A Garrafa!

Surpresa! Pesquisando os guardados de papai descobri um envelope enviado a ele pelo meu tio Luiz com as páginas xerocadas de mais uma história de terror de autoria conjunta dos dois irmãos.

Com o título de trabalho “A Garrafa do Diabo” e apenas quatro páginas, ela foi escrita em 1961 para publicação pela Editora Outubro na revista Histórias Macabras. O desenho a lápis é de meu tio, e a arte final do Júlio Shimamoto.

Esta é mais uma daquelas da série “não mexa com o que você não conhece”, e o tema é “centro espírita”. Um cético total é convidado para uma sessão, mas (seja por arrogância, materialismo ou preconceito) não acredita em nada do que está vendo. Quando lhe colocam nas mãos uma garrafa de cachaça “carregada” de maus espíritos com instruções expressas para que ele a jogue em água corrente, o cético resolve beber seu conteúdo, com consequências desastrosas.

Hoje temos uma “piada interna” com a figura de Waldyr Igayara de Souza (12 de maio de 1934 a 7 de junho de 2002) desenhista e editor de quadrinhos que foi colega e chefe de papai em diversos momentos de suas carreiras. Mas eu tenho certeza de que ele não era assim tão cético. É mesmo só uma brincadeira entre amigos, o fato de ele ter sido colocado como o desafortunado protagonista de uma história de terror.

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O Incorrigível

História de terror, publicada pela Editora Outubro em 1961.

A única indicação que tenho de que esta história é de papai é a anotação na lista de trabalho. Tenho somente as páginas soltas e meio roídas de rato, com o título da revista – Histórias Macabras -impresso no rodapé. Não sei o número da publicação, e tampouco aparece o nome do desenhista.

Os personagens são um pai e seu filho. O velho é um homem honesto, mas o filho é um ladrão incorrigível. O pai tenta várias vezes colocá-lo no caminho do bem, arranjar para ele um emprego, e até jura que corrigirá o rapaz de qualquer maneira, custe o que custar.

Mas o moço não quer saber de trabalho. Em todo caso, já que os assaltos violentos incomodam tanto ao velho e dão tantos problemas, como prisões e julgamentos, o moço resolve virar ladrão de túmulos. Parece ser o crime perfeito. Os mortos, pelo menos, não reagem. Ou será que reagem?

Esta é mais uma daquelas lendas urbanas moralizantes, que tentam manter o leitor no caminho do bem por meio do medo de algo sobrenatural que possa acontecer como “castigo divino”, quando a lei dos homens é falha.

Ela mexe com vários aspectos psicológicos das pessoas, como o respeito devido aos pais, por exemplo. Será que é preciso respeitar pai e mãe somente enquanto eles estão vivos? Muitas pessoas se vêem “livres” para fazer todas as barbaridades que sempre quiseram, mas que nunca tiveram coragem, quando finalmente falta a autoridade do pai.

Outro elemento é a separação da família. Quando a célula familiar se desintegra, quando os filhos perdem o contato com seus pais a ponto de não saberem se eles estão vivos ou mortos, todo tipo de horror pode acontecer. Tem inclusive algo a ver com Édipo: o homem que não sabe de onde vem, a que família pertence, é capaz de tudo, até matar o próprio pai e se casar com sua própria mãe.

Por último, temos o juramento. Promessa é dívida, é algo que reverbera pelo universo, chegando inclusive a ser uma dívida com Deus, ou pior, com o Diabo. As pessoas fazem juramentos por sua própria conta e risco, e por isso é melhor que prometam somente o que conseguirão cumprir, sob pena de virarem almas penadas após a morte.

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O Coronel Galdino

História curta de terror, publicada na revista Histórias Macabras 43, da Editora Outubro, aparentemente em 1965. O texto é de Ivan Saidenberg e os desenhos de Luiz Saidenberg.

Trata-se de uma história de traição no casamento com um final especialmente macabro. Em uma época em que “crimes de honra” eram comuns (hoje em dia não se chamam mais assim, mas continuam apavoradoramente comuns), e na qual homens de um certo status social (como esses auto-proclamados “coronéis” de engenho de antigamente) nunca eram punidos por esse tipo de crime contra a mulher, a única esperança de se fazer “justiça” vinha da crença no “além” ou em alguma vingança divina, seja com a promessa de uma punição no inferno pelo pecado cometido, ou de algo mais tétrico.

Naqueles tempos a profunda crença em superstições que as pessoas tinham, como o medo de fantasmas, por exemplo, ajudava a tornar essas lendas moralizantes parcialmente eficazes. Enquanto o medo de uma maldição fosse mais forte do que a vontade de matar, talvez o “machão” se contivesse um pouco.

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Os Jardins Da Morte

História de terror com argumento de Ivan Saidenberg e desenhos de Júlio Shimamoto, escrita e desenhada em 1961 e publicada em uma das revistas da série Histórias Macabras, da Editora Outubro. Não tenho a revista em si, apenas as páginas soltas e um pouco maltratadas.

Bastante apropriada para uma noite de Halloween, ou, como é mais conhecida no Brasil, Dia das Bruxas ou Dia do Saci, esta é uma história de vampiro: uma vítima é encontrada morta na frente do portão que dá para um local conhecido como “Jardins da Morte”, e um rastro de sangue leva até lá. Será que é ali que se esconde o monstro?

Um homem se propõe a investigar. Lá dentro, se apresenta como jornalista do Jornal “A Tarde” a um outro homem que encontra, este vestido de “Conde Drácula”, que é conhecido como “Conde Drake”. Conversa vai, conversa vem, e o fantasiado se revela como sendo apenas um homem rico e entediado que criou aquela “casa maluca” cheia de efeitos especiais eletrônicos, estátuas de cera e um jardim tão macabro quanto magnífico, apenas pelo prazer de assustar as pessoas. Não passa de uma criança grande, que resolveu viver um eterno Halloween.

As atrações da casa são tantas, e tão sofisticadas, as descrições do dono do lugar são tão envolventes, que o leitor chega até a esquecer que há um vampiro à solta. Dadas as explicações, entre sustos no rapaz e gargalhadas do Conde, o repórter se retira. Ok, é uma história interessante, mas afinal, cadê o vampiro???

Isso é o que o nosso fantasiado amigo Conde Drake vai descobrir, um pouco tarde demais… (Cuidado, leitor: não vá sair por aí se fantasiando e brincando com coisas que você não entende, só porque é Dia das Bruxas. Para todo idiota que se faz de monstro, existe um monstro que se faz de idiota.)

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O Carrasco

História de terror, publicada em Histórias Macabras (Ano III – Número 31, 1961) da Editora Outubro, sob a direção de arte de Jaime Cortez com argumento de Ivan Saidenberg e desenhos de Frederico Lopes de La Torre.

A trama é inspirada em livros de mistério como O Caso dos Dez Negrinhos e similares: um grupo de herdeiros (neste caso o falecido era o carrasco da cidade), estranhos entre si, é chamado a um ambiente lúgubre para a realização de um inventário. Não parece haver um testamento. Logo em seguida, eles começam a morrer em circunstâncias misteriosas, um a um.

Apesar do ambiente de área bem definida e da presença de muitas pessoas, como ocorre com o casarão desta história, os crimes não têm testemunhas, e as suspeitas recaem ora sobre uns, ora sobre outros. Num momento a polícia dá o caso por encerrado, e depois diante de novas mortes é obrigada a voltar atrás. Os suspeitos mais óbvios nunca são os culpados, e o verdadeiro culpado é sempre aquele que está lá o tempo todo, mas que passa despercebido durante a maior parte do tempo.

Aqui este modelo se repete, mas com um desfecho surpreendente e sobrenatural. Primeiro, a polícia prende o mordomo (este é um clichê dos livros de mistério menos brilhantes: o suspeito é sempre o mordomo, e às vezes ele é também o culpado), dá-lhe uma surra (quando ele é liberado, está com a cabeça enfaixada e um olho roxo), mas depois é obrigada a soltá-lo. Por um momento o advogado e um dos herdeiros se revelam como os autores das mortes até ali, mas logo em seguida aparecem mortos também, juntamente com os outros herdeiros restantes. Todos macabramente decapitados.

Ora, decapitar pessoas é coisa de carrascos! É só no último quadrinho que vemos a verdadeira solução da macabra trama: o assassino é o fantasma do falecido, que voltou dos mortos temporariamente para favorecer o seu fiel mordomo, que é quem acaba herdando o casarão, sem que qualquer suspeita possa recair sobre ele.

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O Ídolo de Jade (Terror)

A pedidos, passarei a comentar toda sexta feira (sempre que possível, é claro) uma história que papai escreveu e que não é uma história Disney.

E como sexta feira é dia principalmente de histórias de terror, vou começar com uma que foi, anos depois, “continuada” em duas histórias dos Irmãos Metralha. Histórias essas que comentarei na semana que vem, se Deus quiser.

Trata-se de “O Ídolo de Jade”, publicada na revista Histórias Macabras (Ano III – Número 31, 1961) sob a direção de arte de Jaime Cortez, com argumento de Ivan Saidenberg e desenhos de Flávio Colin. A capa é de Nico Rosso.

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A história é bem direta: trata-se de uma maldição “assentada” numa suposta antiga estatueta feita de jade, pedra preciosa de cor verde originária principalmente da China.

Começa com o roubo da estatueta de uma casa de artigos orientais. O ladrão, mesmo avisado da maldição que dá um extremo azar a quem a tem sob sua guarda, mata a tiros o dono da loja para poder ficar com ela.

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O bandido então a leva ao esconderijo de seu bando, mas a polícia o segue e prende a todos menos um, que foge com o objeto maldito e tenta vendê-lo a um comprador de “muambas”, sendo preso em flagrante.

E assim, a estatueta vai trocando de mãos: ela é levada ao depósito da polícia e supostamente causa um incêndio na delegacia. Um bombeiro a encontra entre os escombros e a leva para casa, como um presente à esposa. Em seguida a casa é furtada durante a noite, e o bandido leva, entre dinheiro e outros objetos, o ídolo de jade.

Acontece que esse bandido é o mesmo que matou no início da história o comerciante pelo objeto, e assim o círculo maldito se fecha: a estátua do mal voltou para atormentar quem a roubou, em primeiro lugar. Assustado, o bandido tenta atirá-la longe, mas desloca o ombro. Tenta atirá-la num rio, mas cai na água juntamente com ela e morre afogado. Olho por olho, dente por dente. O comerciante de artigos orientais está vingado.

A maldição da estátua poderia terminar aí, mas ela parece ter vida própria, e achar que sua “missão” é continuar trocando de mãos para melhor aterrorizar os mortais. A draga do rio recolhe o corpo morto com a estatueta ainda presa a ele, e os operadores do barco decidem ficar com ela para vendê-la, perpetuando a maldição.

A história termina em tom ameaçador, no estilo “lenda urbana”:

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Esta história é muito provavelmente baseada  na lenda do Diamante Hope, que teria sido retirado do olho de uma Deusa hindu, levado à Europa por um mercador e vendido aos reis da França. Sua última dona na casa real francesa, Maria Antonieta, morreu guilhotinada na Revolução Francesa. Seus proprietários subsequentes também teriam passado por várias tragédias, até que a pedra foi finalmente doada a um museu e retornou à sua função original, a de pertencer a uma comunidade e ser admirada pelo que ela é, e não como símbolo de ostentação de algum ricaço de Ego inflado. Sua maldição estaria, assim, neutralizada.