencontrar ainda não é o ideal, desculpe se ainda não vivemos em plena democracia e em total estado de direito. Sabe, apesar de toda a luta desenvolvida durante esses 16 anos pelo povo brasileiro, ainda não chegamos á normalidade democrática tão sonhada.

Verdade que conseguimos extinguir o AI-5, de tão triste memória. Verdade que não há mais torturas por motivos políticos em nosso País, verdade que, cedendo a inúmeras pressões populares, os cárceres da repressão se esvaziaram. Verdade que houve uma anistia, embora incompleta e restrita, verdade que os direitos humanos já começam a ser respeitados e as classes populares já começam a reivindicar seus direitos, fazendo greves, apesar dos esforços contrários daqueles que vivem a soldo das multinacionais, e apesar da lei anti-greve, que declara todas as greves ilegais…

Sei que você vai estranhar o preço de tudo, o custo de vida, a pobreza do povo, o incrível aumento de tamanho das favelas e do número de favelados. Sei que você vai achar o nosso Brasil mais triste do que quando você o deixou, com apenas 11 anos de idade, mas, o que fazer?

Aqueles que promoveram os golpes militares de 1964 e de 1968 tiveram muitos anos para consertar o Brasil, conter a corrupção, acabar com a miséria e com a inflação e colocar o País no caminho do seu grande destino. Mas, sabe como é, parece que a coisa não saiu bem como foi prometido e, sei lá por que, a miséria aumentou, a inflação estourou, a corrupção comeu solta e o País desandou…

Mas, eu confio no esforço e na capacidade de luta do povo brasileiro; eu ainda acredito que chegaremos à democracia plena e à liberdade, sei que ainda votaremos a eleger o próximo presidente da República e que vamos conseguir, nós, o povo e não os governantes, conduzir o Brasil ao seu destino de grande Nação! Apesar de tudo, seja bem-vinda ao lar, Flávia!

Atenciosamente, Ivan Saidenberg

23/04/1980 – Abertura democrática

Peça em um ato, escrita e dirigida pelo Marquês de Sade e encenada pelos internos do Hospício de Charenton, em mil setecentos e lá vai pedrada.

(Abre-se o pano – os internos estão reunidos numa sala, de camisolão)

JOÃO – Hei de promover a abertura democrática! (Com ar solene)

COUTO – E se alguém for contra? (Cochichando na orelha de lá)

JOÃO – Eu prendo e arrebento! (Dando um soco na mesa)

COUTO – Eu sou a favor! Eu sou a favor! (Cochichando na orelha de cá)

ANTONIO – Vou plantar essa ideia! (Plantando bananeira)

AMAURY – Plante, que o João garante! (Subindo no lustre)

COUTO – Democracia tem cheiro de povo! (Cochichando na orelha de lá)

JOÃO – Prefiro o cheiro de cavalo! (Relinchando)

COUTO – Eu também! Eu também! (Cochichando na orelha de cá e dando coices)

ANTONIO – Antes, se faz necessário conter a inflação! (Pulando amarelinha)_

JOÃO – Tens algum plano a respeito? (Dando um soco num estudante de medicina)

ANTONIO – Ei-lo: contenhamos os salários dos trabalhadores! (Comendo peru)

PAULO – Bravo! Apoiado! E também dos professores! (Fantasiado de Ali Babá)

CÉSAR – Menos os dos criados particulares! Preciso de muitos! (Quase caindo)

JOÃO – Precisas de 50 só pra limpar-te as orelhas! (Rindo muito… de quê?)

IBRAHIM – Não há crise alguma! Terás o que quiseres! (Limpando o nariz)

JOÃO – E quanto à corrupção, o que faremos? (Galopando pelo palco)

PAULO – Há que incrementá-la! (Fantasiado de torre de petróleo)

ERNÂNI – Eu sou muito corrupto! Locupletei-me vendendo ações! (Rindo)

MÁRIO – Eu sou mais! Comprei casas de meu avô, com dinheiros públicos! (Equilibrando-se sobre uma grande ponte)

ANTONIO – Quando eu estive em Paris, recebi umas comissõezinhas por fora… (Comendo caviar e bebendo champanhe francesa)

COUTO – Aposto em ti! (Cochichando na orelha de lá)

CÉSAR – Eu ganho! Basta ver a mordomia de que disponho! (Limpando a orelha)

COUTO – Aposto em ti! (Cochichando no orelhão de cá)

ANTONIO – Promovi a maxi-desvalorização do dinheiro! (Comendo filé mignon)

COUTO – Já ganhaste! Já ganhaste! (Cochichando na orelha errada)

WALDIR – Eu tenho mais mordomias do que todos! (Vacinando todo mundo contra raiva) Sou acusado de corrupção até no exterior!

COUTO – Ai! (Levando vacina ao tentar cochichar na orelha de alguém)

PAULO – Bem, por falar em corrupção, (Fantasiado de odalisca) eu roubei…

JOÃO – Minha carteira! (Espumando de raiva) Bateram a minha carteira! (pano rápido)

26/04/1980 – 1984 já Chegou

“The Big Brother is watching you!” – Sim, irmãos, o Grande Irmão está de olho em vocês, como previa George Orwell, em seu genial livro denominado “1984”… Orwell previu que, nesse ano, haveria um local no mundo onde tudo seria dominado pelo Grande Irmão, ser que tudo via e que tudo sabia, e que falava ao povo por milhões de aparelhos de TV, instalados nas casas, nas ruas, nas praças, nos bares e clubes, em todos os lugares.

No país do Grande Irmão, o Ministério da Paz cuidava da guerra, o Ministério do Amor promovia o ódio e assim por diante. Até a vida particular dos cidadãos era controlada, toda e qualquer tentativa de insurreição contra a ordem instituída (mesmo que fosse uma simples opinião) era violentamente reprimida.

Curiosamente, hoje vemos, em um certo país, uma situação bem semelhante à prevista por George Orwell… É um local onde existe democracia, mas não existem eleições diretas para os principais postos executivos, tais como governadores estaduais e presidente da nação; existe um Ministério da Saúde, mas há milhões de doentes e, quando um eminente cientista estrangeiro tenta curar determinada moléstia, é barrado por todos os meios burocráticos possíveis…

Existe um Ministério da Educação, mas há milhões de analfabetos sem educação nenhuma; há o Ministério das Minas e Energia, mas as minas e a energia estão entregues às mãos de empresas estrangeiras; há o Ministério do Planejamento, mas tudo é feito de improviso, sem planejamento algum; existe o Ministério da Previdência Social, mas o que se vê é uma total imprevidência, com o povo morrendo em pé nas filas dos institutos…

Existe uma “Lei de Segurança Nacional”, que só promove a insegurança dos cidadãos que, por qualquer motivo (até mesmo uma opinião) podem ser enquadrados nela. Existe Liberdade de Imprensa, mas os jornais que criticam o governo são apreendidos; há o Ministério da Justiça, mas não existe justiça igual para todos: todas as greves são declaradas ilegais, nem que precise haver dois ou três julgamentos para tanto…

Os militares nacionalistas, que fazem declarações contra as empresas multinacionais que assolam o país, são demitidos de uma penada; diretores de sindicatos, eleitos pelos trabalhadores, são afastados por meio de intervenção federal e presos! E o Grande Irmão é conhecido, nesse país, como o Super Nacionalista Irmão, que tudo vê e tudo ouve…

Que país é este? Mistério… Ninguém sabe. O que se sabe é que George Orwell errou em suas previsões por apenas quatro anos: 1984 já chegou!

28/04/1980 – O Livro dos Porquês

Obedecendo às ordens do general Figueiredo, que mandou os jornalistas (esses caras que têm de fazer perguntas) a lerem “O Livro dos Porquês”, de uma antiga coleção juvenil, “Thesouro da Juventude”, li.

Eis o que encontrei no Volume IX, à página 2695:

“Os meninos governarão o mundo?

Os meninos de hoje serão os homens de amanhã. Toda a gente sabe que os homens e as mulheres, os reis e os mendigos, os nobres e os plebeus começam a sua vida neste mundo por ser creanças invalidas, mas invalidas do que nenhum outro ser vivo, embora muitas vezes nos esqueçamos completamente d’isto.

Os homens são mortaes sem excepção alguma, e o destino do mundo e seu governo em breve estarão nas mãos dos meninos de hoje. Os que actualmente dirigem o mundo eram meninos hontem e serão amanhã pó impalpável. Tal é a lei da vida. Quer isto dizer que a educação dos meninos é a obra mais pura, mais nobre e mais necessária do mundo; obra difficilima porque o ser humano é tudo quanto conhecemos de mais complicado nos seus dois aspectos: physico e moral.

Quando os homens se convencerem de que o verdadeiro patriotismo, o verdadeiro amor ao paiz que nos viu nascer consiste, antes de mais nada, em vigorizar e enobrecer a vida humana, e se compenetrarem de que, desde o momento em que temos que morrer, tudo aquilo só se consegue educando com cuidado, desde a mais tenra infância, as gerações novas, nesse dia não só teremos o mundo organizado com o principal objectivo da educação da infância, como também os meninos, convenientemente preparados para a vida por uma sólida educação do corpo e do espírito, serão dignos dirigentes das sociedades futuras, que elles saberão fazer mais perfeitas”.

Como os leitores podem perceber, pela ortografia desatualizada, o texto acima foi escrito quando o general Figueiredo era criança. Ele era um dos meninos de então, que hoje governa parte do mundo que mede 8.511.965 Km2, sem contar o mar territorial de duzentas milhas…

Peço a ele que releia o “Livro dos Porquês”, ou pelo menos o trecho acima. Ele, que jurou fazer deste País uma democracia, que concedeu uma anistia (ainda que parcial e restrita), que pretende promover uma “abertura política”, deve se conscientizar de que tem, por primeira obrigação, de fazer mais perfeita esta sociedade que dirige.

Ou pelo menos, menos imperfeita…

29/04/1980 – Acabou a Semana do índio

A semana passada foi chamada de “Semana do índio”, por abranger o dia 19 de Abril, que é o “Dia do índio”. Antropólogos, estudiosos, interessados no assunto e governantes se reuniram, falaram sobre o índio, exibiram filmes, fizeram palestras, o escambau.

Agora, a “Semana do índio” passou. Será que houve alguma melhora para o silvícola brasileiro? Será que o governo tomou alguma medida em favor do indígena? Será que a FUNAI – Fundação Nacional do índio – fez alguma coisa para resolver os problemas do nosso aborígene?

O que eu sei é que dois terços dos territórios indígenas ainda não foram demarcados, o que possibilita a invasão dos mesmos pelos posseiros e jagunços, com o consequente extermínio das populações silvícolas. De cerca de 5 milhões que eram, quando o Brasil foi “descoberto” por Cabral, só restam cerca de 120 mil elementos, a maioria aculturados e em fase de extinção, vivendo como caboclos miseráveis.

O que eu sei é que a floresta amazônica, que poderia servir de habitat para os remanescentes (ou sobreviventes) das tribos indígenas, está sendo arrasada. 11 milhões e 200 mil hectares da floresta já foram destruídos, sem que o governo tomasse qualquer providência. E isso é hectare paca!

O que eu sei é que caciques indígenas foram assassinados recentemente, um deles, Ângelo Cretan, num acidente simulado; e o outro, Ângelo Xavier, de tiro mesmo, desferido por um tal de Antonio de Lino, pelas costas. Apesar de devidamente identificado, o assassino deste último não foi preso pela polícia. O que dizer, então, dos assassinos do primeiro, que não são conhecidos?

O dia 1° de abril registrou três séculos da proibição da escravização dos nossos aborígenes, mas isso ficou só no papel. O que eu sei é que milhares de índios continuam escravizados pelos “civilizados”, embora sem a condição oficial de escravos… Trabalham duro e recebem pequenas ferramentas, colares de contas de plástico, óculos escuros e outras quinquilharias como “pagamento”, vivendo como autênticos escravos.

Acabou a “Semana do Índio”… E agora? Quantas semanas desse tipo ainda teremos, antes que acabem também os índios?

30/04/1980 – Feira de Utilidades Domésticas

Nada de política hoje. Vamos falar da UD, feira de utilidades domésticas, que se realiza todos os anos, em São Paulo. Entre as inúmeras utilidades (e algumas inutilidades) apresentadas, destacamos as seguintes:

FECHADURA ABI-ACKEL – Fecha mesmo. Se alguém duvidar, verifique: tranca no duro. É a fechadura mais usada por nove entre dez indústrias metalúrgicas do ABC. Em caso de greve, a fechadura é imediatamente acionada. Luis Inácio da Silva duvidou e ficou trancado. É a fechadura que está contigo e não abre…

CASAS PRÉ FABRICADAS ANDREAZZA – Feitas no Rio Grande do Sul, estão sendo montadas na Bahia, sei lá por quê. Custam o dobro das casas pré-fabricadas comuns, mas são as preferidas pelo ministro do Interior, que as compra sem concorrência pública. Afinal, quem fundou a firma que constrói as casas foi o vovô dele. De pai para filho, desde 1910.

FURADEIRA MALUF – Fura qualquer coisa, desde poço de petróleo até o esquema do governo federal. Não há lei que resista à furadeira Maluf, que sempre encontra uma brecha. Já furou o orçamento das universidades e vai furar o bolso dos funcionários públicos, particularmente dos professores. Bobeou, furadeira Maluf furou!

BATEDEIRA PM – A batedeira que funciona sempre que ocorrem greves. Bate pra valer, não respeita cara, credencial ou batina. Uma batedeira porreta!

CONGELADOR DELFIM – Já foi muito eficiente, há alguns anos, congelando os salários dos trabalhadores. O novo modelo congelou a correção monetária em 45%, haja o que houver. Só não consegue congelar a inflação.

ABRIDOR DE LATAS FIGUEIREDO – Que abre, abre; todavia, anda apresentando alguns defeitos, abrindo de um lado e fechando de outro.

PANELA DE PRESSÃO ABC – Um caldeirão fantástico, que vive sempre fervendo. Mas apresenta o perigo de poder explodir a qualquer momento.

FERRO DE PASSAR POVO – Anda passando mal à beça, nos últimos 16 anos. Acho que o povo anda queimado e fumegando. Cuidado, onde há fumaça há fogo!

VASSOURA JÂNIO – Uma inutilidade completa. Ha quase vinte anos já ficou provado que varre mal e não funciona. Deveria estar no museu.

ASPIRADOR LAURINHO – Aspira demais, muito além do que deveria. O melhor que se tem a fazer é deixá-lo desligado, num canto. Sendo um aspirador de pó, ao pó há de voltar.

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Já leste o meu livro? Quem ainda não leu está convidado a conhecer minha biografia de papai, à sua espera nas melhores livrarias: Marsupial – Comix – Cultura 

A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon 

Visitem também o Sebo Saidenberg, na Amazon. Estou me desfazendo de alguns livros bastante interessantes.