Uma Tevê para Xicória

História da Xicória, de Daniel Azulay, escrita em junho de 1982 e publicada pela Editora Abril na revista “Turma do Lambe-Lambe” número 9 em janeiro de 1983.

A televisão é um fenômeno no Brasil por ser quase universal, até mesmo entre pessoas sem as mínimas condições financeiras. Esse nunca foi um aparelho barato, mas nos anos 1970 e 1980 era comum encontrar famílias que viviam em favelas, mal tinham o que comer, não tinham sequer uma geladeira no barraco em que viviam (para não falar de outros eletrodomésticos), mas que tinham o bendito aparelho de TV e a indefectível anteninha em cima do telhado de folhas de lata.

E, com a TV, vem o hábito quase irrefletido de assistir novelas. Nas rodinhas de conversa entre vizinhas e amigas (principalmente mulheres, mas os homens também, quando as mulheres não estavam ouvindo), comentar as novelas era algo comum, uma conversa corriqueira como comentar o clima, por exemplo. Ver novelas era algo que todo mundo fazia, e quem não tinha TV (ou não assistia novelas) podia se sentir positivamente um excluído.

xic-tv

Papai nunca se sentiu confortável com o aparelho de TV dentro de casa. Para ele a “máquina de fazer loucos” (como ele a chamava), com sua constante demanda por atenção, fosse por causa dos programas ou principalmente dos sempre estridentes e barulhentos anúncios, era uma intrusa e uma perturbação.

Já mamãe e eu, talvez por causa do ofício de argumentista (mais dela do que meu, naquele tempo), sempre achamos as novelas meio que um insulto à nossa inteligência. As tramas sempre foram fracas, tecidas ao sabor das preferências do público, frequentemente com personagens que mudavam radicalmente de personalidade no meio da história sem motivo aparente e cheias de pontas soltas e reviravoltas ilógicas.

Assistir novelas nunca foi (e continua não sendo) um hábito automático em nossa casa e, em um tempo em que elas eram o assunto principal das rodinhas de conversa, algumas vezes fomos confrontadas com olhares espantados em festinhas de aniversário e outros eventos sociais por causa disso.

Nesta história é a empregada Xicória que, sentindo-se excluída da conversa, pede um aparelho de TV ao Professor Pirajá, que vive na floresta justamente para escapar das distrações da vida moderna e poder pensar melhor. A maneira como a solução do problema da TV e da novela causa outros problemas mas acaba levando a uma solução criativa é a linha central do roteiro desta história.

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A História dos Quadrinhos no Brasil, e-book de autoria de papai, pode ser encontrado na Amazon

 

De Volta Ao Mundo De Esquálidus

História do Mickey, de 1979.

Com uma generosa dose de tecnofobia e muito humor, ela foi premiada com o 5º Prêmio Abril de Jornalismo em 1980 como Melhor História em Quadrinhos.

Com o advento dos computadores, nos anos 1960, e com os avanços da tecnologia que já se via nos anos 1970, surgiu em algumas pessoas uma certa paranoia de que, algum dia em um futuro não muito distante, essas máquinas todas se tornassem “inteligentes demais” e passassem a nos dominar. Essa ideia foi muito alardeada por sensacionalistas de todos os tipos, desde jornalistas até cineastas e afins.

E apesar de todos os avanços, e da atual crença de que máquinas super inteligentes podem nos libertar e não escravizar, se usadas corretamente, essa tecnofobia ainda existe. Uma noção que já está caindo em desuso, mas que foi muito usada como “bicho papão” nos anos 1990 e 2000 é a de que a Internet seria algo “viciante”, e que os computadores e depois os dispositivos portáteis nos transformariam em seres “antissociais”, e que, para evitar essa desgraça, precisaríamos evitar usar as máquinas a todo custo.

Mas, com o advento das redes sociais, e com a tecnologia se tornando cada vez mais indispensável na vida das pessoas tanto para o trabalho como para o lazer, não há mais como tentar nos amedrontar para nos influenciar a ficarmos longe da conectividade. Isso, aliás, acontece porque essa facilidade toda de comunicação entre as pessoas comuns é algo de que os políticos e demais poderosos do mundo têm muito medo. Mais do que uma “ditadura de máquinas”, os grandes vilões da atualidade morrem de medo da verdadeira democracia participativa que a tecnologia vem tornando cada vez mais possível.

Voltando à nossa história de hoje, um desses avanços da tecnologia era a TV em cores, por exemplo, que hoje nos parece até prosaica, mas que só começou a se tornar realmente acessível para a maioria da população brasileira na época da Copa do Mundo de 1974. Em 1979 a coisa toda ainda era uma grande novidade mas, é claro, o Mundo do Esquálidus está sempre um passo ou dois à frente.

Lá, não apenas a TV é tridimensional, como também as máquinas já tomaram o poder. (Note-se, por favor, as designações de algumas das máquinas. Qualquer sigla que pareça conhecida não terá sido mera coincidência.) Mas, por mais avançada que uma máquina seja, um cérebro eletrônico sempre será somente tão bom quanto a sua programação. E é com esse detalhe que papai conta para introduzir um elemento imprevisto que vai “fundir a cuca” das tiranas e permitir a volta dos nossos heróis Mickey e Pateta à superfície.

Mickey Esqualidus

Aqui, pelo menos, as máquinas (ainda) não mandam na gente… ou será que mandam?

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Copa Ou Cozinha?

História do Zé Carioca, de 1982.

Renomeada depois para “O Jogo Da Tevê”, ela aparece na lista de trabalho de papai no início de 1982, sob a classificação “complemento”. Papai provavelmente se esqueceu de anotar logo quando a escreveu, e só a inseriu na lista depois que ela voltou para reformulação. (E convenhamos, mas que mudança de nome mais boba… Quem foi que teve a “jenial” ideia?)

Esta é uma situação que pode ser bastante comum no Brasil, especialmente em época de Copa do Mundo. Em outros tempos, quando a maioria das casas tinha apenas um aparelho de TV para a família toda, decidir o que todos iriam assistir podia se transformar em um verdadeiro problema. Ainda mais se a emissora alterasse a programação sem aviso prévio.

O tema “feminismo” é tratado aqui de uma maneira discreta e um tanto estereotipada, mas com um final que tenta ser justo para ambos os lados. Interessantes são as reações bastante típicas de um “machão” do Zé Carioca, e também bastante reveladoras da mentalidade masculina, a começar do fato de se sentir ameaçado pela reunião de mulheres realizada para tratar de um assunto que é importante para elas. Ele nem sabe ainda do que se trata, mas já classifica de “complô”.

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Já a discussão entre a Rosinha e o Zé é típica dos argumentos proferidos de lado a lado na época, e certamente fez muitos leitores se identificarem. É claro que, no final das contas, tanto o jogo quanto a novela são motivos bastante fúteis para essa algazarra toda (sim, querido leitor: “machões” também podem ser fúteis). E ambos os lados têm sua razão, apesar de tudo.

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Acho que nem é preciso explicar o trocadilho no título, né? E a “Rede Glub” de televisão é uma referência que deixa pouco a adivinhar, assim como são também o nome da novela, que aqui passou de “Brilhante” para “Diamante”, e os dos personagens principais “Ruíza” e “Taulo”. De acordo com a Wikipédia o último capítulo dessa novela foi exibido em 26 de março de 1982. A data da primeira publicação da história é 5 de março. Ou seja, ela foi escrita, comprada e produzida em tempo recorde, e estava perfeitamente “antenada” com os acontecimentos.

Desde então, ao contrário do que acontece na história (que parece ocorrer toda durante os 45 minutos do primeiro tempo, já que, quando o jogo recomeça, estão todos já na frente da TV), as emissoras aprenderam a não misturar as coisas. Há quem diga que “algumas” delas inclusive manipulam o horário dos jogos de futebol, para não haver conflitos. Em todo caso, em uma época na qual qualquer smartphone pode ser usado como TV, isso é cada vez menos um problema.

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O Pogresso Chega Na Roça

História do Urtigão, de 1984.

Em meados dos anos 1980 teve início a “revolução tecnológica” no Brasil, com a chegada ao mercado de todo tipo de aparelho eletrônico, entre computadores domésticos, aparelhos de videogame conectáveis à TV, aparelhos de videocassete e jogos eletrônicos portáteis do tipo “tetris“. As perguntas que aqui se faz são: “o que é progresso?”, “tecnologia e progresso são a mesma coisa?” e “será que todo progresso é bom?”. Por isso a palavra grafada incorretamente de propósito no título da história.

“Rede Bobo de Televisão”, e “máquina de fazer loucos” eram os apelidos (quase) carinhosos que papai dava a certa rede de televisão brasileira e aos aparelhos receptores que permitem assistir às transmissões televisivas. Daí também o trocadilho com o nome de certo programa de TV dessa mesma “Rede Bobo”, voltado ao público das áreas rurais.

Urtigao pogresso

Até aí, a TV e os aparelhos eletrônicos em geral não são o fim do mundo, a não ser pelo fato de que exigem atenção total de seus expectadores ou usuários, e estão atrapalhando as atividades produtivas da roça, como a colheita do milho. Aliás, até a colheita vira um jogo do tipo tetris, nesta história. Pode até ser divertido, mas nenhum milho real é colhido. Sem uma boa colheita de verdade, que progresso pode haver na roça?

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(Gabiroba, aliás, usada aqui como interjeição, é o nome de uma fruta que dá, literalmente, no mato, e tem propriedades medicinais.)

Uma solução temporária para o problema da colheita cai literalmente do céu, mas é só uma questão de tempo até que a eletricidade volte e, com ela, o “pogresso” que hipnotiza pessoas e as faz esquecer de suas tarefas cotidianas e até mesmo dos jogos e brincadeiras tradicionais.

Mas engraçado, mesmo, de verdade, é lançar o nosso olhar contemporâneo sobre os gráficos eletrônicos de “ultima geração” de mais de trinta anos atrás. Mais curioso ainda é tentar imaginar o que dirão nossos netos da tecnologia que temos hoje.

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