Se já houvesse internet nos anos 1980, este material seria, muito provavelmente, um blog. Com seu afiado senso crítico, papai comentava um pouco de tudo, de política e políticos a arte e cultura, entremeando aqui e ali com textos muito pessoais e até poéticos, sempre baseado nas últimas notícias e tendências da época.
Algumas destas colunas – publicadas originalmente no “Jornal de Hoje”, de Campinas/SP – são francamente satíricas, outras são terrivelmente irônicas. Muitas delas poderiam terminar com um internético e retumbante “#SQN”, enquanto algumas são gravemente sérias. Parte das situações e problemas aqui descritos parecerão ao leitor bastante surreais. Outros serão perturbadoramente familiares.
01/12/1980 – Mais dicionário do futebol
Conferir – Persistir, acompanhar a bola. Também marcar um tento. Aliás, o Cacique Juruna insistiu até lavrar um tento e poder viajar para a Holanda… na hora certa, estará lá para conferir.
Confronto – Partida, jogo, disputa. O que será que vai dar o confronto UNE x novo ministro da Educação e Cultura?
Conjunto – Time, equipe, entendimento entre os integrantes de um time. Falta conjunto para o time do ministério…
Conselheiro – Quem faz parte do conselho de um clube. Não confundir conselheiro com “eminência parda”, do tipo que existe no governo.
Contagem – Resultado final ou parcial de uma partida, ou soma de pontos. Quando é necessário aprovar um projeto a favor do povo, nunca dá contagem de parlamentares no Congresso, pois o PDS cai fora.
Contenda – Jogo, partida. Contenda dura será a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte…
Contra-ataque – Ataque repentino de um time que estava na defensiva, assim como o que está sendo desferido pelos partidos de oposição. Vai sair gol!
Contrato – Documento público em que duas ou mais partes assumem compromisso. O contrato que o povo quer é uma nova Constituição.
Controle – Domínio de bola. O time do governo já perdeu o controle da situação, faz muito tempo. Taí a inflação que não me deixa mentir.
Contusão – Lesão física. Não confundir com o “caso Valle”, que é outro tipo de lesão… ao bolso do investidor.
Conversa – Embromação, drible, engano. Ninguém mais vai na conversa de um certo ministro que fixou a inflação em 455… ah, ah, ah!
Converter – Fazer gol, ao cobrar falta ou pênalti. Os partidos de oposição estão cobrando todas as faltas do governo… qualquer hora vão converter.
Convite – Ato de convidar; também defesa que joga mal, que é um verdadeiro convite a tomar gol, assim tipo defesa dos pacotes antiinflacionários
Convocação – Ato de convocar. Aproveitamos o ensejo e convocamos o povo brasileiro a lutar pela realização de eleições diretas para presidente, em 84.
02/12/1980 – Anúncios desclassificados
Precisa-se urgente de:
Um sábio português, dois alemães que não bebam chope, três americanos pacifistas, quatro turcos serventes de pedreiro, cinco japoneses tocadores de cuíca, seis italianos que não falem com as mãos, sete espanhóis a favor de qualquer governo, oito russos que não gostem de vodka, nove sauditas sem dinheiro e um ministro do Planejamento que saiba planejar.
Oferece-se:
Carro importado, tamanho grande, com espaço para seis passageiros ou mais, câmbio hidramático, motor de 280 cavalos, pneus radiais, ar condicionado. Faz 1 quilômetro com apenas 10 litros de gasolina azul. Aceita-se troca por gaiola de passarinho, com ou sem passarinho, a combinar.
Procura-se:
Governador biônico, que pretende tornar-se presidente biônico, procura urgentemente pessoas com cara de gente do povo, para aplaudi-lo em todos os lugares em que for fazer visitas com sua caravana. Devem ser pessoas fortes e com pulmões poderosos, para gritar mais alto que o povo de verdade. Paga-se bem.
Troca-se:
Magnífica cafeteira automática, importada, por um quilo de café. Cortadora de carne elétrica, “made in USA”, por um quilo de filé. Bujão metálico inoxidável para 20 litros de gasolina por um litro da dita. Panela de pressão com pouco uso, por um quilo de feijão preto.
Aluga-se:
Aposentado que só come às 2as, 4as e 6as, aluga dentadura para outro aposentado que coma às 3as, 5as e sábados. Domingos a combinar.
Vende-se:
A Amazônia. Tratar em Brasília.
03/12/1980 – Foi um sonoro ‘não’ à ditadura
Durante anos a ditadura militar tentou dobrar o valoroso povo uruguaio por todos os meios: milhares de pessoas foram presas, torturadas, assassinadas, ou consideradas como “desaparecidas”. Calou-se a imprensa livre, desarticularam-se os sindicatos operários, desapareceram as organizações estudantis…
Durante anos, o País que era considerado uma espécie de “Suíça latino americana” foi sendo subjugado, aniquilado, destruído. O povo tinha de ficar em silêncio para não morrer, muitos fugiram da nação platina e se refugiaram no Brasil ou em outros países da América do Sul, outros partiram para a Europa, em busca de condições de sobrevivência, mas todos tiveram de amargar o medo, o desespero, a miséria, a fome e a revolta que todo regime de força traz.
Tentando imitar Pinochet (AAARRGHH!), o cruel tirano do Chile, o regime de Aparício Mendez fez realizar um plebiscito entre o povo uruguaio, para tentar se perpetuar no poder e legitimar o regime de força imposto pelas “fuerzas armadas”… e entrou pelo cano. Cerca de 60% do povo platino votou pelo não, por um fragoroso, estrondoso e corajoso não às pretensões da ditadura!
Ignoro quais serão as consequências da rejeição das pretensões governistas, não sei quais serão as represálias da Junta Militar contra o povo do Uruguai, mas sei que elas virão. Sei que o nobre povo da antiga “Província Cisplatina” sofrerá ainda mais com esta disposição corajosa, mas sofrerá de pé, dando ao mundo um exemplo de coragem e de dignidade humana.
São coisas desse tipo que fazem com que a gente ainda acredite na viabilidade do ser humano, na possibilidade de sobrevivência da humanidade. Nem todas as forças das trevas, da ignorância, do obscurantismo, da ignomínia, utilizadas por anos e anos contra o povo indefeso e pacífico, conseguiram dobrar a coragem, a fé, o idealismo democrático e a crença no futuro do povo uruguaio.
A mesma coragem com que os franceses enfrentaram os nazistas revela-se agora, na antiga “Banda Oriental do Uruguay”. O povo platino acaba de provar que faz jus ao seu hino nacional, cuja letra, que agora só pode ser cantada em voz baixa, proclama todavia em alto e bom tom: – “Muerte a los tiranos!”
Parabéns, povo uruguaio, por este sonoro não à ditadura!
04/12/1980 – A nova do anedotário político
Contam que um governante por aí, ao subir em um elevador no Rio de Janeiro, deparou com um antigo colega do primário, grande amigo e companheiro de infância, agora relegado à condição de ascensorista… Espantado, o governante perguntou ao amigo o porquê de estar trabalhando em um cargo simples, que não requer habilidade intelectual, embora tivesse sido o melhor aluno da classe.
O amigo explicou que não tivera oportunidade de continuar os estudos e, assim, não pudera conseguir um emprego melhor. Aliás, recebia apenas o salário mínimo naquele cargo. O governante, então, resolveu lhe oferecer um cargo na administração pública e foi logo oferecendo um posto de ministro!
– Ah, doutor, ministro não dá! – Respondeu o amigo – Eu não me sinto capaz de assumir um cargo desses!
– Olhe que o salário é astronômico, hein? – Redarguiu o governante – E ainda ofereço casa e mordomia, com todas as regalias do cargo!
Mas o humilde ascensorista não aceitou. Então o governante resolveu lhe oferecer algo mais modesto: o cargo de presidente de uma autarquia, com excelente salário, ajuda de custo e outras regalias mais.
– Ah, doutor, ainda é muita coisa para mim! – Retrucou o amigo – Quero um cargo mais simples, mais à altura da minha capacidade…
O governante ofereceu, então, um cargo de secretário particular, algo assim para ganhar uns 100.000,00 por mês fora outras mamat… Digo, regalias. Ainda uma vez o ascensorista recusou, por achar que estava abaixo das condições mínimas para exercer o cargo. O governante foi oferecendo cargos inferiores, embora todos ótimos, com salários que iam de Cr$ 80.000,00 e Cr$ 50.000,00, mas o amigo recusava sempre…
– Afinal – disse o governante – que cargo público que você quer? – Ao que o amigo retrucou: – Ah, doutor, algo bem modesto, para ganhar cerca de Cr$ 10.000,00, por aí… Para mim, já é mais do que suficiente!
– Ah, isso não dá! – retrucou o governante – Para ganhar tão pouco é preciso ter curso universitário, prestar concurso público e aguardar vaga!
05/12/1980 – E assim se passou um ano
Parece incrível, mas no último dia 30 completei um ano de atividades no Jornal de Hoje. Durante esse ano tive muitas alegrias e algumas pequenas tristezas com a minha coluna, recebi palavras de apoio de muitos leitores e críticas construtivas de alguns, o que muito agradeço, tanto o apoio como as críticas.
Um leitor me pergunta qual foi a alegria maior… Foi, certamente, o encontro com o maravilhoso público de Campinas. O curioso é que passei minha infância nesta cidade adorável e voltei a residir aqui desde 1971, mas sempre trabalhando para editoras do Rio e de São Paulo. Quando fui trabalhar para a editora do JH foi que me senti realizado inteiramente.
Outra leitora me indaga sobre o que fiz de melhor, em minha própria opinião, nesse período… Eu diria que tudo foi bom, já que o público me aceitou até mesmo quando dei enormes ratas, ou fiz previsões erradas ao apostar na vitória de Jimmy Carter. Mas, se for para destacar alguma coisa, entre erros e acertos, eu destacaria uma paródia que fiz de um poema de Carlos Drummond de Andrade, que se intitula “Poema de Sete faces”, e que é assim:
“Quando eu nasci, um exu torto, desses que vivem na sombra, disse: – Vai, Ivan, ser jornalista na vida.
As casas espiam os homens que correm atrás do dinheiro. O Brasil talvez fosse azul, se não houvesse tantas marmeladas.
A viatura passa cheia de bóias frias, de caras brancas, pretas e amarelas. Por que tanta miséria, meu Deus, pergunta meu coração. Porém é inútil, não me respondem nada.
O homem atrás dos óculos é sério, simples e forte. Quase não conversa, tem poucos, raros amigos, o homem que está atrás dos óculos e do governo.
Meu Deus, por que nos abandonaste, se sabias que o povo não era Deus, se sabias que o povo era fraco?
Mundo, mundo, vasto mundo, se o Delfim se chamasse Raimundo, seria uma rima, não uma solução. Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasta é a nossa inflação.
Eu não devia te dizer, mas esta miséria, essa dívida externa, botam a gente p(*)to da vida como o diabo!”
06/12/1980 – Delfim prometeu e encheu…
Quando foi nomeado ministro da Agricultura, no início do ano passado, o Prof. Antonio Delfim Netto prometeu encher a panela do povo. Depois, ele foi transferido para o Ministério do Planejamento, mas parece não ter se esquecido de sua promessa…
Agora vejam só que delícia: gasolina a Cr$ 51,00 o litro, gás de cozinha a Cr$ 250,00 o botijão de treze quilos, óleo diesel a Cr$ 20,00 o litro, óleo combustível a Cr$ 12,10 o quilo para o tipo ABPF e Cr$ 15,10 para o OBTE (sei lá que diabo é isso). O litro de álcool carburante subiu para Cr$ 27,50, e o querosene de aviação para Cr$ 17,00 para vôos domésticos e Cr$ 21,00 para vôos internacionais. Ah, o querosene lampante irá para Cr$ 20,00 o litro.
E tem mais: isso não vai ficar assim, não, pois daqui um mês vai subir tudo de novo. Delfim garante que em janeiro teremos mais 10% de aumento, no mínimo. Desse modo, o consumidor irá forçosamente consumir menos, diminuindo a nossa conta de petróleo, segundo o ilustre professor-ministro.
Bem, a questão da panela do pobre já não é mais da competência dele, e sim da de seu amigo Amaury Stábile, o famoso homem da sojoada. Há quem diga que a panela do pobre continua cada vez mais vazia, pois esses aumentos constantes de gasolina e outros derivados de petróleo encarecem os meios de transporte e causam uma alta geral dos preços. Mas, conforme o digníssimo senhor ministro do planejamento explicou, isso é apenas um mal necessário…
Vejam bem: com tudo o que está acontecendo, tivemos uma super safra este ano, de soja, milho e outros grãos. Verdade que cerca de 30% da safra se perdeu, por falta de transporte, e outro tanto ficou encalhado, porque os EEUU preferiram comprar farinha de peixe do Japão, a adquirir a soja brasileira, já que o destino dessas compras era mesmo a alimentação do gado norteamericano.
E já que o gado não vai comer a nossa soja, o jeito é tentar forçar o povo brasileiro a comê-la, na feijoada, em lugar da carne, como leite (Bleaghh!) e assim por diante. O povo não tem do que se queixar… O professor Antoninho (como sua digníssima esposa o chama), prometeu encher, e encheu mesmo. Se não foi a panela do povo, deve ter sido outra coisa qualquer. E como encheu!
07/12/1980 – João Quixote e Delfim dela Pança
Num lugar qualquer, cujo nome não quero me lembrar, havia um fidalgo de pavio curto e cavalo baio, chamado João Quixote. Era apaixonado pelos livros de cavalaria e pela donzela Democracia, que certa vez jurou conquistar. Um dia, montado em seu cavalo Complexinante, e acompanhado de seu fiel escudeiro Delfim Pança, saiu em busca de aventuras…
Na verdade, ele pretendia se encontrar com sua amada donzela, mas, no caminho de sua morada deparou com moinhos de vento que, altaneiros, surgiam sobre uma colina, em meio a um campo de soja.
Ao vê-los, João Quixote tomou-os por gigantes opositores e exclamou, apontando-lhes sua lança:
– Vede, fiel escudeiro: aqueles gigantes querem deter minha caminhada rumo à Democracia… Mas eu os derrotarei! – E, assim dizendo, arremeteu contra os moinhos, esporeando seu cavalo.
De nada adiantaram os protestos de Delfim Pança, que tentava avisar ao fidalgo cavaleiro de que aquilo era apenas um conjunto de moinhos… O valente João Quixote galopou contra o maior dos gigantes e, furiosamente, espetou uma de suas pás com a lança…
– Cabrum! – Não deu outra: a pá estava girando, levada pelo vento, e o fidalgo foi arrancado da sela de sua montaria, estatelando-se no chão. O fiel escudeiro correu em seu socorro, erguendo seu amo que estava todo dolorido.
– Maldição! – Exclamou o cavaleiro – Um feiticeiro transformou os gigantes em moinhos de vento, só para me enganar. Mas, quando eu pegar esse feiticeiro, eu o prendo e arrebento! Ele também se opõe a mim!
Nada disse o escudeiro, que limitou-se a carregar o amo de volta à sela de seu cavalo, conduzindo-o à taberna mais próxima, para refazerem ambos as forças. Mas, ao entrarem na taberna, depararam com a donzela tão sonhada, a Democracia, flertando com outro pretendente, que não o valoroso João…
Horas mais tarde, afogando as mágoas em vinho, João Quixote confidenciou ao escudeiro as suas mais recônditas dores, dizendo:
– Sabe de uma coisa, Delfim Pança? Pra mim, essa Democracia também é da oposição… Eu tento conviver com ela, mas isso está cada vez mais difícil!
Nada disse o fiel escudeiro, pois, nessas alturas, já estava de porre.
09/12/1980 – João Goulart, quem diria…
O ex-presidente João Goulart, quem diria, acabou virando nome de Rua em Campinas! Como uma pesquisa do JH mostrou que quase ninguém mais se lembra dele, e as novas gerações nem sabem quem ele foi, darei minha modesta contribuição de testemunha ocular da História e direi aos jovens quem ele foi:
João Belchior Marques Goulart, o “Jango”, afilhado de Getúlio Vargas, foi ministro do Trabalho de 1951 a 1954, tendo se tornado muito querido pelas classes operárias, que o elegeram vice-presidente da República em 1960. Com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, assumiu a presidência graças a uma grande campanha levada a efeito por seu cunhado, Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, a chamada “Campanha da Legalidade”, que garantiu a posse de Goulart, mesmo contra algumas correntes militares que já se opunham a ele.
Todavia, Goulart assumiu o cargo sob o regime parlamentarista, uma espécie de “fórmula mágica” descoberta para acalmar os ânimos, que instituía o cargo de 1º ministro do Brasil e fazia o presidente governar, mas não mandar. Entretanto, o parlamentarismo precisava ser referendado pelo povo, em plebiscito, tendo sido recusado por imensa maioria da população, com um sonoro não.
Assumindo plenamente seus poderes em 1962, Goulart passou a fazer um governo nacionalista, dando apoio aos sindicatos operários, propondo uma reforma agrária, e decretando uma lei que limitava a remessa de lucros para o exterior, de parte das grandes empresas multinacionais que já operavam no Brasil.
Com essa lei, a oposição de facções militares contra ele aumentou, sendo que alguns setores começaram a conspirar contra seu governo. Acusado de tentar uma aliança com comunistas, Goulart passou a sofrer grande ofensiva, agravada por greves, pequenas insurreições de marinheiros e soldados, e uma inflação considerada incrível, de cerca de 80% ao ano… E foi assim que ele foi derrubado do poder no dia 1º de abril de 1964, por um golpe militar que ficaria conhecido como “Revolução de 31 de março”. Morreu no exílio, há 3 anos.
Não creio que João Goulart tivesse se ligado a setores comunistas e, em minha opinião pessoal, foi um nacionalista e um idealista. O mais importante é que foi o último a ser eleito pelo povo, e merece a homenagem que recebeu da Câmara Municipal de Campinas. Como bom gaúcho, ele dizia que “depois que a boiada passa, a poeira abaixa”… E parece que ele tinha razão!
10/12/1980 – Meu querido Papai Noel…
O Natal se aproxima e o Papai Noel já está recebendo inúmeras cartinhas pedindo presentes. Em um furo de reportagem, conseguimos que o bom velhinho nos cedesse algumas delas, que publicamos hoje, omitindo só a assinatura:
“Meu querido Papai Noel,
Agora que eu já aprendeu linguagem de branco, e também malandragem de branco e besteiragem toda de branco, eu resolveu mandar cartinha para você, pedindo um grande presente: que branco para de invadir terra de índio, de levar sarampo pra índio e de ensinar sacanagem pra índio. Eu também pede pra você não esquecer de trazer pilha nova pra gravador, pra índio poder gravar todas mentiras de branco”.
- a) …….
“Meu querido Papai Noel,
Eu queria fazer um grande pedido para o senhor: que, em 1981, os políticos da oposição passem todos para a situação, e que os da situação parem de passar para a oposição. Sabe, eu não aguento mais conversar com a oposição, pois está cada dia mais difícil conviver com ela! Olha que eu expludo, esqueço das minha promessas, prendo e arrebento!
- a) …….
“Meu querido Papai Noel,
Neste Natal, eu queria um presente muito especial: como acabo de ser empossado em importante cargo e estou ministro, tenho ouvido boatos mal intencionados que afirmam que eu nunca li um livro na minha vida. Assim sendo, aproveito o ensejo para pedir ao senhor um livro de presente, que é para acabar com essas intrigas todas. Ah, sim, não serve “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, porque eu já li um pedaço quando estava na escola”.
- a) …….
“Meu querido Papai Noel,
Pelo amor de Deus, faça com que eu encontre petróleo na bacia do Paraná, se não vou ficar desacreditado e minha candidatura a presidente vai pra cucuia!”
- a) …….
11/12/1980 – A canção assassinada
Tremenda sacanagem! Em poucos dias, dois compositores maravilhosos deixaram este mundo: Cartola e John Lennon… O primeiro ainda vá, já tinha idade e estava muito doente, mas o segundo, não dá pra entender. John Lennon vendia saúde e era apenas um mês mais velho do que eu.
E tem mais: não acredito que pudesse haver nenhum motivo para alguém desferir cinco tiros no compositor inglês, à queima-roupa e pelas costas. Lennon não era político e só fazia canções maravilhosas. Sei que vão dizer que o assassino de John é um louco, que ele agiu sob o efeito de alguma psicose, mas isso não conforte, não convence, não explica…
O ex-Beatle sempre foi um dos meus compositores estrangeiros preferidos, se não o preferido. Há poucos anos, quando eu usava cabelo mais comprido e óculos redondos, me senti lisonjeado quando muitas vezes fui apontado como sósia de Lennon, embora eu não fizesse nada, propositalmente, para me assemelhar ao compositor, cantor e poeta que fez vibrar toda uma geração.
Com a morte de Lennon não termina apenas o sonho de ver os Beatles reunidos outra vez, termina a produção poética e musical de um talento comparável a Bach, Beethoven e Mozart que, juntamente com Paul McCartney, fez as mais belas canções de nosso tempo.
Lennon já faz parte do passado, do “Yesterday”, e morreu sem ao menos pedir por socorro, “Help”, em uma noite depois de um dia duro, “A Hard Day’s Night”. Mas não quero fazer graça com estas comparações entre sua morte e sua obra… Na verdade estou muito triste. Mas, deixa estar, John Lennon, “Let It Be”, que o mundo jamais esquecerá a sua obra, as suas canções, as suas melodias.
É muito difícil fazer um necrológio de um gênio, não há palavras para definir o que se sente ao saber de tão grande perda para o mundo. A única coisa que posso dizer é que John Lennon não morreu e não morrerá nunca, apenas seu corpo foi destruído estupidamente por cinco balas assassinas. Como derradeira homenagem a esse artista maravilhoso que nos deixou tão cedo, enquanto milhares de nulidades estão a vender saúde, só posso dizer: John Lennon, quero apertar sua mão… “I Want to Hold (shake) Your Hand”!
12/12/1980 – Eu não quero nem saber…
Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar de uma brincadeira que se tornou muito popular há uns 20 anos, que começava sempre com a mesma frase: -“Eu não quero nem saber quem foi…” – e terminava com um trocadilho.
Estudantes, jovens em geral, brincalhões e gozadores em particular, adoravam inventar novas frases desse tipo, sempre muito espirituosas. A coisa evoluiu a ponto de ser gravada uma música de carnaval com esse tema: – “Eu não quero saber…”, cantada pelo palhaço Pimentinha, então muito conhecido.
Naquele tempo, as frases que se tornaram mais conhecidas foram: – “Eu não quero nem saber quem foi que deu talidomida pra mãe do Saci!” – Ou “…que deu pervintin pra coruja!” – Ou “…que envernizou as asas da barata”, “…que espichou o pescoço da girafa”.
Às vezes surgiam frases ainda mais espirituosas, como por exemplo: “Eu não quero nem saber quem foi que expulsou o São Bernardo do Campo!” – Frase que logo foi respondida assim: – “Vai ver que foi u Juiz de Fora!”
Era uma brincadeira inocente, que logo foi esquecida. Todavia, resolvi reativá-la e atualizá-la, para conhecimento das novas gerações. Assim sendo, eu não quero nem saber quem foi…
…que pintou a Casa Branca.
…que deixou a Serra Pelada.
…que acabou com o óleo do Carter.
…que esvaziou a Câmara dos Deputados.
…que não quis se casar com a Ilha Solteira.
…que puxou as orelhas do Cals.
…que deu fim na nossa economia.
…que pichou a Ponte Preta.
…que deixou o Passarinho abrir o bico.
Agora, o que eu quero saber mesmo é quem foi que elevou o preço do feijão para Cr$ 170,00, quem é que vai segurar a nossa inflação, quem vai acabar com as filas do INAMPS, quem vai pagar nossa dívida externa e quem é que vai devolver o País à normalidade democrática. Sem brincadeira!
13/12/1980 – Alô, alô, senhor Delfim
Eu queria mandar um recado para o Professor Antoninho, mas não sabia como. De repente, ouvindo a música “Alô, Alô, Marciano!”, cantada pela Elis Regina, achei o jeito certo. E aí vai a paródia, para ele curtir:
Alô, alô, Delfim Neto,
Olhe o que fez com a sua terra:
Ninguém aguenta a economia de guerra
E essa dívida é uma loucura!
O povo está na maior fissura, por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
A crise tá virando zona:
Cada um por si, todo mundo na lona,
Só você tem mordomia,
A nossa gente tá pedindo alforria por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
A coisa tá ficando ruça:
Muita mutreta, muita bagunça
Gasolina não dá mais pra botar,
Tem sempre um ladrão pra nos roubar, Alá!
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
Alô, alô, Delfim Neto,
Veja o que fez com sua terra:
Sem feijão preto, sem rapadura,
O povo está na maior loucura, por que…
Tá cada vez mais down no high society,
Down, down, down no high society!
E o homem ainda quer distribuir a pobreza! Gente fina é outra coisa, entende?
14/12/1980 – Ser ou estar, eis a questão
“To be, or not to be, that is the question!” – É a fala mais conhecida de Hamlet, príncipe da Dinamarca, na obra de mesmo nome de autoria do imortal teatrólogo inglês William Shakespeare. Traduzida, a frase virou “ser ou não ser, eis a questão”, mas hoje, depois do que ocorreu com o ministro, digo ex-ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portella, que declarou que não era ministro, posto que ministro não nascera, e sim que estava ministro, a frase poderia ser traduzida como “ser ou estar, eis a questão”.
Portella tinha razão, visto que estava ministro e não mais está. E assim constatamos que, mesmo não sabendo se o verbo estar é transitivo ou não, facilmente constatamos que é um verbo transitório…
Assim, é muito mais importante ser do que estar. Por exemplo, tem muita gente que é brasileira, maior, vacinada, e está casada, ou está solteira… e amanhã pode não mais estar. Por outro lado, um sujeito tem muito mais valor quando se diz que “fulano é vivo”, do que quando se diz que “fulano está vivo”.
Isso tudo nos leva a sérias considerações transcendentais sobre a existência e durabilidade das coisas. Assim, eu descobri que:
Sou escritor. O Mal(*)f apenas está governador.
Diaféria é um grande jornalista. Geis(*)l só esteve presidente.
O povo é soberano. Delf(*)m Ne(*)o só está ministro.
John Lennon é imortal. J(*)sé Sarn(*)y só está na academia.
Ludw(*)g pode estar ministro, mas nunca será um intelectual.
Realmente, não é por ter lido um pedaço de um livro, ou por ter sido um bom aluno em matemática, que alguém pode julgar que é alguma coisa… Quando muito, pode estar pensando que é. Agora, outra constatação já não é tão feliz, pois, quando vemos a nossa dívida externa, a nossa inflação, o preço do feijão, o aumento da gasolina, a fome no Nordeste, a taxa de mortalidade infantil, os níveis do Imposto de Renda, a opinião do “homem”, os índices de analfabetismo, etc., concluímos que podemos não ser, mas enquanto durar este regime, certamente estamos todos em maus lençóis.
15/12/1980 – E tome dicionário de futebol
Copa – Taça de metal. O mesmo que caneco, que serve para premiar vencedores de grandes torneios. Se inventassem um torneio de incompetência no Governo, seria difícil dizer qual o ministro que iria ficar com a copa.
Coreia – As gerais de um estádio, significando lugar perigoso, onde sai muita briga. Por falar em Coreia, como ficou o caso de Freguesia do Ó, sem M(*)luf?
Coringa – Jogador que atua em várias posições em um time, assim feito o D(*)lfim, que atua em todas as áreas. Mas como joga mal, pombas!
Corneteiro – Boateiro, indivíduo intrigante, geralmente membro de uma torcida, ou ex-membro da direção de um clube. O Governo nem precisa de corneteiros, pois vai de mal a pior mesmo, e isso não é boato.
Corredor – Jogador veloz. Também espaço para penetração em uma defesa aberta (- polonês): – linha dupla formada por jogadores, para punição recreativa. Em Ribeirão Preto, os estudantes formaram um corredor polonês pro seu M(*)luf passar no meio. Jacaré passou? Nem ele.
Corta-luz – Jogada que ilude o adversário, passando entre ele e a bola. Enquanto os demais partidos fazem um corta-luz, o PMDB vai direto a gol.
Corrupio – Jogada na qual um craque, de posse da bola, gira sobre si mesmo para escapar à marcação contrária. Recomenda-se não falar corrupio perto de um certo governador biônico aí, que ele pode entender corrupto.
Cortar – Interceptar um chute; escapar pelo caminho mais curto; driblar um adversário; excluir um jogador de um time ou seleção. Aliás, na seleção do Ministério, os cortes são cada vez mais frequentes. Quem será o próximo?
Costado – Cada uma das faixas do campo que acompanha as linhas laterais. Cada um dos lados do pé ou do corpo do jogador. As costas de um jogador, também. Agora, as costas do povo têm de ser largas, pra aguentar tanta porrada.
Costela – Osso do tórax. Também designação popular de jogador ou time de rendimento muito irregular. E como tem costela nesse Governo…
Costureiro – Músculo da coxa. Também jogador ou time que troca muitos passes, geralmente sem nenhum efeito. Agora, o erário público anda tão cheio de furos que não há costureiro que resolva…
16/12/1980 – Já dá pra balançar 80
Acho que já dá para iniciar um balanço do ano de 1980, o último de uma década idiota que se iniciou em 1971. O ano já começou engraçado, porque muita gente pensou que era o primeiro ano de uma nova década, e a imprensa escrita e falada (e principalmente televisada) até alardeou isso com grande ênfase. Muitos babacas que comemoraram a entrada da nova década a 31 de dezembro de 1979, será que voltarão a comemorar agora, a 31 de dezembro de 1980, ou nem se darão conta da mancada que deram?
O ano foi marcado pela busca desesperada por novas fontes de energia, pela infeliz eleição de Ronald Re(*)gan nos USA, pela estúpida guerra entre Irã e Iraque, pelas declarações infelizes do D(*)lfim, pela inflação galopante, pela perda de poder do PDS, pelas vaias e manifestações contra o M(*)luf, e principalmente pelo desaparecimento de grandes artistas e alguns políticos, e até ex-tiranos.
Idi Am(*)n foi posto para correr de Uganda, Rheza Pahl(*)v e Somoz(*) morreram no exílio, o último de maneira trágica. Sá Carn(*)iro faleceu em um acidente, desfazendo as ilusões de poder da direita em Portugal, mas nem por isso o mundo ficou melhor…
O duro, mesmo, foi a perda de Vinícius de Moraes, Cartola, John Lennon, e outros grandes artistas. O genial Chico Caruso, cartunista e humorista, foi quem melhor definiu essas grandes perdas, ao escrever: “De repente, não mais que de repente, as rosas não falam e o sonho acabou”.
Mas nem tudo foi desgraça em 1980: o cacique Mário Juruna conseguiu ir para Rotterdam, na Holanda, para defender o seu povo; a abertura democrática continuou, apesar de tudo e de todos; o Papa veio ao Brasil e pregou a justiça social; ganhamos medalhas de ouro nas Olimpíadas de Moscou; Flávia Schilling foi libertada dos cárceres uruguaios; as prisões políticas brasileiras ficaram quase vazias, etc.
1980 nos trouxe mais tristezas do que alegrias, e ainda deixou uma grande indagação, depois dos atentados a bomba contra a OAB, a câmara dos deputados do Rio e a Sunab, retratada pelo funcionário da câmara que sobreviveu, embora bastante mutilado, José Ribamar de Freitas, que perguntou: – “Quem fez isso comigo?” – As investigações nada esclareceram e cumpre ao Governo responder.
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