Nem Prática, Nem Habilidade

História do Peninha, publicada em 1974.

O roteiro diz respeito aos camelôs que na época começavam a “pulular” no Viaduto do Chá, em São Paulo, que nesta história recebe o nome e “Viaduto do Café com Leite” e fica, obviamente, em Patópolis.

O Peninha vive sendo despedido d’A Patada, e procura um emprego que não exija nem prática, nem habilidade, para o desgosto da Glória, sua namorada.

É aí que entra um aliciador de camelôs, que dá a ele uma pasta cheia de “bolinhas atômicas” (dessas que hoje em dia são vendidas naquelas máquinas papa-moedas que estão por todos os cantos). Ou muito me engano, ou naquela época papai havia comprado uma ou duas dessas para meu irmão e para mim, que nos divertimos muito com elas.

Mas é claro que a coisa não é assim tão simples, e o Pato logo se vê às voltas com a concorrência, com o “rapa”… e com as próprias bolinhas, que acabam se espalhando para todo lado.

A graça da história está na correria e na confusão, no meio da qual o Peninha acaba pisoteado por toda uma fila indiana de bonequinhos de corda, entre outras trapalhadas.

O interessante é que a coisa toda acontece “em volta” do Peninha, que passa a história toda sem entender nada do que está acontecendo. Nosso herói é completamente inocente da venda clandestina de produtos no passeio público, tanto que não consegue vender uma só bolinha e ainda perde dinheiro, ao cair na carroça das melancias. Por isso, não é sequer notado pelos fiscais que passam perseguindo os outros camelôs. O Peninha não fez nada de errado, por isso não pode ser punido.

No final papai devolve a trama ao começo, como era seu costume, e lá vai o Peninha, agora pela mão da Glória, começar em mais um emprego.

A Onça E O Valente

Nos tempos de criança de papai, quando ele morava na fazenda, o povo do interior costumava se reunir na praça para conversar, e se divertia contando vantagens principalmente sobre dois tipos de atividades que eram comuns entre o povo do campo naquela época: a caça e a pesca.

Dentre as caçadas, as mais perigosas, que exigiam mais coragem do caçador, eram certamente as de onças. Era uma tradição que vinha desde os tempos da colonização, quando o “espírito” da onça, sua força e ferocidade, era uma parte importante da cultura indígena.

Esta história do Zé Carioca publicada em 1978 é uma típica lorota de caçador de onças. Pois, afinal, “quem conta um conto aumenta um ponto”, e não raro essas histórias de caçador continham muitos exageros dos fatos reais, ou eram totalmente inventadas. Quem não conhece, por exemplo, a história de pescador “daquele peixe que escapou”, que era deeeesse tamanho? Então:

O fato é que o Zé Queijinho, primo mineiro do Zé Carioca, está às voltas com uma enorme onça que está tentando transformar a cabra Gabriela em jantar.

Outro fato é que, enquanto o Nestor e o Zé Queijinho tentam manter a onça afastada, o Zé Carioca passa a história inteira desmaiando de medo a cada vez que ouve alguém pronunciar a palavra “onça”.

E a graça da história toda é essa: seria apenas mais uma “história de onça”, se não fosse a “valentia” do personagem que deveria ser o protagonista.

onca valente.jpg

Mas é claro que, uma vez de volta ao Rio de Janeiro, a história que o Zé conta para a Rosinha é bem outra, para a surpresa e indignação do Nestor.

O Elixir Do Amor

Publicada em 1978, esta é uma história do Mickey e de um dos personagens prediletos de papai, o Esquálidus, que inventa um “elixir do amor”.

O problema é que o elixir deixa agressivo a quem o ingere, enquanto inspira todos à sua volta a ficarem dóceis e amorosos, o que é claro causa uma confusão danada.

O gazecaradraursa (uma mistura de gato, zebra, cachorro, rato, dragão, urso e sapo) Pflip toma uma dose e fica agressivo, ainda mais quando o chamam de “cachorrinho”. Esta é uma característica que o Pflip tem em comum com o Lobo, o minúsculo chihuaua de 00-Zéro e Pata Hari: nenhum dos dois gosta de ser chamado assim.

Essa, é claro, é parte da graça. Esses bichos pequenos costumam mesmo ser nervosinhos, na vida real; o que surpreende e faz rir é a capacidade desses personagens de dar a maior surra nos mais corpulentos bandidos, quando provocados.

Interessante é o destino final dado pelo Esquálidus ao elixir. Papai que me perdoe, mas se funciona apenas por se espalhar pelo ar nas gotículas aspergidas pela fonte da praça, deixando amorosos todos os que ficam perto dela sem causar agressividade em ninguém, para quê ingerir?

De qualquer maneira, o problema do elixir é resolvido, e é isso o que importa.

Delícias De Um Acampamento

Acampar foi uma das coisas que nossa família fez uma vez ou duas nas férias de verão nos anos 1970, especialmente em viagens ao Rio de Janeiro, até a triste noite na qual o Camping inteiro, que ficava na Barra da Tijuca, foi varrido do mapa por uma tempestade tropical daquelas, em 1977.

Esta história do Peninha, publicada em 1978 e ambientada num Camping na “Barra do Tijuco”, retrata bem as nossas desventuras na “natureza selvagem”.

Patos demais, barracas de menos, condições um pouco rústicas demais, um puma selvagem, uma tempestade daquelas, mosquitos e estrada intransitável. É claro que papai exagera bastante os fatos, para adicionar graça à desventura dos patos.

Em todo caso, a história também retrata a desconfiança que as pessoas da cidade, acostumadas às suas residências de alvenaria, água encanada e demais confortos têm dos “perigos” de uma estadia rústica num acampamento, mesmo que o preço seja mil vezes mais barato que ficar num hotel.

Pois é, pimenta nos olhos dos outros é refresco, como se diz por aí. Para terminar a história real, após juntarmos nossas coisas de qualquer jeito e sairmos de carro do Camping devastado pelo vento e pela chuva, acabamos encontrando refúgio num hotelzinho no Recreio dos Bandeirantes, para onde voltamos várias vezes nas férias dos anos seguintes.

Amor, A Quanto Me Obrigas

Nesta história de 1973, o Professor Pardal resolve criar uma companheira para o Lampadinha, a Laurinha Filamento.

Esta é a primeira vez que Laurinha aparece numa história, indicando que também este personagem foi criado por papai, entre tantos outros.

O enredo é bastante simples: primeiro o Lampadinha está desanimado demais para trabalhar, ajudando o Pardal nas invenções, e depois está apaixonado demais para trabalhar.

Interessante é que duas coisinhas eletrônicas tão pequenas, de circuitos aparentemente simples (eles têm transistores, como antigos rádios de pilha, imaginem), são capazes de toda uma gama de sentimentos e comportamentos complexos.

Para haver também um pouco de ação na trama, papai adiciona um enfrentamento com o Professor Gavião, que sequestra a Laurinha, mas não é páreo para o Lampadinha.

História simples, singela, romântica, e cheia de ação e aventura. Precisa mais?

Pesquisador De Mercado

Mais do que o Peninha, o protagonista desta história de 1973 é o Ronron, o gato do Donald, que adora peixe, mas só recebe leite, que ele detesta.

Naquele tempo não se sabia, mas pesquisas científicas recentes demonstraram que gatos adultos são na verdade intolerantes à lactose e, como diz o próprio Ronron, “leite é para filhotes”.

Esta história é uma homenagem a um casal de parentes nossos, que eram pesquisadores de mercado na vida real, e contavam muitas histórias engraçadas a papai sobre suas andanças pelas cidades nas quais atuavam.

A trama é simples: com fome e cansado de só tomar leite, o Ronron ouve o Peninha falar em “mercado” e deduz que o pato estaria indo a algum desses estabelecimentos comerciais, onde quase sempre existem bancas de peixe.

Com esperança de acabar ganhando um peixe para comer, Ronron decide seguir o Peninha até o tal “mercado”, e acaba testemunhando todas as tribulações sofridas por ele, ao tentar repetidas vezes entrevistar pessoas e ser tomado por vendedor, entre outros mal entendidos.

A graça da história está nos tropeços do Peninha, que com o passar dos quadrinhos vai ficando cada vez mais machucado, com as roupas rasgadas, numa maré de azar que chega a dar dó até no Ronron, que na maior parte do tempo não morre de amores pelo primo de seu dono, para dizer o mínimo.

A surpresa final, na verdade uma para cada um, Ronron e Peninha, fecha a história com chave de ouro: o produto a ser pesquisado pelo Peninha era um amuleto da sorte, que o pato carregou com ele sem saber o dia inteiro, e só teve azar.

E adivinhem só o que o Donald cozinhou para o almoço, já que sabe que o Ronron gosta? Pois é. Peixe.

Em Busca Do Caneco

Nesta última aventura temática da Copa de 1982 a trama se encerra, e chega ao seu “Gran Finale”.

A Seleção Brasileira chega à Espanha, e com ela novas intrigas e personagens. Há um plano da Bronka para sequestrar um dos jogadores, e o 00-ZÉro entra em cena, juntamente com sua colega Pata Hari. Os Três Cabaleros se encontram com os agentes secretos em pleno ar, e acabam se juntando ao plano de proteção do jogador.

O universo paralelo continua, com nomes reais sendo trocados por outros parecidos, e certamente bem mais engraçados. Essa troca de nomes, comuns nas histórias em quadrinhos, se dá não apenas pelo humor, mas por motivos legais/jurídicos também, para evitar possíveis ofensas e processos.

Assim, temos nomes de jogadores como Aristóteles (filósofo da Grécia antiga) e Zeco, o Galinho de Quintal (que na verdade é um papagaio com um topete que lembra o do atual jogador Neymar, e bem parecido com o Zé Carioca, aliás). O técnico é o Telê Fônico, e por aí vai. Não é difícil concluir quem são os seus equivalentes no mundo real, não é mesmo? E quem se ofenderia com uma homenagem dessas???

Broncas com a Bronka à parte, que consegue sequestrar não apenas um, mas dois Zecos, os heróis se dão bem no final, e finalmente fazem seu voo triunfal a bordo do serapé voador para devolver o jogador resgatado à multidão que está à espera.

É nesse momento que se forma o Gran Finale, com a presença no meio do povo de todos os personagens que estiveram presentes nos outros capítulos da saga, e mais alguns.

E a Rosinha tem, mesmo que sem querer, o seu momento de “vingança” pelo beijo que o Zé aceitou de uma outra periquita na história Que Venga El Toro, e que a levou à Espanha, para tirar satisfações: ela confunde o Zeco com o Zé, e beija o jogador.

Desse modo, papai “costura” as três histórias publicadas neste gibi, criando uma trilogia com começo, meio e fim e terminando já dentro do estádio, com a Seleção jogando e a festa dos torcedores.

Eram outros tempos…

O Roubo Da Copa Do Mundo

Continuando nossa semana temática, apresento hoje a terceira história que papai escreveu para a Copa do Mundo na Espanha, em 1982.

Como vocês podem ver, ele fez pleno uso da tabelinha da copa, que foi oferecida como “poster” central na revista:

ZC Copa 2

Enquanto isso, na trama, as coisas se complicam.

Papai certamente quis se referir ao roubo da Taça Jules Rimet que havia ocorrido em 1966, na Inglaterra, e recontar essa história do jeito dele, é claro. O que ele não poderia prever (pelo menos, não de modo consciente) é que essa mesma taça, que estava guardada no Brasil, seria roubada e derretida em 1983, um ano apenas após a publicação desta história.

No mundo paralelo criado por papai para homenagear a Copa do Mundo da Espanha temos a “FUFA” (Federação Universal de Futebol Associado), e seu presidente “João A. Valanche”.

Quando o Zé resolve investigar o mistério em nome da “Agência Moleza”, que ele tem em sociedade com o Nestor, acaba sendo confundido com o Mickey, esse sim um detetive de primeira linha, que estava sendo esperado mas se atrasou.

Se aproveitando da confusão, o Zé toma vantagem do tratamento VIP (sob discretos protestos do Donald e do Panchito) para descolar um bom almoço, pelo menos, e com isso acaba descobrindo as primeiras pistas para a solução do mistério. Tanto, que quando o verdadeiro Mickey chega, acompanhado do Pateta, ele pede aos Três Cabaleros que continuem ajudando na investigação.

Eis que o ladrão da Copa é ninguém menos que o Mancha Negra, mestre em disfarces, e arqui-inimigo do Mickey.

Começa assim uma perseguição que usa trens e o serapé voador (e nesta história aprendemos que um serapé é uma espécie de poncho mexicano, e que portanto chamá-lo de “tapete” é realmente um equívoco), e que acaba com a captura do Mancha Negra na região da Mancha, na Espanha, a terra dos moinhos de vento e de Dom Quixote.

Dessa maneira, papai nos leva a um “passeio” pela Espanha, seus lugares famosos, e seus tipos peculiares, como criadores de touros e ciganos, que certamente não deve nada a uma visita real.

Que Venga El Toro!

Seguindo com o tema “Copa”, começo hoje a comentar mais três histórias, publicadas originalmente em uma Edição Especial de 1982.

O gibi que tenho aqui, aliás, está todo anotado com a letra de papai, mostrando que ele usou a revista como parte do “material de torcida”.

ZC copa 1

Esta história dá continuação à trama da anterior, com a chegada dos Três Cabaleros à Espanha, viajando no serapé voador (não é tapete, insiste Panchito, mas sim serapé).

Ao avistarem do alto a arena de touros, o Zé diz uma frase que eu ouvi de papai a vida toda: “que venha o touro, mas que venha em bifes”. Era a piada que ele fazia, sempre que algum problema menor se apresentava. Podia até ser um touro, mas não apresentava ameaça.

A música que o Zé cantarola quando eles avistam o local das touradas é esta aqui, uma marchinha de carnaval de 1938. Esta é uma lembrança de papai do jogo pela Copa de 1950 no Maracanã, quando o Brasil venceu por 6 a 1. Nesse dia, todo o estádio cantava “Touradas em Madrid”.

Ao ser questionado sobre a diferença entre tapete e serapé, Panchito responde com uma linha de Chico Buarque: “No es lo mismo, pero es igual”.

E novamente os amigos pedem ao Zé para comprar algo, sem ter entendido ainda que ele não tem dinheiro algum. Mas desta vez ele resiste à tentação de vender o tapete (perdão, serapé), e ao invés disso inscreve a si mesmo e aos outros dois numa tourada para principiantes. O objetivo era entrar na praça de touros, certo?

O Donald a princípio resiste à ideia de enfrentar um touro, mas acaba aceitando para impressionar as recepcionistas do comitê da copa. Naquele tempo as touradas ainda não eram condenadas, como são hoje, pela crueldade com os animais, mas papai não perde a chance de fazer o touro levar a melhor, e chifrar todos os três.

Nesse meio tempo, percebe-se que os Irmãos Metralha também estão na cidade, e as intenções deles não podem, em absoluto, ser boas. No final tentam roubar o serapé, mas são afugentados pelo próprio objeto que tentavam roubar.

Até aí o Zé até que está se dando bem, apesar da chifrada. A coisa complica mesmo quando a Rosinha vê pela TV o namorado dela sendo beijado por outra moça, e resolve ir à Espanha pessoalmente tirar satisfações. É nessa hora que o Zé prefere passar a noite com os touros a enfrentar a fúria da Rosinha.

Vamos Para A Espanha

Estamos em época de Copa (das Confederações, mas copa, nevertheless), e como acho que a única “manifestação popular” na qual papai baseou histórias é o Carnaval, então o negócio é resenhar uma história do Zé, relacionada com a Copa do Mundo da Espanha, em 1982.

A trama é toda baseada em mal-entendidos.

Tudo começa quando o amigo Afonsinho, que é meio abilolado e pelo jeito não conhece todo mundo, chega avisando o Zé que “uns desconhecidos” estão procurando por ele. Daí o primeiro mal-entendido: o Zé se assusta, pensando que são os cobradores, só para descobrir que são, na verdade, Donald e Panchito, vistos pela primeira vez juntos em “Saludos Amigos”, de 1942. O que eles estarão fazendo ali?

Enfim. Nosso herói está, como sempre, “desprevenido”, e acaba constrangido com a expectativa dos amigos (mal-entendido número dois) de serem recebidos com festa, comidas e bebidas.

Ao sair para ver se consegue alguma coisa, Zé vê alguma coisa fora da cena, e resolve vendê-la para fazer a festa para os amigos.

Quando ele volta com a comida (e uma “garrafa da boa”, que aparentemente passou despercebida pelos aplicadores do código de ética Disney, que não permitia bebidas alcoólicas nas histórias, ou que talvez foi deixada passar, por ser uma referência sutil), descobre o mal-entendido número três: aquilo era “só” o tapete voador (!) do Panchito. E agora?

40073302_1775796772505023_1891480971270684672_n

Ao tentar recuperar o tapete, o Zé percebe que a situação só se complicou desse jeito porque ele não “abriu o jogo” com os amigos logo de uma vez, e resolve mudar de tática, indo logo ao ponto com todos, sem tentar enrolar.

(Na página 5 da história, a placa da “Riviera Móveis e Decorações” é uma alusão a uma loja do mesmo ramo que ficava bem em frente à nossa casa em Campinas, do outro lado da Avenida Prestes Maia, e cujo dono era amigo de papai e comprou-a de nós alguns anos depois.)

Voltando à história, a sorte do Zé é que o tapete foi parar nas mãos da Rosinha. E o azar dele é que ela o deu ao pai, Rocha Vaz. Mas a explicação honesta e sincera do Zé foi demais para o “pai que é uma fera”: ele não acredita nem um pouco, mas acha tão engraçado o desespero do rapaz, que acaba devolvendo o tapete.

Isso, é claro, possibilita o início da viagem dos amigos à Espanha para acompanhar os jogos da seleção brasileira, numa série de histórias.