História do Pena Kid, de 1974.
Nesta aventura do Vingador do Oeste temos mais um vislumbre do amalucado processo criativo do Peninha, e vemos que a história que ele escreve é publicada em “capítulos”, um pouco todos os dias, mais ou menos como uma novela na televisão.
O Peninha começa a história com uma situação, e depois vai desenvolvendo por associação livre de ideias (um pouco livre demais, na maioria das vezes). Como ele não planeja a trama de antemão, as soluções que ele vai encontrando para o roteiro à medida que o Tio Patinhas vai dando os seus palpites às vezes ficam meio forçadas, mas isso não quer dizer que elas não sejam engraçadas.
E como na TV, às vezes o autor fica tentado a “enrolar” um pouco. Naquele tempo isso era muito comum com as novelas. Chegava uma hora em que a trama começava a não ir para lugar algum. Os personagens passavam capítulos inteiros em longas conversas que procuravam prolongar ao máximo uma situação de conflito ou suspense, e por muitos e muitos capítulos, nada de importante ou decisivo acontecia.
No início os telespectadores “engoliram” essa situação, mas aos poucos começaram a cansar. No final dos anos 1970 se dizia que bastava assistir a primeira e a última semanas de uma novela, que era quando as coisas realmente aconteciam. O resto era enrolação.
Também a exemplo dos argumentistas da TV, o Peninha espera a reação do público, mais do que pelos palpites do editor, para dar continuidade à sua “vibrante” história.
Ele começa com um duelo entre o Pena Kid e Zé Cejames (Jesse James) por causa de um copo de leite (que é o que se pode pedir pelo nome num bar em uma história Disney, já que o código de ética da empresa não permite que os personagens sejam vistos tomando bebidas alcoólicas).
É nesse momento que o argumentista resolve fazer um suspense bobo: termina o capítulo do dia com os dois, herói e bandido, insistindo para que o outro saque primeiro suas armas. (E como trocas de tiros muito intensas também não são vistas com bons olhos pelo código de ética Disney, o leitor sabe que dificilmente verá um tiroteio numa história do Pena Kid).
Mas isso é algo que o Patopolense médio, que acompanha as histórias do Peninha em A Patada, não sabe. A população de Patópolis “compra” o suspense do pato (e os jornais do tio dele), a ponto de se emocionarem e se estapearem pela oportunidade de comprar um exemplar do jornal nas bancas. (Danem-se as notícias, aliás. Para que serve um jornal sem a página de quadrinhos, afinal?)

Ao contrário de todas as previsões do velho muquirana, a história se torna um sucesso, e o Peninha vai se vendo com uma responsabilidade cada vez maior de manter os leitores interessados no suspense. Mas ainda falta atar uns fios soltos, como por exemplo, por quê a história se chama “Missão Espinhosa”?
A solução encontrada pelo Peninha é tão capenga quanto hilária, mas a verdade é que o Peninha se desviou um bocado de alguma possível ideia original que possa ter dado ensejo a esse título. Ou será que “espinhosa” é a missão diária de um quadrinista, para entreter seu público?
E outro problema, que vai crescendo, é quem vencerá o duelo. Com o passar dos dias, a cidade se dividiu em dois grupos de “torcedores”, um a favor do Pena Kid, e outro a favor de Zé Cejames. Cria-se uma situação na qual se um deles ganhar o duelo, os fãs do outro ficarão enfurecidos.

Mas nosso argumentista fictício, com sua criatividade, vai encontrando soluções arrevesadas para tudo, enquanto papai vai nos dando mais uma de suas aulas sobre como (não) se faz quadrinhos, e nos revelando um pouco dos bastidores da produção e do dia-a-dia de um quadrinista. Desta vez, aprendemos principalmente que é preciso escolher cuidadosamente o nome da história, para que ele faça algum sentido. Aprendemos também que o leitor (como todo bom cliente) sempre tem razão.
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