Sempre Cabe Mais Um…

História do Pena Kid, de 1976.

Quando não estava parodiando velhos filmes de faroeste, ou explorando algum aspecto ou clichê do tema, papai usava as atividades do Peninha na redação de A Patada como uma metáfora e uma aula sobre como (não) se faz quadrinhos, a cada vez examinando um aspecto da produção das histórias.

Já vimos, por exemplo, como um desenho/rafe pode ser facilmente alterado para se modificar a ambientação de uma história, em “A Legião dos Renegados”, ou mais recentemente uma reflexão sobre a importância do nome de uma história, em “Uma Missão Espinhosa”. O título desta aqui, aliás, é inspirado em uma antiga campanha publicitária da marca Rexona.

Aqui vamos ver qual é a importância do número de personagens em uma trama. Se um personagem só “não faz história” (assim como “uma andorinha só não faz verão”), um roteiro com personagens demais também pode se tornar impraticável. Mas nesta história em especial, o que temos é o Peninha tentando tirar uma soneca na hora do trabalho, e como sempre “trollando” o Tio Patinhas quando seus planos são frustrados pelo velho muquirana, que exige que uma história seja feita, e já!

PK Mais um

E pior, com muitos personagens, e consequentemente muita ação, porque é isso que (na opinião do editor) vende uma história em quadrinhos de faroeste, e jornais, principalmente.

PK Mais um1

O Peninha, então, para se vingar, resolve atender o pedido do tio ao pé da letra, juntando em um só quadrinho todos os personagens dos quais se lembra, e de quebra algumas caricaturas dos artistas da redação da Editora Abril da época, em primeiro plano:

PK Mais um2

Só que a história de faroeste, em si, acaba não “acontecendo”. Tudo o que o leitor vê é a discussão entre o Tio Patinhas e o Peninha, e as soluções arrevesadas que o “autor da história” encontra para cumprir as ordens do outro, de má vontade e de modo a “fazer sem fazer”, para se desincumbir o mais rápido possível e poder ir tirar a sua sonequinha. E esta é, na verdade, a história.

E no final das contas é muito interessante que o Peninha seja um “quadrinista” assim tão relutante. Afinal, sem ter muita vontade de colocar uma história no papel, e sem muito amor pela arte, quadrinista nenhum faz muita coisa. Na prática, o Peninha quadrinista é o exato oposto de papai, que acordava cedinho todo dia, todo animado para trabalhar com aquilo de que mais gostava, e dava o melhor de si em cada história que escrevia.

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Mais detalhes sobre o processo criativo dele estão em minha biografia de papai. Ela está à espera de vocês nas melhores livrarias:

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Esbanjando Talento

História do Pena Kid, de 1976.

Faz parte da série na qual o Peninha, na redação de A Patada, escreve a nova história do personagem sob o olhar atento e os palpites rabugentos do Tio Patinhas, que acha (mas só acha) que entende de quadrinhos.

O título é um trocadilho com “banjo“, que é o nome de um instrumento musical que mais parece um cavaquinho redondo, e que era muito popular no Velho Oeste. O fato é que o Pena Kid adora música, mas é desafinado que dói. Tão desafinado, que o povo de Cataclisma City (papai sempre escolhia nomes bem bombásticos para suas cidades do Oeste, se bem que há uma cidade chamada Tombstone City – Lápide, em português – no Oeste dos EUA) resolve acabar com a.. aham, “música” a bala.

Então nós temos na verdade duas histórias em uma, dois conflitos em um: enquanto o Peninha luta por sua liberdade criativa, o Pena Kid teima em fazer sua música. E ao contrário do caubói, que pode bater o pé e enfrentar diretamente o povo da cidade, comprando e tocando cada vez mais instrumentos (e correndo de cada vez mais balas), o Peninha não pode dizer abertamente o que ele pensa dos palpites e ideias rígidas do Tio sobre como deveria ser uma história de Faroeste.

Há também um certo elemento de cinema nas histórias do Pena Kid: às vezes, as construções são apenas fachadas de madeira, e é possível ver as escoras de pau que as mantém em pé. Em outras ocasiões, já apareceram remendos no céu, como se fosse um pano de fundo, um truque de filmagem. Desta vez, o Alazão de Pau passa a história toda escondido atrás dos quadrinhos e espiando de lá, só a cabeça de fora, como se o fundo deles fosse a própria tela onde o nosso filme está sendo projetado.

Parte do conflito do Tio Patinhas com o Peninha está no fato que a história não tem um duelo com nenhum bandido. O Peninha quer que seja só sobre a música desafinada e a reação das pessoas (e aqui eu acho que o velho ranzinza tem alguma razão), e o Patinhas quer ação, aquelas cenas que na verdade “vendem” jornal.

Sem poder impor sua vontade diretamente, o Peninha resolve então sacanear:

PK bandidos

É só depois que o Tio e chefe o ameaça de demissão que o Peninha resolve ceder e colocar os bandidos na história, mas do jeito dele:

PK bandidos 1

Aí temos, além dos Metraltons, Pancho Aldeia (brincadeira com Pancho Villa), Os Clantons (alusão ao bando de Ike Clanton – que papai achava que eram parentes dos Clintons, que governaram os EUA) e Zé C. James (Jesse James, outro bandido do mundo real)

No final, o Pena Kid, com a sua, bem, “música”, consegue fazer os bandidos se entregarem sem disparar um único tiro, e na verdade sem nem saber que eles estavam lá. O Peninha decididamente não queria fazer o seu personagem lutar hoje, e consegue dar o seu jeito de levar a história para onde ele queria sem precisar se indispor (demais) com seu tio e editor.

Que era mais ou menos o que papai fazia na Abril, às vezes. Não era raro ele tentar “puxar” um pouquinho mais para ver até onde iam os “limites” de uma história em quadrinhos.